Folha de S. Paulo
Preservação
de regimes democráticos demanda reformas para atrair eleitores de populistas de
extrema direita
Tudo o que os
eleitores decidem em uma eleição livre é "democrático"? O que é
democrático depende dos valores que são atribuídos à democracia. A distinção que determina a
resposta está entre as concepções minimalistas e maximalistas da democracia.
Por concepção, quero dizer uma definição que tem sentidos normativos, como
todas as definições de democracia têm.
MINIMALISMO E MAXIMALISMOS
A democracia é um
sistema no qual os cidadãos decidem coletivamente por quem e, até certo ponto,
como serão governados. Essa característica é determinante: um regime é
democrático se —e somente se— as pessoas são livres para escolher e, inclusive remover, governos.
Na concepção
minimalista, isso é tudo o que há na democracia. Desde que todos os
pré-requisitos necessários para que os cidadãos escolham livremente os governos
sejam cumpridos e as decisões sejam tomadas de acordo com os procedimentos
estabelecidos, qualquer coisa que os eleitores decidam é democrática.
É verdade que os
eleitores decidem apenas indiretamente, elegendo legislaturas: as leis são
adotadas pelas legislaturas, não pelos eleitores. No entanto, se a legislatura
é livremente eleita, segue procedimentos na promulgação de leis e se as leis
são devidamente implementadas, a democracia não é questionável.
Embora esse
critério seja conceitualmente nítido, surgem discordâncias operacionais: basta
ver como diferentes pesquisadores classificam a Rússia ou a Venezuela nos últimos 30 anos. Medidas
institucionais às quais Varol (2015) se refere como "furtivas" são
particularmente escorregadias —medidas aparentemente democráticas destinadas a
aumentar a vantagem eleitoral do incumbente.
Tanto Berlusconi quanto Erdogan, por exemplo, estenderam o direito de voto aos cidadãos residentes no exterior. Essa medida foi vestida em uma linguagem perfeitamente democrática —"estendendo os direitos políticos a todos os cidadãos"—, mas a motivação óbvia era ganhar votos. Só depois ficou claro que Berlusconi atirou no próprio pé enquanto os turcos em Berlim votaram esmagadoramente em Erdogan.
Portanto, tais
medidas são difíceis de avaliar tanto antes, pelas motivações, quanto depois,
pelos resultados, mesmo pelos critérios minimalistas.
Na concepção
minimalista, o valor da democracia é intrínseco, independente de todas as
contingências. É apenas a capacidade da coletividade dos cidadãos de escolher
governos. Essa capacidade é valiosa se adotarmos a concepção de Sen (1988), na
qual alcançar algo por meio de uma ação é mais valioso que o mesmo resultado
que ocorre independentemente dela.
Também há, porém,
consequências valiosas: essa capacidade gera a implementação de outro valor, ou
seja, a paz civil. Nas palavras de Bobbio (2009), "o que é democracia
senão um conjunto de regras para a solução de conflitos sem derramamento de
sangue?".
Como observa
Schumpeter (2017), no entanto, a maioria das pessoas valoriza a democracia não
em si, mas porque esperam que ela realize alguns valores extrínsecos, alguns
ideais ou interesses superiores que consideram desejáveis.
Ele dá exemplos,
mas não fixa sua lista: "Existem ideais e interesses últimos que o
democrata mais ardente colocará acima da democracia, e tudo o que ele quer
dizer quando professa uma lealdade intransigente a ela é que está convencido de
que a democracia garantirá esses ideais e interesses, como liberdade de
consciência e de expressão, justiça, governo decente e assim por diante".
De fato, quase
todos os aspectos normativamente desejáveis da vida política, e às vezes até da
vida social e econômica, são creditados à democracia: representação, responsabilidade, igualdade,
participação, justiça, dignidade, racionalidade, segurança —a lista continua.
Somos repetidamente informados de que "a menos que a democracia seja X ou
gere X, ...". A elipse raramente é explicada, mas insinua que um sistema
no qual os governos são eleitos não é uma democracia a menos que X seja
cumprido.
Obviamente, quanto
mais valores se atribuem à democracia, menos propensos estamos a encontrá-la. A
questão, então, é o que defendemos quando defendemos os valores extrínsecos que
atribuímos à democracia, como justiça ou igualdade de gênero. Estamos defendendo a
democracia ou os valores que atribuímos à democracia? E qual é a resposta a
essa pergunta quando diferentes pessoas atribuem valores diferentes à
democracia?
