Antes ímã para imigração, Brasil virou terra de emigrantes
O Globo
Comunidade brasileira no exterior já soma 4,5
milhões. Fuga de cérebros é prejudicial ao desenvolvimento
Conhecido como terra de oportunidades
acolhedora para imigrantes, o Brasil tem se transformado em país de emigrantes.
A comunidade brasileira no exterior soma 4,5 milhões, sem contar aqueles em
situação ilegal. Mais da metade desses brasileiros que vivem no exterior, ou
2,6 milhões, emigrou na década de 2012 a 2022, um período de crises, com
destaque para a debacle econômica e política da gestão Dilma Rousseff. As
estatísticas de emigração são especialmente elevadas entre 2013 e 2020, segundo a
série de reportagens que o GLOBO tem dedicado ao tema.
Em 2013, o consumo das famílias brasileiro
registrou o décimo ano de crescimento consecutivo, mas a cada ano inferior ao
anterior. A partir daí, vieram a recessão e o aperto que estimularam a busca
por novas oportunidades fora do país. “As pessoas que haviam ascendido
socialmente e formado uma nova classe média passaram a ter dificuldades para
manter a posição conquistada”, afirma o sociólogo Rogério Baptistini, da
Universidade Mackenzie.
É a perda da esperança numa vida melhor que leva sobretudo os mais jovens a pensar em emigrar. Uma pesquisa do Datafolha feita em 2022 com jovens em 12 capitais brasileiras constatou que 76% tinham “muita” ou “alguma” vontade de sair do Brasil. Quanto mais novos, maior o desejo de emigrar. Sem base para um crescimento econômico sustentado, capaz de gerar empregos e renda para que a população realize seus projetos de vida, o Brasil perdeu a imagem, cultivada durante muito tempo, de “país do futuro”. O resultado é que, na última década, o número de brasileiros no exterior aumentou 47%, enquanto a população vivendo dentro das fronteiras cresceu apenas 6,5%.
O próprio perfil dos emigrantes tem mudado
desde a década de 1990, segundo André Linhares, advogado especialista em
migração para os Estados Unidos. Antes, muitos tentavam arriscar para ganhar a
vida. Hoje, grande parte emigra não por necessidade financeira, mas pela busca
de qualidade de vida.
É verdade que a diáspora brasileira no
exterior remeteu ao país R$ 4,7 bilhões no ano passado, um recorde. Mas, ainda
que tragam recursos, é grave que o Brasil perca profissionais qualificados que
se aperfeiçoam lá fora e não deverão voltar para trabalhar em setores
importantes baseados em pesquisa e inovação. A “fuga de cérebros” torna ainda
mais escassa a mão de obra mais necessária para nosso desenvolvimento. E a
situação poderá piorar.
Além de perder brasileiros que poderiam
contribuir para um crescimento mais robusto, a fuga para o exterior ocorre num
momento em que a população envelhece e tende a estagnar ou mesmo diminuir. O
Brasil teria de fazer o oposto: além de reter sua população, atrair mais
imigrantes, para ajudar a aumentar o consumo interno, a gerar mais receitas
para o governo e mais investimentos para a economia. Outro risco de haver menos
jovens no mercado de trabalho é a pressão sobre o financiamento das
aposentadorias. A questão migratória precisa ser acompanhada de perto em
Brasília. Precisamos de políticas que façam novamente do Brasil a terra de
acolhimento, de braços abertos aos imigrantes, que sempre foi.
Conhecimento científico é trunfo do país
diante de mudanças climáticas
O Globo
Pesquisas em curso na Embrapa usam patrimônio
genético para tentar adaptar espécies a clima mais inóspito
As mudanças
climáticas continuam a afetar o produtor agrícola brasileiro. A
safra de grãos, cereais e leguminosas não repetirá neste ano resultados tão
bons quanto em 2023. A queda prevista, de 2,8%, é creditada ao clima, de acordo
com o IBGE. Os pesquisadores temem que, com o passar do tempo, a “safrinha de
milho” colhida no Centro-Sul de janeiro a abril, depois da safra de verão,
desapareça.
