sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Claudia Safatle - Lupi comete erro primário em aposta no consignado

Valor Econômico

Ministro parece ter fé inabalável de que a redução da taxa de juros, de forma aleatória, levará ao aumento do saldo das operações

O corte no teto de juros do INSS resultou na redução da oferta do crédito consignado pelo mercado, um efeito exatamente o contrário do que pretendia o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, quando começou a sua batalha pela diminuição do teto da taxa de juros para os aposentados do INSS.

De maio a setembro houve uma queda de 35% na quantidade de empréstimos ofertados para o público com mais de 70 anos, se comparado a igual período de 2022. Para os aposentados em geral, a queda foi de mais de 10%.

Em outubro, com uma nova rodada de contração da taxa de juros - cujo teto caiu de 1,91% para 1,84% ao mês -, o processo de retração do consignado pelos bancos se acentuou.

A primeira investida de Lupi sobre os juros do crédito consignado, feita junto ao Conselho Nacional da Previdência Social, foi no dia 13 de março quando ele anunciou corte de 2,14% para 1,70%.

De imediato, a oferta do crédito consignado foi suspensa pelos bancos, inclusive os bancos públicos. Lupi teve que recuar e no dia 28 de março anunciou que a taxa máxima seria de 1,97% ao mês. Desde então, os juros caíram para 1,91% no dia 17 de agosto e para 1,84% em 10 de outubro, sempre como uma proporção da queda da taxa básica de juros, a Selic.

Ao adotar a taxa Selic como referência para os juros do crédito consignado, Lupi cometeu um “erro” primário, pois o consignado tem prazo de até sete anos (84 meses) e a sua referência deveria ser o custo de captação para um prazo equivalente, que tem como base o custo pago pelo Tesouro Nacional em seus títulos de longo prazo (risco soberano), acrescido do prêmio de risco de cada banco.

Mesmo quando a taxa Selic cai, não há qualquer garantia de que a taxa de juros futura vai ter queda. Foi o que aconteceu, por exemplo, entre os dias 18 de setembro e 6 de outubro. Embora a Selic tenha tido um corte de 0,5 ponto percentual, com queda de 13,25% para 12,75% ao ano, os juros futuros, representados no título pré-fixado com vencimento em 2026, do Tesouro Nacional, subiu de 10,13% para 10,90%, com aumento de 0,77 ponto percentual. O prazo de três anos é compatível com o prazo médio do crédito consignado.

“O fato é que a redução do teto da taxa de juros está afetando negativamente o crédito consignado. Hoje um aposentado que recebe um salário mínimo e tem 75 anos já não consegue mais pegar um crédito”, explicou Rafael Baldi, diretor de Produtos Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Segundo ele, desde que começou a concessão do crédito consignado, em 2003, que o saldo das operações crescia sempre. Mas, encerrado o primeiro semestre deste ano, esse quadro virou e está em queda. Lupi, no entanto, parece ter uma fé inabalável de que a redução da taxa de juros, da meneira como está sendo feita, levará ao aumento do saldo das operações.

A concessão média mensal de consignado para os aposentados do INSS apresenta o menor volume desde 2017, quando era de R$ 4,9 bilhões. Veio crescendo ano a ano e chegou a R$ 8,7 bilhões em 2022, segundo dados de março a junho de cada exercício. Neste ano, porém, teve uma queda, ficando em R$ 4,7 bilhões no período citado. “Presume-se, dessa forma, que a redução aleatória do teto de taxa não tem sido um gerador de estímulo à entrada de novos beneficiários contratantes do crédito”, diz ofício da Febraban ao ministro da Previdência.

A composição do crédito é uma outra forma de se observar que as novas operações do consignado estão minguando: em janeiro deste ano a margem livre, que corresponde a efetiva liberação de recursos para os aposentados, era de 82%, a portabilidade correspondia a 3%, e o refinanciamento, 14%. Atualmente a composição é de 30% para a margem livre, 24% são portabilidade e 46% referem-se ao refinanciamento.

A portabilidade não resulta em crédito novo, mas tão somente a troca de instituição e, no refinanciamento, estima-se uma liberação de 15% do valor da operação para os aposentados, sendo o restante usado para quitar o contrato anterior.

Outra questão que Baldi levanta é que, com o teto dos juros em 1,91%, cerca de metade se referia ao custo de captação do banco. Mas tem diversos outros custos que não caem com a redução da taxa básica de juros. Estes equivalem a 1,30% e vão da manutenção das agências físicas, pagamento dos salários, impostos, inadimplência a demais custos administrativos.

A inadimplência, no consignado, decorre do falecimento do tomador do crédito, que quando ocorre a dívida acaba. Esta foi uma das razões que afastaram o cliente com 75 anos ou mais, com o corte no teto dos juros.

 

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