A DIFICULDADE
A dificuldade hoje
é que todos são "democratas". Fascismo e comunismo eram alternativas racionalmente
motivadas, elaboradas e amplamente atraentes à democracia. No entanto, embora o
epíteto "fascista" seja jogado descuidadamente por aí nos dias de
hoje, eles estão mortos agora.
Posturas autoritárias são generalizadas, mas o
autoritarismo é um instinto, não uma ideologia. Ao contrário da União Soviética, a China não propaga seu sistema político
para outros países. A retórica democrática é usada em todo o espectro político.
Aqui estão alguns
exemplos. Um propagandista de Putin, Mikhail Leontiev, afirmou em 2008:
"Não entendo o que é antidemocrático no fato de que alguma força que
desfruta de um apoio social esmagador vença as eleições". Trump disse: "Nosso movimento tenta
substituir um estabelecimento político corrupto e fracassado por um novo
governo, controlado por vocês, o povo dos Estados Unidos".
Mesmo alguém tão à
direita quanto se pode ser nos dias de hoje, José Antonio Kast, derrotado nas últimas
eleições presidenciais chilenas, insiste: "Sou um democrata e sempre
respeitarei a vontade popular". Os democratas suecos, um partido com raízes
autenticamente fascistas, agora declaram seu compromisso com a democracia. O
mesmo acontece com o Partido da Liberdade da Áustria (FPO) e
com Giorgia Meloni.
Agora, Putin
adotou medidas —abertas e clandestinas— que tornaram sua remoção do cargo
impossível. Trump tentou, mas foi muito incompetente para torná-las eficazes.
Essas tentativas são antidemocráticas pelo critério minimalista.
Mas Meloni, os
democratas suecos e o Partido da Liberdade Austríaco governaram sem adotar
medidas que violassem as normas minimalistas. A extrema direita da Europa Ocidental é
programaticamente anti-Europa, anti-imigração, anti-Islã e "anticrime"; ela
faz apelos vagos à "forma de vida tradicional", mas respeita as
precondições para a democracia.
Ainda mais, a
direita da Europa Ocidental geralmente se afastou de questões culturais e varia
em suas posições sobre questões econômicas. No Leste Europeu, as questões culturais são mais
proeminentes, com várias políticas homofóbicas e anti-igualdade de
gênero realmente adotadas. Os republicanos nos Estados Unidos estão
mais próximos de seus copartidários do leste que dos da Europa Ocidental.
As políticas
do governo polonês do PiS —antiaborto,
anti-LGBT, contrária a assinar um tratado sobre violência doméstica— são
"antidemocráticas"? Essas políticas violam normas de universalismo,
igualdade ou liberdade, que muitas pessoas consideram essenciais para a
democracia. No entanto, essas políticas foram apoiadas por uma maioria de
eleitores em eleições razoavelmente livres.
O Parlamento francês acaba de adotar uma lei de
"imigração" que diz quase nada sobre o fluxo de
pessoas através da fronteira, mas restringe severamente os direitos de não
cidadãos que já estão no país, incluindo crianças nascidas na França. Essa
legislação é claramente racista, mas é apoiada por mais de 70% dos
entrevistados franceses em pesquisas. Eu acho repulsivo, mas é
"antidemocrático"?
Quando os valores
que pessoas diferentes atribuem à democracia estão em conflito, quem pode
decidir o que é ou não é "democrático"?
Os tribunais
desempenham um papel importante na supervisão do cumprimento das precondições
para o livre exercício da vontade coletiva, especificamente para que as regras
que regem as eleições sejam observadas. Eles são guardiões da democracia no sentido
minimalista. Mas mesmo que algo seja "democrático" no sentido
minimalista, ainda pode não ser "constitucional".
As Constituições são encarnações do
maximalismo, no sentido de que especificam alguns valores que não podem ser
violados por maiorias transitórias.
O preâmbulo
da Constituição dos Estados Unidos menciona
justiça, tranquilidade doméstica e bem-estar geral. O preâmbulo da Constituição
da Índia refere-se a "justiça, social,
econômica e política; liberdade de pensamento, expressão, crença, fé e culto;
igualdade de status e oportunidade; e a promoção entre todos eles; fraternidade
assegurando a dignidade do indivíduo e a unidade e integridade da nação".