O maior trunfo do Brasil para enfrentar estes
novos tempos é o conhecimento científico acumulado pela Embrapa. Nos últimos 51
anos, a empresa de pesquisas esteve por trás da transformação da agricultura
brasileira em competidor de escala global. Sem o trabalho dela, o Brasil não
teria avançado com a produção de grãos pelo bioma inóspito do Cerrado.
Mesmo que os cientistas não produzam
conhecimento na mesma velocidade com que as temperaturas deverão subir, há um
acervo acumulado de pesquisas que continuam a surtir efeitos. Mais uma
variedade de soja acaba de ser desenvolvida. “Uma planta que suporte de dez a
15 dias a mais de seca pode fazer uma diferença de vida ou morte para a
safra”, disse ao
GLOBO o pesquisador Alexandre Nepomuceno, responsável pela pesquisa
e chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Soja (Embrapa Soja).
Desenvolver transgênicos, operar a edição do
DNA de espécies e aplicar micro-organismos associados às plantas são os
caminhos de pesquisa mais promissores. Hoje, 95% da soja e 80% do milho
produzidos no Brasil já são transgênicos. O foco vinha sendo obter plantas
resistentes a pragas. Mas o aquecimento global acrescentou mais uma tarefa para
a Embrapa. A edição gênica se tornou rápida e barata graças à técnica conhecida
como CRISPR. Ela permite que empresas como a Embrapa desenvolvam variedades de
plantas com mais facilidade.
Outro trunfo forte da Embrapa é a
biodiversidade vegetal brasileira, a maior do mundo. Há à disposição uma
infinidade de genes a trabalhar em laboratórios para tornar as espécies menos
vulneráveis a altas temperaturas ou à seca. Existem, na Caatinga e no Cerrado,
plantas que sobrevivem por longos períodos de seca como se hibernassem e são
capazes de ressuscitar em menos de dois dias quando chove. Resultado de
associação da Embrapa com a Unicamp, o Centro de Pesquisa em Genômica para
Mudanças Climáticas tem descoberto na Serra da Canastra (MG) plantas muito
resistentes à seca. Há na região canelas-de-ema que sobrevivem com até 5% de
água em seus tecidos (grande parte dos vegetais morre quando esse índice fica
abaixo de 50%).
Todo esse patrimônio genético poderia, em
tese, ser transferido a outras espécies vegetais, de modo a garantir sua
adaptação a um clima mais quente e mais inóspito. O conhecimento científico é a
maior vantagem que o Brasil detém para proteger sua agricultura do aquecimento
global. As autoridades não podem se esquecer disso.
Gasto público e juro são riscos para o PIB
global
Folha de S. Paulo
Principais economias do mundo terão de fazer
ajustes para conter dívidas; o mesmo, com agravantes, vale para o Brasil
Com taxas de juros bem
maiores do que as de antes da pandemia e gastos públicos em alta em boa parte
dos países, crescem as pressões nos orçamentos e os riscos para a economia
mundial.
Segundo o Fundo Monetário Internacional, a
dívida pública deve atingir o equivalente a 120% do Produto Interno Bruto nas
nações desenvolvidas e a 80% nas emergentes até 2028. Trata-se de um salto de
cerca de 20 pontos percentuais ante o nível anterior à crise sanitária, que já
era elevado.
Ademais, os principais fatores que
influenciam essa trajetória se mostram menos favoráveis hoje. Na década
passada, a permanência de juros próximos de zero nos principais centros
financeiros manteve os custos de financiamento muito baixos, o que segurou a
dívida e permitiu níveis elevados de gastos públicos sem maiores sobressaltos.
Ampliar as despesas do governo sempre tem
apelo político, ainda mais quando se consolida a percepção equivocada de que
não há risco na indisciplina fiscal.
