Folha de S. Paulo
Enquanto não houver desmonte de estruturas da
ditadura, grupos acessarão dados sigilosos
A Abin se
encontra novamente em meio a acusações de uso político para espionagem de
desafetos. Ao final do governo de Michel Temer a
agência adquiriu um software chamado FirstMile, que teria sido usado durante o
governo Bolsonaro, de 2019 a 2021, para espionar ilegalmente adversários
políticos. Na época, o órgão era chefiado por Alexandre Ramagem (PL-RJ), eleito
deputado federal pelo mesmo partido de Jair
Bolsonaro em 2022.
De acordo com investigação da PF (Polícia Federal), a agência teria monitorado jornalistas, funcionários e autoridades diversas. Na lista de monitorados estão o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, o atual ministro da Educação, Camilo Santana, e os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
As informações colhidas ilegalmente seriam
repassadas para um núcleo político ligado a Jair Bolsonaro, como seu
filho, Carlos
Bolsonaro, alvo da última operação da PF autorizada pelo STF. Até o
momento, apenas Alessandro Moretti, da diretoria-adjunta da Abin, foi exonerado
na terça-feira (30), por decisão de Lula. O PSOL já anunciou que deve entrar
com um pedido de cassação do mandato de Alexandre Ramagem, cujo interrogatório
está agendado para o dia 27 de fevereiro.
A Abin deveria ser uma agência de
inteligência voltada à defesa nacional, de forma análoga à CIA nos Estados
Unidos. No entanto, seu desenho institucional opaco, a falta de investimento e
a parca fiscalização de suas atividades ampliam a possibilidade de captura
política. Em 2002, a operação que apreendeu dinheiro vivo em uma empresa de
Roseana Sarney, então pré-candidata pelo PFL à Presidência, teria contado com
envolvimento de agentes da Abin. Seis anos depois, o então diretor do órgão,
Paulo Lacerda, foi afastado após a agência ter sido acusada de grampear
ilegalmente parlamentares e o ministro do STF Gilmar Mendes.
No caso específico da arapongagem
bolsonarista, porém, a captura política da agência também se relaciona com o
histórico que precedeu sua criação, como aponta a historiadora Priscila Carlos
Brandão. Afinal, a Abin é herdeira do Sistema Nacional de Informações (SNI),
criado logo após o golpe de 1964 a partir da compilação prévia de dossiês de
indivíduos e grupos comunistas, ou cujas atividades fossem suspeitas de
"subversão", que teriam totalizado cerca de 400 mil unidades, de
acordo com o historiador Hernán Ramírez.
Desde a criação da Abin, em 1999, há uma
acirrada disputa entre militares e civis por seu controle. No entanto, ainda
que a agência esteja sob a supervisão de civis, tendo em vista tal histórico,
enquanto não houver um desmonte completo das estruturas de perseguição vigentes
na ditadura, militares, agentes e políticos bolsonaristas poderão ter acesso a
informações sigilosas do governo, do Judiciário e da sociedade brasileira.
*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
Um comentário:
Pois é.
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