domingo, 7 de abril de 2024

Celso Rocha de Barros - Dez anos da Lava Jato

Folha de S. Paulo

Brasil lidou muito mal com revelações da operação

Operação Lava Jato está fazendo dez anos em 2024. Nada na política brasileira desse período pode ser entendido sem referência a ela.

Hoje é claro que o impeachment de Dilma Rousseff foi feito para parar as investigações da Lava Jato, que já começavam a chegar na direita. A opinião pública parece ter percebido a manobra: em 2018, ao invés de votar nos partidos que fizeram o impeachment, votaram no fascista Jair Bolsonaro. No fim, foi Bolsonaro, com a ajuda de seu procurador-geral Augusto Aras, quem matou a Lava Jato. O sistema político pagou Jair pelo serviço não o impichando após o assassinato em massa da pandemia.

A Lava Jato teve legados positivos. O cartel das empreiteiras, que desviou dinheiro do Estado brasileiro por muitas décadas e pagava todas as grandes campanhas eleitorais, foi exposto e denunciado.

Além disso, se não fosse o choque da Lava Jato, o Brasil não teria o financiamento público de campanhas robusto que a reforma política de 2017 criou. Pode haver abusos no tamanho atual do fundo eleitoral, mas o financiamento público, pela primeira vez, tornou a corrupção opcional para os políticos brasileiros. Até 2017, quem não ganhasse grana do cartel não se elegia.

Mas a verdade é que o Brasil lidou muito mal com as revelações da Lava Jato.

Quando as delações apareceram, vimos que todos os principais políticos brasileiros recebiam grana de campanha do cartel, direta ou indiretamente. Deveríamos ter nos perguntado: que falha no sistema fez com que toda essa gente, com ideologias, predisposições morais e trajetórias de vida tão diferentes, se corrompesse do mesmo jeito? Como podemos corrigir essas falhas?

Ao invés disso, abraçamos a antipolítica, mas não a dos anarquistas de 2013. Os "antipolíticos" de Bolsonaro defendiam quem sempre mandou e roubou no Brasil. Jogam a culpa por todos nossos problemas nas conquistas democráticas que, no fim das contas, possibilitaram o surgimento da Lava Jato.

No começo da operação, o cientista político Bruno W. Reis alertava para o risco de a Lava Jato serrar o galho em que estava sentada, o Estado de Direito brasileiro. Nada simboliza isso melhor do que as duas faces públicas da operação, o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, apoiando Bolsonaro em 2022. Foi o ponto mais baixo de carreiras políticas que, hoje é claro, começaram antes do abandono da toga.

No julgamento de Lula, Moro e Dallagnol venderam a ideia de que os partidos que ganhavam a Presidência –o PT, mas, por dedução, também o PSDB– eram os chefes dos esquemas de corrupção que geriam quando eram governo, mesmo se os esquemas sobrevivessem sem eles quando passavam para a oposição.

Hoje a turma que estava em todos os escândalos –porque nunca foi oposição– reina absoluta. O centrão foi o grande vencedor da Lava Jato. Prender seus quadros gerava menos manchete, dava menos voto para o juiz que prendesse, e eles eram muito mais gente.

Já que o centrão ainda não consegue conquistar a Presidência, vem transferindo controle de parcelas cada vez maiores do orçamento para o Congresso.

Longe de mim sugerir que havia uma solução fácil e satisfatória para lidar com as revelações da Lava Jato no Brasil de 2014. Mas talvez não precisássemos ter virado na curva errada todas as vezes.

 

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