Hoje o quadro é diferente, contudo, dadas as
taxas bem mais altas nos centros globais. Nos Estados
Unidos, os juros
básicos estão em torno de 5,5% ao ano e não se vislumbra muito
espaço imediato para queda, tendo em vista a batalha ainda em andamento do
banco central americano para conter pressões inflacionárias.
De outro lado, segue a tendência de redução
do ritmo de crescimento da economia. Mesmo com melhores resultados e boas
perspectivas nos EUA, a expectativa do FMI para a
ampliação do PIB mundial
nos próximos cinco anos ronda 3,5% anuais, a menor em décadas
A combinação de juros altos, menor expansão
da atividade e déficits orçamentários aceleram a escalada das dívidas públicas
e elevam seu custo de rolagem, num círculo vicioso que em algum momento deverá
impor um ajuste custoso para a sociedade.
Perceber e construir as condições políticas
para estancar essa dinâmica perversa é um desafio, tendo em vista que os
impactos ruins podem demorar a ocorrer. Mas o perigo de instabilidade econômica
e financeira deveria chamar a atenção das autoridades desde logo.
No Brasil, ainda mais que em muitos outros
países, não há dúvida de que o quadro é ruim. O país tem um deficit primário
estrutural de 1,6% do PIB e precisa restaurar saldos positivos. Nas projeções
do próprio governo petista, isso não ocorrerá sem ajustes nas despesas, mas não
há sinais de disposição de levar a cabo qualquer restrição, mesmo que modesta.
Assim, a
dívida pública deve continuar crescendo e superar 80% do PIB nos
próximos anos —um obstáculo para a queda dos juros.
Código Civil em pauta
Folha de S. Paulo
Senado deveria aprovar atualização da lei,
que acompanha mudanças culturais
A revisão do
Código Civil, concluída por uma comissão de especialistas no Senado na
sexta-feira (5), é importante, dado tratar-se de uma lei que já nasceu um tanto
envelhecida —apesar de ter trazido inovações em relação ao à versão anterior,
de 1916.
O diploma, de 2003, demorou 34 anos para ser
aprovado desde a instituição da comissão que o redigiu.
O anacronismo
é visível em certos temas, como a descrição de que o casamento ocorre
entre "o homem e a mulher", ignorando a união de pessoas do mesmo
sexo —reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. A comissão do Senado
propõe redação mais inclusiva, ao contemplar relações entre "duas
pessoas".
A lei atual ignora, ademais, outras
modalidades de famílias. É o caso das monoparentais (compostas por apenas mãe
ou pai com filhos) e de outras não conjugais (irmãos e primos que moram
juntos).
O arranjo nuclear (casal com ou sem filhos e
enteados ou família monoparental) vem se tornando menos predominante. Em 2022,
ocupava 66,3% dos domicílios, o menor nível da série histórica,
iniciada em 2012 pelo IBGE.
Ainda segundo o instituto, em 2022, 11 mil
casamentos entre pessoas do mesmo sexo foram celebrados no país, uma alta de
19,8% em relação a 2021 e recorde desde 2013.
A atualização do Código Civil também é
necessária por dar celeridade a processos já cotidianos, ao instituir a
modalidade unilateral de divórcio, por exemplo —uma pessoa do casal poderá
requerer a separação em cartório, o outro cônjuge será notificado e poderá
responder em até cinco dias.
No campo da tecnologia, trata de questões
como inteligência artificial, responsabilidade civil de plataformas digitais
por vazamento de dados de usuários e direito a retirada de vinculação de nome a
certos resultados de buscas, como imagens íntimas.
Em temas de costumes, há sempre o perigo de
mais retrocessos. Espera-se, contudo, que os senadores constatem a necessidade
das atualizações. O tempo ensina que, se a lei não acompanhar as mudanças
culturais na sociedade, será por ela ultrapassada na prática.
O mistério da fé lulopetista
O Estado de S. Paulo
Lula acha que basta rechear seu discurso com
expressões religiosas para se aproximar dos evangélicos, o que mostra a
ignorância do PT a respeito dos anseios desse segmento da população
O presidente Lula da Silva parece achar que
encontrou a luz que fará o governo retomar o caminho da popularidade perdida.