Os maximalistas
podem afirmar, portanto, que violações dessas normas por maiorias temporárias
podem ser democráticas, mas não constitucionais. Apelos a tais valores podem
ser direcionados aos órgãos de revisão constitucional com base no argumento de
que a "vontade do povo" reside na Constituição (Alexander Hamilton no
Federalist Paper 78), de modo que as leis promulgadas por maiorias legislativas
estão sujeitas a serem invalidadas pelos tribunais por motivos constitucionais.
Na França, por
exemplo, o Conselho Constitucional reconheceu
em 1973 como legalmente vinculante os valores incorporados no preâmbulo da
Constituição de 1946. Mas e se os tribunais não intervierem ou confirmarem as
decisões da maioria (em muitos casos porque são controlados pelo governo
incumbente) e algumas pessoas ainda acharem que essas decisões violam os
valores que atribuem à democracia?
CRISE DA DEMOCRACIA?
As últimas três
décadas testemunharam um rápido aumento da insatisfação com as instituições representativas
tradicionais, uma erosão dos sistemas partidários tradicionais e sua
fragmentação, um aumento dos partidos de extrema direita e o surgimento de
"mágicos" —indivíduos ou partidos que oferecem soluções milagrosas.
Essa transformação
repentina levou a uma preocupação generalizada com o futuro da democracia,
expressa em inúmeros livros e artigos que soam o alarme sobre "a crise da
democracia". Contribuí com um deles, "Crises da
Democracia" (Zahar), e este ensaio constitui uma reflexão posterior.
Essas
transformações constituem uma ameaça à democracia ou um avanço da democracia?
A intensa e
generalizada insatisfação com as instituições representativas é frequentemente
descartada como "populismo", mas a validade das
críticas às instituições representativas é evidente. É desonesto reclamar sobre
a rejeição generalizada dessas instituições e, ao mesmo tempo, lamentar a
persistente desigualdade.
A desigualdade
oferece evidências "prima facie" de que as instituições
representativas não funcionam bem. Desde o século 17, pessoas em ambos os
extremos do espectro político —aqueles para quem era uma promessa e aqueles
para quem era uma ameaça— acreditavam que a democracia, especificamente o sufrágio universal, geraria igualdade no âmbito econômico e
social. Essa crença ainda está consagrada no modelo do eleitor mediano, o
trabalho básico da economia política contemporânea.
No entanto, na cidade de Nova York, existem
cerca de 100 mil crianças em idade escolar que não têm residência permanente e,
na mesma cidade, ouvi uma conversa entre duas pessoas muito ricas em que uma
perguntou à outra quantas casas ele tem, e a resposta foi "14, das quais
uma é um complexo familiar". Se nossas instituições representativas
funcionassem bem, isso não seria possível.
"Populismo"
vem em pelo menos duas variedades: "participativo" e
"delegativo". O populismo participativo é a demanda de governar a nós
mesmos, o populismo delegativo é a demanda de sermos bem governados por outros.
Como fenômeno político, a primeira variedade é salutar, mas em grande parte
inconsequente, enquanto a segunda é perigosa para a democracia no sentido
minimalista.
A agenda do
populismo participativo consiste em reformas institucionais que dariam mais voz
ao povo. Algumas propostas retornam às demandas dos antifederalistas nos
Estados Unidos, expressas já em 1789: mandatos curtos, limites de mandato,
revogação de mandatos, redução do salário dos legisladores e limitações na
circulação entre os setores público e privado.
A inovação brasileira que
recebeu atenção mundial foi o orçamento participativo. Outras propostas
variam do inútil, como a "democracia de pesquisa" defendida
pelo partido Cinco Estrelas na Itália, ao aumento
da dependência de referendos de iniciativa popular, à convocação de
"assembleias de cidadãos" (corpos de cidadãos selecionados
aleatoriamente que consideram propostas legislativas específicas sem ter
autoridade para adotar leis).
No entanto, todas
essas medidas são apenas paliativas. Elas podem restaurar alguma confiança nas
instituições democráticas, mas se chocam com o inevitável: o simples fato de
que cada um de nós deve ser governado por outra pessoa e ser governado deve
implicar políticas e leis de que algumas pessoas não gostam.
Algumas pessoas
ficariam infelizes com qualquer decisão, mesmo que sejam tomadas com a
participação plena, igualitária e efetiva dos cidadãos. Não existe tal coisa como o povo, no
singular, e as pessoas no plural têm interesses, valores e normas diferentes.
