O Globo
O Estado absteve-se de prover infraestrutura
e serviços públicos. Áreas significativas tornaram-se invisíveis ao poder
público – mas visíveis ao “poder paralelo”
Depois de décadas de fracasso de políticas de
segurança pública, tratada como tarefa policial, é inegável que o tema, amplo,
complexo, não aceita apenas respostas setoriais.
Em recente artigo no GLOBO, Fernando Gabeira
aborda a dominação territorial bandida no Rio de Janeiro e, premonitoriamente,
os vínculos milicianos e do tráfico com a política. E admite: “não há
esperança de que as eleições resolvam o problema”. Buscando uma
saída, sugere que o tema “seja posto à mesa do ministro Haddad, para
convencê-lo de que a insegurança inibe novos investimentos e expulsa os
existentes”.
No mesmo jornal, Miguel de Almeida, ao tratar metrópoles acossadas pela violência, São Paulo e Rio, considera que do “banal lero-lero” político polarizado só “sobressaem descaso e despreparo diante de uma realidade áspera e cada vez mais desumana”.
Os caminhos propostos pela polarização
mostram-se um impasse, um beco. De um lado, a aposta nas armas (policiais ou
privadas), de que resulta um “não tô nem aí” arrogante ante tragédias que se
renovam; de outro, a espera para que a superação da violência decorra de
mudanças estruturais na economia e na sociedade.
A violência que submete diretamente grande
parte dos brasileiros e atemoriza a população tem lugar definido: a cidade.
Reconhecer tal dimensão político-espacial é essencial para seu enfrentamento. A
tragédia de Marielle Franco exacerba a questão. Há que admitir que a histórica
omissão do Estado brasileiro em relação à cidade, e sobretudo às áreas
populares, definiu um patamar próximo da anomia. Agora, por sua inerente
complexidade, não se basta com ações setoriais, pois demanda ações
multissetoriais abrangentes e articuladas, compostas nas três instâncias de
governo, federal, estadual e municipal, com a necessária escuta à sociedade.
Não é tarefa singela. Todavia será indispensável adotá-la se, e quando, o país
vier a pretender romper os grilhões que há décadas o prendem ao marasmo
econômico e o levam ao flagelo social da desigualdade crescente.
Entre as ações multissetoriais, será básica
uma política permanente de controle territorial, urbanístico e edilício. As
prefeituras brasileiras, surpreendidas ante a explosão demográfica desde meados
do século XX, e chamadas a suprir demandas também explosivas na saúde e na
educação, recuaram de suas atribuições originárias no controle territorial. Em
consonância, o Estado absteve-se de prover infraestrutura e serviços públicos.
Áreas significativas tornaram-se invisíveis ao poder público — mas claramente visíveis
ao “poder paralelo”.
Experiências importantes no país e no
exterior demonstram que o controle territorial com a implementação de serviços
públicos e de urbanização é essencial como fator redutor da violência e
inibidor da bandidagem.
Será uma utopia o poder público manter-se
presente em toda a cidade? Será viável ocupar o território hoje dominado,
dar-lhe as condições urbanísticas exigidas pela contemporaneidade — e garantir
ao cidadão a plena cidadania?
Invoca-se o chamado de Gabeira ao ministro
Haddad: poderá a economia do país deslanchar enquanto a energia empreendedora
de grande parte dos brasileiros se encontra asfixiada por habitarem territórios
submetidos?
Enfrentar o abandono da cidade é a mais
efetiva política de segurança. Essa tarefa é de todos os governos, que reagirão
com a força da sociedade. Talvez a eleição não resolva o problema, mas é por
ela que podemos andar. Os candidatos evitarão o tema? Choverão no molhado? Ou
buscarão novos caminhos?
*Sérgio Magalhães é arquiteto e urbanista
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