Como o demiurgo e seus spin doctors estão convictos de que a desaprovação
crescente ao seu mandato vem do afastamento da população evangélica, ele
resolveu se transfigurar em crente. Foi o que se viu na constrangedora missa de
quermesse que Lula oficiou num palanque de Arcoverde, em Pernambuco, quando
usou inacreditáveis 27 vezes as palavras “Deus” e “milagre”, atingindo a
surpreendente marca de uma referência religiosa por minuto em seu discurso. O
presidente definiu como um “milagre de fé” a obra que levará águas do Rio São
Francisco para o agreste pernambucano, exaltou a “crença” dos brasileiros tanto
para obras oficiais quanto para a sua própria chegada à Presidência, criticou o
uso do nome de Deus em vão pelos adversários e, ora vejam, afirmou ter sido
escolhido pelo “homem lá de cima” para solucionar o problema da escassez de
água no Nordeste.
Eis o mistério da fé lulopetista: desde que
os institutos de pesquisa radiografaram a distância que hoje separa o governo
dos evangélicos, conselheiros governistas invariavelmente apontam caminhos para
que Lula tente se aproximar desse segmento. Nos últimos dias, soube-se que a
nova campanha do governo adotará o slogan “Fé no Brasil”. A ideia, dizem
porta-vozes, é difundir os feitos do governo e fazer um “aceno” ao eleitorado
evangélico. Não se discute aqui a religiosidade presidencial nem a criatividade
dos seus publicitários, mas o artificialismo de recém convertido e a estratégia
escolhida para a tal “aproximação com os evangélicos” demonstram que nada
entenderam do problema – muito menos das soluções. Pelo que se viu em
Pernambuco, Lula e seus apóstolos só reafirmam desconhecimento e preconceito.
Um erro habitual de muitos não evangélicos,
especialmente da esquerda lulopetista, é enxergar o segmento como uma só coisa
e, sobretudo, como uma outra gente. É como se se tratasse de outro País,
apartado e monolítico, uma espécie de “Evangelistão”. Ocorre que não há outro
Brasil, à parte do Brasil oficial, tampouco ninguém é apenas evangélico, assim
como não é apenas católico nem apenas mãe, pai ou trabalhador. Pensar o inverso
é tão enganoso quanto tomar a parte pelo todo: atribuem-se ao segmento evangélico
os males do fundamentalismo bolsonarista e do radicalismo de pastores que se
misturam à política. Convém lembrar a animada fala da presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, ao tratar da atuação de pastores “mentirosos” que “vão para o
inferno” porque se aproveitam da “boa-fé” e da falta de instrução dos fiéis.
Foi quase uma peça antipetista pronta. Ela e a companheirada não percebem que
nem todo evangélico segue a cartilha do extremismo.
O presidente dificilmente moverá montanhas
entre evangélicos tentando credenciar-se como uma espécie de profeta. Sem
dúvida há uma dissonância de valores entre a esquerda e uma boa parcela dos
evangélicos, tradicionalmente mais conservadores em matéria de família,
segurança e expectativas de futuro. Mas a dissonância maior tem muito mais a
ver com a visão de mundo e de liberdade.
Há pesquisas com moradores de periferias e
também entre evangélicos que apontam uma prevalência de valores liberais, com
foco no empreendedorismo, nas conquistas individuais e na ascensão pelo
trabalho. Há, por oposição, também forte rejeição a um Estado glutão e
intrometido – exatamente o ideal de Estado para os petistas. Como constatou em
2017 uma pesquisa feita pelo próprio PT, por meio da Fundação Perseu Abramo, na
periferia de São Paulo, em meio à brutal crise econômica gerada pela incúria
lulopetista, “no imaginário da população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é,
em grande medida, o próprio Estado ineficaz e incompetente”.