Além disso, é
verdade que as pessoas querem governar a si mesmas? Alguns obviamente querem,
caso contrário não teríamos políticos, mas a maioria ou mesmo muitos querem?
A alternativa a
governar a nós mesmos é ser governado por outros, mas ser bem governado. O que
as pessoas mais desejam é ser governadas por governos que entreguem o que elas
querem, seja crescimento de renda ou alguns valores
ideológicos ou o que for.
É verdade, mesmo
que as pessoas queiram apenas ser bem governadas, elas ainda devem se preocupar
com sua capacidade futura de remover o titular quando um desafiante melhor
estiver disponível. Porém, quando o titular mina a democracia, eles enfrentam
um dilema: é possível manter no poder o atual governo competente mesmo quando
este viola normas democráticas e perder a capacidade
de removê-lo no futuro ou proteger a democracia a custo dos resultados
políticos que valorizam.
O populismo
delegativo é o resultado no qual as pessoas querem que o governo governe mesmo
que desmonte restrições à sua reelegibilidade e à discrição na formulação de
políticas.
O resultado então
é o "retrocesso democrático" (ou
"desconsolidação", erosão, retrocesso): "Um processo de
deterioração de desenvolvimento (ainda assim, substancial) nos três pilares
básicos da democracia: eleições competitivas; direitos liberais de expressão e
associação; e o Estado de Direito" (Ginsburg e Huq, 2018, p. 17).
À medida que esse
processo avança, a oposição se torna incapaz de vencer eleições ou assumir o
cargo se vencer, as instituições estabelecidas perdem a capacidade de controlar
o Executivo, enquanto as manifestações de protesto popular são
reprimidas pela força.
O perigo do
populismo delegativo é que uma maioria apoiaria um governo que entrega o que a
maioria quer, mesmo quando o governo está subvertendo as instituições
democráticas.
Por sua vez, o
surgimento de novos partidos não é antidemocrático por nenhum critério. É
verdade que os sistemas partidários tradicionais se erodiram e se
tornaram fragmentados: o número de partidos efetivos no
eleitorado aumentou de 3, em 1970, para 4, em 2020, na Europa Ocidental e
também aumentou na América Latina. Mas isso significa que os
eleitores têm mais escolha e que são oferecidas alternativas mais próximas de
suas preferências, o que as pessoas valorizam, enquanto parece não ter outras
consequências negativas (Valentim e Dinas, 2023).
O surgimento
de partidos de extrema direita não é
antidemocrático. O medo da extrema direita é justificadamente alimentado pelo
espectro de que eles tentariam minar a democracia. Mas desde que esses
partidos não minem a possibilidade de serem removidos do cargo e observem as
regras institucionais para a formulação de políticas, sua participação nos
governos não é antidemocrática.
O surgimento de
mágicos não é antidemocrático. Isso apenas mostra que, quando as pessoas
ficam cansadas das alternativas estabelecidas, elas
estão dispostas a correr o risco de abraçar soluções não testadas.
Quando, alguns
anos atrás, estudei eleições que levaram a grandes mudanças de paradigmas
políticos —o surgimento da social-democracia na Suécia em 1932 e do neoliberalismo no Reino Unido e nos Estados Unidos em
1979/1980—, pensei que uma condição necessária para os eleitores apoiarem um
partido que propunha algo sem precedentes era que esse partido tivesse um
histórico de responsabilidade, de ter estado no cargo no passado e ter agido
como todos os outros partidos enquanto estava no cargo.
No entanto, as
vitórias de Trump, Bolsonaro ou Milei mostram que, quando as pessoas
estão desesperadas, como pacientes terminais de câncer, elas estão dispostas a
buscar qualquer remédio, se agarrar a qualquer palha, mesmo aquelas oferecidas
por charlatões que vendem soluções milagrosas.
Como disse um taxista do Rio de
Janeiro a um entrevistador: "Você vê esse declínio, essa crise
moral, esses políticos que roubam e não fazem nada por nós. Estou pensando em
votar em alguém completamente novo".
Quando as pessoas
não têm nada a perder, abraçam todo tipo de ilusões, como curar doenças
aplicando queijo cottage ou transformar metais básicos em ouro na Alemanha de
Weimar, óleo de cobra. "Tornar a América grande novamente", o slogan
da campanha de Trump, não passava disso. Assim como "governo limpo,
empregos e armas", de Bolsonaro. Assim como "viva a liberdade, caralho", de Milei.
