O Estado de S. Paulo
Jornalistas estavam desaparecidos. Vlado, que
trabalhara na ‘UH’, nunca mais voltou. Foi morto
Para Clarice Herzog
Dia 31 de março de 1964. Ao chegar ao jornal Última Hora, dei com a porta de ferro baixada. Pequena abertura me deixou entrar. Duas da tarde, redação superlotada e silenciosa. Soubemos que o general Mourão, à frente das tropas, descia para o Rio de Janeiro, aguardando a adesão de Amaury Kruel, chefe do Exército em São Paulo. UH era pró-Jango Goulart, herdeiro de Getúlio. Havia dias o noticiário nos deixava inquietos. A polícia viria nos empastelar. Nessa tarde, o que nos atemorizava era a informação de que o Comando de Caça aos Comunistas, armado, deixara o Mackenzie e descia rumo ao Anhangabaú, onde estávamos. Diretores pediram que as mulheres saíssem, UH tinha muitas jornalistas, colunistas, diagramadoras, telefonistas. Sabíamos que o encontro poderia ser violento. Nenhuma arredou pé. A grega Alik Kostakis, poderosa colunista social, com sua voz rouca, dizia: “Pensar que vamos morrer aos pés do convento de São Bento é ironia”. Soubemos que o CCC desviou na Praça Ramos de Azevedo e foi atazanar os estudantes de Direito da São Francisco. Mas ficou a tensão. Até que, 6 da tarde, um batalhão da Força Pública, hoje PM, invadiu o jornal, quebrou teletipos, telefones, máquinas de escrever, rasgou jornais e livros, estourou armários, prendeu alguns. Naquela noite, fui ao Gigetto, onde se reunia a classe artística. A certa altura, Maurício Loureiro Gama e o repórter Tico-Tico (conhecido como um dedo-duro), jornalistas da Tupi, abriram a porta gritando: “Vencemos o comunismo!”.
O jornal foi fechado. Todos os dias eu
passava em frente, havia PMS encostados. Os policiais sumiram, o jornal reabriu
duas semanas depois, 40% de gráficos (altamente politizados) e jornalistas
estavam desaparecidos. Presos, ou o quê? A ditadura tinha começado.
Mas havia um elemento novo. O censor.
Sentava-se junto ao editor. Este fechava as páginas e as entregava àquele
senhor que nem sequer disse o nome. Quando perguntei como saber o que podíamos
ou não publicar, ele respondeu: “Eu sei. Obedeça. Outra pergunta dessa, te
prendo”. Na primeira edição pós-golpe, o jornal apareceu com espaços em branco.
Eram os lugares de matérias vetadas (assim dizia o carimbo verde), textos,
notas e fotos. O Estadão contornou, publicando receitas ou poemas de Camões.
Cada um criou uma forma de escapar. Todas reprimidas. Mal imaginava eu que, em
1976, meu romance Zero seria proibido. Tinha levado dez anos para escrevê-lo:
500 livros foram cancelados. Anos depois, voltaram à vida. Vlado Herzog, que
trabalhara na UH, nunca mais voltou. Foi morto.
Um comentário:
CCC- os canalhas sobreviventes certamente se tornaram bolsonaristas.
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