É difícil acreditar que será a Bíblia a
salvar o governo da desaprovação popular. Não há milagre: os evangélicos, a
exemplo de tantos outros setores da sociedade, querem facilidade para
empreender, escolas eficientes para seus filhos, bom uso dos impostos e
segurança para a família. Deus não tem nada com isso.
O dilema da Margem Equatorial
O Estado de S. Paulo
Cabe ao governo assumir o ônus da decisão
política de explorar petróleo na Margem Equatorial. A Guiana descobriu
petróleo, cresceu 64% em 2022 e continua com emissão líquida zero de carbono
O petróleo retirado do pré-sal, que já
corresponde a mais de 80% da produção nacional, levou o produto a rivalizar com
a soja e o minério de ferro na liderança na pauta de exportações brasileira e
contribuiu de forma decisiva para o recorde de US$ 98,8 bilhões no superávit da
balança no ano passado. A tendência é que a produção continue crescendo até
2030, como mostrou reportagem do Estadão, mas, a partir daí, deve começar a
cair. Os sinais de declínio das reservas já estão sendo percebidos, como é
natural na atividade.
A força exportadora do petróleo, aliada à
diversificação do mercado de destino devido às mudanças geopolíticas, torna
ainda mais premente uma solução para o dilema em torno da avaliação do
potencial das reservas da Margem Equatorial, a nova e promissora fronteira
exploratória da costa brasileira, que se estende por cinco bacias petrolíferas,
do Amapá ao Rio Grande do Norte. Desde que a autorização para perfuração num
bloco na Bacia da Foz do Amazonas foi negada pelo Ibama, em maio do ano
passado, em meio a grande polêmica no governo, o assunto foi engavetado.
Comunicado recente da Petrobras deve
recolocá-lo em pauta e mostra que experimentos científicos derrubam a principal
alegação do Ibama para proibir a licença ambiental – o risco de um eventual
vazamento na operação exploratória derivar para a costa do Amapá, distante 175
quilômetros, e poluir a Região Amazônica. Nos últimos meses, foram lançados na
Margem
Equatorial mais 428 equipamentos para medir o
comportamento das correntes marítimas, conhecidos como derivadores, sendo 84
deles na Bacia da Foz do Amazonas. A conclusão foi de que a corrente marítima
na região segue em sentido oposto à costa.
Estrategicamente, a Petrobras tomou o cuidado
de ressaltar que os estudos não são da empresa, mas da “comunidade científica”,
o que engloba profissionais das universidades dos Estados do Norte e Nordeste
por onde se estende a Margem Equatorial, além de Marinha, Ministério da Ciência
e Tecnologia e Serviço Geológico do Brasil. O resultado será publicado em
revista científica especializada e vai reforçar a defesa da exploração na
região.
Já passa da hora de o assunto ser revisitado,
com a definitiva opção do governo sobre explorar ou não a Bacia da Foz do
Amazonas. Em novembro do ano passado, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho,
comprometeu-se a concluir a avaliação dos recursos apresentados pela Petrobras
“no início de 2024”. Mas, obviamente, esta será uma decisão mais política do
que técnica e o governo tem de assumir esse ônus.
Um exemplo desse tipo de opção foi dado
recentemente pelo presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, ao ser entrevistado
no programa Hardtalk, da rede britânica BBC. No meio da conversa, Irfaan Ali
interrompeu de forma veemente o entrevistador Stephen Sackur, que contestava a
exploração de petróleo e gás que, segundo o próprio jornalista inglês, renderia
em torno de US$ 150 bilhões pelas próximas duas décadas, num momento em que se
discutem os efeitos da atividade no clima. A surpreendente e enfática resposta
do presidente viralizou na internet.
