segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Sergio Lamucci - Após dois anos de aumento, déficit nominal deve diminuir em 2024

Valor Econômico

O indicador, que inclui gastos com juros, vai mostrar um rombo menor neste ano, embora ainda superior ao da média dos emergentes

O déficit nominal do setor público, conceito que inclui gastos com juros, deverá ser um pouco menor neste ano, depois de ter aumentado em 2023 pelo segundo ano seguido. Com despesas financeiras mais baixas e um déficit primário (que exclui dispêndios com juros) menor, o rombo nominal em 2024 tende a ficar na casa de 7% do PIB ou um pouco mais, ainda maior que o da média dos emergentes, estimada em 5,5% do PIB pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 2023, o déficit nominal no Brasil ficou em torno de 8,5% do PIB, segundo analistas - o dado de dezembro será divulgado nesta quarta-feira, e trará o impacto do pagamento no mês de mais de R$ 90 bilhões de precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais). Nos 12 meses até novembro, o rombo foi de 7,82% do PIB, um total de R$ 844,8 bilhões.

O resultado nominal combina os gastos com juros e o resultado primário, definindo a dinâmica da dívida pública. Nos 12 meses até novembro, as despesas líquidas com juros, que mostram a diferença entre os valores financeiros pagos e recebidos pelo setor público, ficaram em 6,6% do PIB, ou R$ 713,4 bilhões. Como proporção do PIB, é quase o dobro dos 3,4% alcançados nos 12 meses até junho de 2021, o mais baixo da série histórica de gastos com juros iniciada em 2002, refletindo o efeito do menor nível já atingido pela Selic, de 2% ao ano, que vigorou entre agosto de 2020 e março de 2021.

Pelas projeções dos analistas, o déficit primário em 2023 ficou na casa de 2% do PIB, número inflado em cerca de 0,9% do PIB pelo pagamento dos precatórios em dezembro. Essa é uma despesa não recorrente, fruto da quitação antecipada pelo governo das dívidas de sentenças judiciais, para evitar a formação de uma bola de neve até 2027, como ocorreria em decorrência da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na gestão de Jair Bolsonaro, no fim de 2021. Em 2022, houve superávit primário de 1,25% do PIB. Todos esses números se referem ao setor público consolidado, que inclui União, Estados, municípios e estatais não financeiras, com exceção da Petrobras e da Eletrobras.

Nesse cenário, o déficit nominal em 2023 aumentou devido aos gastos maiores com juros e à elevação do rombo primário. Agora, a expectativa para 2024 é de que as despesas financeiras caiam um pouco, ao mesmo tempo em que se espera um déficit primário menor. “Para 2023, acredito que o déficit nominal feche próximo a 8,5% do PIB e, para 2024, em torno de 7,3% a 7,5% do PIB”, diz o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros. O consenso do mercado, por sua vez, é de 6,8% do PIB para este ano. Barros lembra que se trata de um indicador de grande relevância, equivalendo à “variação nominal da dívida líquida [que desconta ativos como as reservas internacionais], deduzidos os ajustes patrimoniais e metodológicos”. É o déficit ancorado nos fatores que determinam o resultado fiscal, o financeiro e o não financeiro, resume Barros, também ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). Além disso, é um indicador usado com frequência em comparações internacionais.

Ele avalia que o retorno do rombo nominal para níveis mais baixos depende bastante da evolução do déficit primário, observando não acreditar que esse indicador alcançará o equilíbrio até 2026. A meta atual da equipe econômica é zerar o resultado primário do governo central neste ano, hipótese considerada remota pelos especialistas em contas públicas. “Há cenários alternativos, de menor probabilidade, em que o crescimento econômico mais forte e a continuidade da aprovação de medidas de elevação de tributos sejam aprovados pelo Congresso e, assim, ajudem a reduzir o déficit primário mais rápido”, diz Barros. Além disso, ele enfatiza que a composição do ajuste fiscal é importante para o impacto sobre o prêmio de risco embutido na curva de juros e inflação. “Sem medidas pelo lado do gasto, que ainda oferecem extraordinário espaço, me parece difícil que haja compressão desse prêmio e, por sua vez, uma convergência mais acelerada do gasto com juros nominais para padrões ‘normais’”, diz ele. Na visão de Barros, o padrão “normal” para o Brasil seria uma despesa financeira em torno de 5% a 5,5% do PIB ao ano.

Para Barros, a redução da Selic atualmente em curso vai ajudar a conter a escalada do pagamento dos juros. No entanto, diz ele, os dados mostram que há um “carregamento relativamente longo de dívidas emitidas no passado”, quando a taxa básica estava mais alta e foram vendidos títulos públicos prefixados e atrelados à inflação com prêmio, tornando a diminuição da conta de juros bastante lenta e gradual. Barros aponta ainda um outro fator importante: se a percepção de risco fiscal não apresentar melhora, um prêmio pela incerteza em relação às contas públicas será exigido pelo mercado e terá que ser pago pelo Tesouro para rolar a dívida pública nas novas emissões de títulos, ainda que a Selic possa recuar.

Barros insiste na necessidade de medidas de ajuste fiscal pelo lado do gasto. Para ele, é possível conseguir uma economia expressiva de recursos com uma reforma administrativa bem feita, uma fusão inteligente de políticas sociais e uma reformulação do abono salarial (o salário mínimo pago anualmente para quem ganha até dois pisos salariais por mês). Para completar, Barros diz que “atacar os subsídios fiscais é de extrema relevância para reduzir o custo da de rolagem da dívida”. A soma dos benefícios tributários com subsídios financeiros e creditícios equivale a quase 6% do PIB, com os primeiros respondendo por quase 80% desse total. “Os subsídios consomem um volume extraordinário de recursos públicos, que na sua grande maioria não tem avaliação de custo-benefício, sendo renovados sistematicamente sem nenhum lastro de racionalidade econômica”, diz Barros.

Em resumo, o déficit nominal deve diminuir neste e nos próximos anos, mas uma redução mais expressiva desse rombo exige que se enfrente o desequilíbrio das contas públicas especialmente pelo lado dos gastos, passo fundamental para uma queda sustentada do nível dos juros.

 

 

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