Assim como "expulsar imigrantes", o grito de guerra dos partidos de
extrema direita europeus. Isso é o que não antecipamos quando acreditávamos que
suas vitórias eram impensáveis.
Em resumo, a
rejeição das instituições representativas apresenta um dilema. Não podemos
fingir que essas instituições funcionam bem, mas as soluções não são óbvias e
algumas são perigosas para a democracia. Por sua vez, nem a proliferação de partidos nem o surgimento
da extrema direita nem o surgimento de mágicos constituem ameaças à democracia
no sentido minimalista, sempre com a mesma ressalva, ou seja, desde que não
haja retrocesso.
DEFENDENDO A DEMOCRACIA
Ao declarar o
advento da democracia na Espanha, Adolfo Suárez proclamou que, daqui para a
frente, "o futuro não está escrito porque apenas o povo pode
escrevê-lo". Ele esperava por um mundo melhor, e eu o interpreto assim.
Mas as pessoas podem escrever o que quiserem.
A democracia não
garante nada além do fato de que é o povo quem escreverá o futuro. É apenas um
terreno em que pessoas um tanto iguais e um tanto livres lutam pela realização
de ideais, valores e interesses conflitantes. O único milagre da democracia é que
esses conflitos podem ser gerenciados sem repressão e ainda em paz.
Quando as pessoas
discordam sobre os valores que a democracia deve realizar, diante do aumento
da polarização, os conflitos dizem respeito aos
valores que a democracia deve implementar, não à democracia em si.
O único mecanismo
pelo qual esses conflitos podem ser processados pacificamente são as eleições. As eleições podem gerar resultados
que uma minoria considera repulsivos, mas os democratas devem estar preparados
para enfrentar derrotas, mesmo que seus valores estejam em jogo.
E se as pessoas
apoiarem conscientemente governos antidemocráticos? A questão de se os governos
democráticos têm o direito de reprimir movimentos antidemocráticos não é nova.
A República Federal Alemã proibiu o Partido Comunista com base nesses fundamentos.
Na Argélia, em 1993, o segundo turno das eleições
foi cancelado porque os islamistas pareciam ter chances de vencê-lo.
E se as pessoas
seguirem líderes que prometem capacitá-las e depois usurpam o poder, privando o
povo da capacidade de removê-los quando desejarem? Para ser o mais claro
possível: e se as pessoas votarem contra a democracia? A Constituição não deve
ser um pacto de suicídio, mas quem decide se estamos cometendo suicídio?
O espectro de que
os incumbentes possam minar o mecanismo eleitoral está sempre presente.
Portanto, a vigilância em defesa da democracia no sentido minimalista é uma
tarefa interminável. Mas defender a democracia requer mais que se opor ao que
os governos estão fazendo.
Para impregnar a
democracia com seus valores, a oposição deve ser mais que uma
expressão de raiva. Ela deve oferecer um programa positivo que atraia pelo
menos alguns eleitores dispostos a tolerar transgressões da democracia porque
acham o atual incumbente atraente.
Defender a
democracia requer um programa positivo e voltado para o futuro para reformá-la.
Isso não é uma tarefa fácil. Ser contra algo une, enquanto ser a favor de algo
divide.
Quando diferentes
grupos na oposição às violações das normas democráticas atribuem valores
diferentes à democracia, a rejeição do retrocesso pode ser majoritária, mas
propostas específicas de reforma ainda são minoritárias. A melhor evidência é
que, em muitos países, a oposição não consegue se unir contra um inimigo comum.
O minimalismo une, o maximalismo divide.
Tudo isso é apenas
uma reflexão.
OBRAS CITADAS
Bobbio, Norberto.
O Futuro da Democracia. Paz & Terra, 2009.
Ginsburg, Tom e
Huq, Aziz. How to lose a constitutional democracy. UCLA Law Review, 2018.
Schumpeter,
Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Editora Unesp, 2017.
Sen, Amartya.
Freedom of choice: concept and content. European Economic Review, 1988.
Valentim, Vicente;
Dinas, Elias. Does party-system fragmentation affect the quality of democracy?
British Journal of Political Science, 2023.
Varol, Ozan.
Stealth authoritarianism. Iowa Law Review, 2015.
*Professor
de ciência política da Universidade de Nova York. Autor, entre outros livros,
de "Capitalismo e Social-democracia" e "Crises da
Democracia"
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