“Mantivemos nossa floresta viva e ela
equivale à Inglaterra e Escócia juntas. Armazena 19,5 gigatoneladas de carbono
para que você e o mundo todo possam tirar proveito sem pagar nada por isso”,
disse Irfaan Ali, acrescentando que, mesmo com a exploração de petróleo seu
país não deixará a posição de emissor líquido zero de carbono, devido à
preservação da Floresta Amazônica. Ex-colônia inglesa, a Guiana foi o primeiro
país a descobrir petróleo na Margem Equatorial, em 2015, e o início da produção
fez o país, até então um dos mais pobres do continente, registrar o segundo
maior PIB per capita da região.
De uma só tacada, a descoberta no mar da
Guiana deu ao país reservas estimadas em 11 bilhões de barris de petróleo. Em
2022, último dado disponível, a economia do país cresceu inacreditáveis 64%. A
Guiana assumiu o ônus de uma posição política. O Brasil não pode ficar
indefinidamente em cima do muro.
Amputação eleitoreira
O Estado de S. Paulo
Reoneração dos municípios é retirada de MP
como recado a Haddad em ano eleitoral
Pinçar o trecho que determinava o fim da
desoneração dos municípios com até 156 mil habitantes da Medida Provisória (MP)
1.202/23, antes de prorrogá-la, foi um recado claro do presidente do Congresso,
senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de que todo expediente político é oportuno em
ano eleitoral. Amputar a MP da parte potencialmente prejudicial a acordos
regionais é apenas um deles, e o fato de ter retirado em torno de R$ 10 bilhões
do cálculo fiscal do Ministério da Fazenda para este ano, um mero efeito colateral.
As prefeituras – que teriam, no dia seguinte
à prorrogação da MP, suas alíquotas de contribuição previdenciária elevadas de
8% para 20% – foram “salvas” da reoneração pela providencial borracha de
Pacheco, que apagou da medida a parte que o incomodava. Alegou, na sucinta
justificativa, estar garantindo “a segurança jurídica de todos os envolvidos”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que negociava com Pacheco as medidas
fiscais e disse não ter sido consultado pelo senador, pediu em seguida,
quixotescamente, um “pacto” entre Executivo, Legislativo e Judiciário para
reorganizar as finanças públicas. A história brasileira mostra que só pede
“pacto” quem já não tem muito poder político.
Há tempos a planilha de prioridades
político-econômicas do País muda a cada dois anos, de acordo com a temporada
eleitoral da vez. E isso não apenas no Congresso, mas no próprio Palácio do
Planalto. Difícil imaginar que o bom senso fiscal encontre guarida em um
ambiente em que os interesses eleitoreiros tendem a favorecer a farta
distribuição de benesses. É cada vez mais evidente que os obstáculos à
austeridade fiscal pretendida por Haddad virão não apenas dos parlamentares,
mas também de seu chefe, Lula da Silva, que já participa ativamente da formação
de alianças municipais para as eleições de outubro.
O ministro da Fazenda aguarda parecer da
Advocacia-Geral da União (AGU) sobre sua intenção de ingressar com recurso no
Supremo Tribunal Federal (STF) contra a desoneração tributária dos municípios.
Com um argumento simples, reforça o que diz a lei, que exige compensação
financeira para acompanhar todo novo gasto tributário. Trata-se do óbvio, mas
neste país o óbvio nem sempre prevalece, sobretudo em meio a campanha
eleitoral.
A MP prorrogada (com cortes) por Pacheco
prevê também como medidas para aumentar a arrecadação federal a reoneração de
17 setores econômicos, revogada pelo governo em fevereiro, e o fim gradual do
Programa Emergencial de Retomada de Eventos (Perse), medida criada durante a
pandemia para socorrer setores diretamente afetados pelo isolamento social. O
Perse foi mantido apenas formalmente, já que, atendendo aos lobbies do setor,
os parlamentares conseguiram que o assunto passasse a ser discutido em projeto
de lei. Outro item é a limitação de compensação de créditos tributários por
meio judicial acima de R$ 10 milhões.
Se a sustentação prioritária da meta fiscal em medidas arrecadatórias – e não no corte de despesas, como deveria – já compromete sobremaneira o objetivo da equipe econômica, o evidente descompromisso demonstrado pelas lideranças políticas com o equilíbrio fiscal torna a meta inatingível por definição.
