Valor Econômico
O indicador, que inclui gastos com juros, vai
mostrar um rombo menor neste ano, embora ainda superior ao da média dos
emergentes
O déficit nominal do setor público, conceito que inclui gastos com juros, deverá ser um pouco menor neste ano, depois de ter aumentado em 2023 pelo segundo ano seguido. Com despesas financeiras mais baixas e um déficit primário (que exclui dispêndios com juros) menor, o rombo nominal em 2024 tende a ficar na casa de 7% do PIB ou um pouco mais, ainda maior que o da média dos emergentes, estimada em 5,5% do PIB pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 2023, o déficit nominal no Brasil ficou em torno de 8,5% do PIB, segundo analistas - o dado de dezembro será divulgado nesta quarta-feira, e trará o impacto do pagamento no mês de mais de R$ 90 bilhões de precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais). Nos 12 meses até novembro, o rombo foi de 7,82% do PIB, um total de R$ 844,8 bilhões.
O resultado nominal combina os gastos com
juros e o resultado primário, definindo a dinâmica da dívida pública. Nos 12
meses até novembro, as despesas líquidas com juros, que mostram a diferença
entre os valores financeiros pagos e recebidos pelo setor público, ficaram em
6,6% do PIB, ou R$ 713,4 bilhões. Como proporção do PIB, é quase o dobro dos
3,4% alcançados nos 12 meses até junho de 2021, o mais baixo da série histórica
de gastos com juros iniciada em 2002, refletindo o efeito do menor nível já atingido
pela Selic, de 2% ao ano, que vigorou entre agosto de 2020 e março de 2021.
Pelas projeções dos analistas, o déficit
primário em 2023 ficou na casa de 2% do PIB, número inflado em cerca de 0,9% do
PIB pelo pagamento dos precatórios em dezembro. Essa é uma despesa não
recorrente, fruto da quitação antecipada pelo governo das dívidas de sentenças
judiciais, para evitar a formação de uma bola de neve até 2027, como ocorreria
em decorrência da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na gestão de
Jair Bolsonaro, no fim de 2021. Em 2022, houve superávit primário de 1,25% do PIB.
Todos esses números se referem ao setor público consolidado, que inclui União,
Estados, municípios e estatais não financeiras, com exceção da Petrobras e
da Eletrobras.
Nesse cenário, o déficit nominal em 2023
aumentou devido aos gastos maiores com juros e à elevação do rombo primário.
Agora, a expectativa para 2024 é de que as despesas financeiras caiam um pouco,
ao mesmo tempo em que se espera um déficit primário menor. “Para 2023, acredito
que o déficit nominal feche próximo a 8,5% do PIB e, para 2024, em torno de
7,3% a 7,5% do PIB”, diz o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de
Barros. O consenso do mercado, por sua vez, é de 6,8% do PIB para este ano.
Barros lembra que se trata de um indicador de grande relevância, equivalendo à
“variação nominal da dívida líquida [que desconta ativos como as reservas
internacionais], deduzidos os ajustes patrimoniais e metodológicos”. É o
déficit ancorado nos fatores que determinam o resultado fiscal, o financeiro e
o não financeiro, resume Barros, também ex-diretor da Instituição Fiscal
Independente (IFI). Além disso, é um indicador usado com frequência em
comparações internacionais.
Ele avalia que o retorno do rombo nominal
para níveis mais baixos depende bastante da evolução do déficit primário,
observando não acreditar que esse indicador alcançará o equilíbrio até 2026. A
meta atual da equipe econômica é zerar o resultado primário do governo central
neste ano, hipótese considerada remota pelos especialistas em contas públicas.
“Há cenários alternativos, de menor probabilidade, em que o crescimento
econômico mais forte e a continuidade da aprovação de medidas de elevação de
tributos sejam aprovados pelo Congresso e, assim, ajudem a reduzir o déficit
primário mais rápido”, diz Barros. Além disso, ele enfatiza que a composição do
ajuste fiscal é importante para o impacto sobre o prêmio de risco embutido na
curva de juros e inflação. “Sem medidas pelo lado do gasto, que ainda oferecem
extraordinário espaço, me parece difícil que haja compressão desse prêmio e,
por sua vez, uma convergência mais acelerada do gasto com juros nominais para
padrões ‘normais’”, diz ele. Na visão de Barros, o padrão “normal” para o
Brasil seria uma despesa financeira em torno de 5% a 5,5% do PIB ao ano.
Para Barros, a redução da Selic atualmente em
curso vai ajudar a conter a escalada do pagamento dos juros. No entanto, diz
ele, os dados mostram que há um “carregamento relativamente longo de dívidas
emitidas no passado”, quando a taxa básica estava mais alta e foram vendidos
títulos públicos prefixados e atrelados à inflação com prêmio, tornando a
diminuição da conta de juros bastante lenta e gradual. Barros aponta ainda um
outro fator importante: se a percepção de risco fiscal não apresentar melhora, um
prêmio pela incerteza em relação às contas públicas será exigido pelo mercado e
terá que ser pago pelo Tesouro para rolar a dívida pública nas novas emissões
de títulos, ainda que a Selic possa recuar.
Barros insiste na necessidade de medidas de
ajuste fiscal pelo lado do gasto. Para ele, é possível conseguir uma economia
expressiva de recursos com uma reforma administrativa bem feita, uma fusão
inteligente de políticas sociais e uma reformulação do abono salarial (o
salário mínimo pago anualmente para quem ganha até dois pisos salariais por
mês). Para completar, Barros diz que “atacar os subsídios fiscais é de extrema
relevância para reduzir o custo da de rolagem da dívida”. A soma dos benefícios
tributários com subsídios financeiros e creditícios equivale a quase 6% do PIB,
com os primeiros respondendo por quase 80% desse total. “Os subsídios consomem
um volume extraordinário de recursos públicos, que na sua grande maioria não
tem avaliação de custo-benefício, sendo renovados sistematicamente sem nenhum
lastro de racionalidade econômica”, diz Barros.
Em resumo, o déficit nominal deve diminuir
neste e nos próximos anos, mas uma redução mais expressiva desse rombo exige
que se enfrente o desequilíbrio das contas públicas especialmente pelo lado dos
gastos, passo fundamental para uma queda sustentada do nível dos juros.
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