Folha de S. Paulo
Brasil lidou muito mal com revelações da operação
A Operação
Lava Jato está fazendo dez anos em 2024. Nada na política brasileira
desse período pode ser entendido sem referência a ela.
Hoje é claro que o impeachment de Dilma Rousseff foi feito para parar as investigações da Lava Jato, que já começavam a chegar na direita. A opinião pública parece ter percebido a manobra: em 2018, ao invés de votar nos partidos que fizeram o impeachment, votaram no fascista Jair Bolsonaro. No fim, foi Bolsonaro, com a ajuda de seu procurador-geral Augusto Aras, quem matou a Lava Jato. O sistema político pagou Jair pelo serviço não o impichando após o assassinato em massa da pandemia.
A Lava Jato teve legados positivos. O cartel
das empreiteiras, que desviou dinheiro do Estado brasileiro por muitas décadas
e pagava todas as grandes campanhas eleitorais, foi exposto e denunciado.
Além disso, se não fosse o choque da Lava
Jato, o Brasil não teria o financiamento público de campanhas robusto que a
reforma política de 2017 criou. Pode haver abusos no tamanho atual do fundo
eleitoral, mas o financiamento público, pela primeira vez, tornou a corrupção opcional
para os políticos brasileiros. Até 2017, quem não ganhasse grana do cartel não
se elegia.
Mas a verdade é que o Brasil lidou muito mal
com as revelações da Lava Jato.
Quando as delações apareceram, vimos que todos os principais políticos
brasileiros recebiam grana de campanha do cartel, direta ou indiretamente.
Deveríamos ter nos perguntado: que falha no sistema fez com que toda essa
gente, com ideologias, predisposições morais e trajetórias de vida tão
diferentes, se corrompesse do mesmo jeito? Como podemos corrigir essas falhas?
Ao invés disso, abraçamos a antipolítica, mas
não a dos anarquistas de 2013. Os "antipolíticos" de Bolsonaro
defendiam quem sempre mandou e roubou no Brasil. Jogam a culpa por todos nossos
problemas nas conquistas democráticas que, no fim das contas, possibilitaram o
surgimento da Lava Jato.
No começo da operação, o cientista político
Bruno W. Reis alertava para o risco de a Lava Jato serrar o galho em que estava
sentada, o Estado de Direito brasileiro. Nada simboliza isso melhor do que as
duas faces públicas da operação, o juiz Sergio Moro e
o procurador Deltan
Dallagnol, apoiando Bolsonaro em 2022. Foi o ponto mais baixo de carreiras
políticas que, hoje é claro, começaram antes do abandono da toga.
No julgamento de Lula, Moro e
Dallagnol venderam a ideia de que os partidos que ganhavam a Presidência
–o PT, mas,
por dedução, também o PSDB– eram os chefes dos esquemas de corrupção que geriam
quando eram governo, mesmo se os esquemas sobrevivessem sem eles quando
passavam para a oposição.
Hoje a turma que estava em todos os
escândalos –porque nunca foi oposição– reina absoluta. O centrão foi o grande
vencedor da Lava Jato. Prender seus quadros gerava menos manchete, dava menos
voto para o juiz que prendesse, e eles eram muito mais gente.
Já que o centrão ainda não consegue
conquistar a Presidência, vem transferindo controle de parcelas cada vez
maiores do orçamento para o Congresso.
Longe de mim sugerir que havia uma solução
fácil e satisfatória para lidar com as revelações da Lava Jato no Brasil de
2014. Mas talvez não precisássemos ter virado na curva errada todas as vezes.
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