Políticas migratórias sem discriminação
Correio Braziliense
É compreensível que os países queiram
controlar melhor as suas fronteiras, o que passa pela definição de políticas
migratórias consistentes, mas tachar os imigrantes como inimigos da nação é um
erro
O novo primeiro-ministro de Portugal, Luís
Montenegro, de centro-direita, avisou, no seu discurso de posse, que vai impor
limites à entrada de imigrantes no país. Os dados mais recentes apontam que
pelo menos 1 milhão de estrangeiros vivem em território luso, o correspondente
a 10% da população. As declarações do político foram vistas como um sinal de
que ele pretende atrair para a sua base de apoio parte dos portugueses que
despejaram mais de 1,1 milhão de votos na extrema direita nas eleições realizadas
em 10 de março. Essa ala da sociedade lusitana, extremamente conservadora,
atribui ao grande número de imigrantes os problemas que enfrentam — em
especial, o forte aumento dos preços das moradias e a queda na qualidade dos
serviços de saúde e educação, além do aumento da insegurança interna.
A posição de Montenegro se alinha ao
pensamento que vem se disseminando pela Europa. A visão de que a região não
pode mais manter as portas escancaradas para a imigração tornou-se dominante, a
ponto de a União Europeia lançar um pacto anti-imigração que deve entrar em
vigor ainda neste ano. O objetivo, no entender das autoridades, é dar maior
segurança aos países em relação às suas fronteiras. Os estrangeiros ilegais
passarão a ser rastreados por um sistema biométrico, o que permitirá aos países
do bloco decidirem se dão ou não permissão para que eles permaneçam em
território europeu. A região tem recebido centenas de milhares de imigrantes
todos os anos, um terço deles por meio do Mar Mediterrâneo.
As pressões exercidas pela população local
contra os imigrantes têm sido reverberadas pela ultradireita, que prega o
fechamento dos países com argumentos falaciosos — entre eles, o de que os
cidadãos de fora querem acabar com a cultura europeia e impor uma miscigenação
que põe em risco a supremacia branca. Na França, mesmo com a posição contrária
do presidente Emmanuel Macron, o Parlamento aprovou, em 2022, um projeto que
facilitou a expulsão de migrantes ilegais, tornou mais difícil para filhos de
imigrantes se tornarem cidadãos franceses e diminuiu o acesso deles aos
benefícios sociais disponibilizados pelo governo. Nos Estados Unidos, o quadro
não é diferente. A imigração virou tema central na disputa pela Presidência da
República.
É compreensível que os países queiram
controlar melhor as suas fronteiras, o que passa pela definição de políticas
migratórias consistentes, mas tachar os imigrantes como inimigos da nação é um
erro. Parcela significativa dos países europeus, entre eles, Portugal, enfrenta
um rápido envelhecimento da população, o que os especialistas definem como
suicídio demográfico. São os imigrantes que vêm rejuvenescendo esses países,
movimentando a economia e ocupando vagas que os nacionais não querem, quase
sempre, com baixos salários e pesada carga de trabalho.
Os Estados Unidos, por sua vez, vivem um novo
impulso populacional graças aos estrangeiros que aportaram por lá em busca de
uma vida melhor. Não custa lembrar que, no recente acidente em que um navio
destruiu uma ponte em Baltimore, os seis mortos eram imigrantes, que, como
muitos, são os invisíveis que trabalham à noite para manter as cidades
funcionando. Certamente, quando a ponte for reconstruída, as obras serão
tocadas, essencialmente, por essas pessoas.
O primeiro-ministro de Portugal indicou que o
país vai priorizar a entrada no país de profissionais especializados e de
estudantes. Mas não são os doutores que pegarão no pesado. Sem os trabalhadores
imigrantes menos qualificados, Portugal, metade da Europa e os Estados Unidos
param. Mais: como qualquer cidadão, eles pagam impostos, consomem e têm os
mesmos direitos e deveres.
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