O Estado de S. Paulo
O presidente da República daria uma preciosa
contribuição à política monetária se assumisse, logo, um compromisso claro com
a estabilização dos preços
Mais empenhado em gastar do que em governar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve fechar este ano com um buraco fiscal de R$ 14,5 bilhões, segundo a nova projeção orçamentária. Pela estimativa anterior, haveria um déficit de R$ 9,3 bilhões. Esses números incluem apenas as contas primárias, sem os juros, portanto. Também os custos vinculados ao desastre climático do Rio Grande do Sul estão fora desses valores. Permanece a pergunta: para que serve aquela gastança? A indagação pode parecer estranha ao presidente, a alguns de seus auxiliares e a muitos petistas. Afinal, quem assume o poder público, podem argumentar, assume também o direito de usar o dinheiro público e até de endividar o Tesouro. Tudo bem, pode responder o cidadão teimoso, mas sem desistir da pergunta: gastar para quê?
O governo deve gastar para produzir
crescimento econômico, dirão os lulistas mais treinados, seguindo em coro seu
líder e a ex-presidente Dilma Rousseff. Mais que isso, acrescentarão alguns, é
preciso gastar muito, sem atender à pauta reacionária do equilíbrio fiscal.
Além de prejudicial à produção e aos interesses do povo trabalhador, esse tal
equilíbrio significa dinheiro parado, empoçado no sistema financeiro e mantido
a serviço das classes privilegiadas. São as mesmas classes, lembrarão algumas
figuras mais sofisticadas, protegidas pelas políticas conservadoras do Banco
Central (BC).
Mas o BC, dirão muitos analistas, continua
apenas empenhado em realizar seu trabalho. Sua função principal é buscar a
estabilidade dos preços. Para isso, seus dirigentes devem detectar e avaliar as
fontes de inflação, promover a estabilidade e estimular expectativas mais
propícias à saúde da moeda. A política monetária entrou em ritmo de espera,
recentemente, por causa das incertezas crescentes em relação às medidas
fiscais, e o corte dos juros básicos foi desacelerado. Ainda minoritários, os
novos diretores indicados pela Presidência da República pouco podem fazer, por
enquanto, para apressar a redução das taxas. A rigor, nem eles podem minimizar
a insegurança criada pelo avanço da gastança federal.
Enquanto aumenta o custo de vida e as
incertezas crescem, o volume vendido no varejo dá sinais de estabilização,
depois de uma fase de rápido crescimento. A inflação tem assombrado os
consumidores e o avanço da renda é insuficiente para a maior parte das
famílias. Depois de evoluir favoravelmente durante um ano, o custo da comida
voltou a subir mais velozmente.
Em abril, o conjunto dos preços ao consumidor
subiu 0,38%, mais que o dobro da alta contabilizada em março (0,16%). A
alimentação encareceu 0,70% no mês, puxando o aumento dos gastos familiares.
Despesas com aluguel e comida são dificilmente comprimíveis sem grande prejuízo
para a maioria dos brasileiros. Quanto menor a renda, mais desastrosos são os
efeitos da inflação, porque os mais pobres têm de gastar uma parcela maior de
seus ganhos para comer e morar. A situação é especialmente dramática para quem
tem crianças para alimentar, vestir e manter na escola.
Esses dados são esquecidos ou menosprezados
por quem defende maior tolerância à inflação. Alguns cidadãos cobram do BC uma
política antiinflacionária mais frouxa, como se isso fosse mais confortável
para os mais pobres. Mas o efeito seria oposto. Além de serem as mais
sacrificadas pela inflação, as pessoas de renda mais baixa são as menos dotadas
de flexibilidade para reordenar seus orçamentos. Para entender esse dado, basta
pensar na enorme parcela do orçamento destinada por essas pessoas à alimentação.
Dirigentes do BC e outras autoridades têm lembrado esses dados, com frequência,
ao responder a quem cobra menos vigor contra a alta de preços.
Embora a inflação seja mais prejudicial aos
mais pobres, também eles seriam beneficiados se os juros fossem reduzidos mais
velozmente. O crédito ficaria mais barato e, além disso, haveria condições mais
favoráveis à expansão dos negócios e do emprego. Para afrouxar sua política, no
entanto, a autoridade monetária precisa de maior tranquilidade em relação aos
fatores inflacionários. O presidente da República daria uma preciosa
contribuição se assumisse, logo, um compromisso claro com a estabilização dos preços.
Para isso, precisaria apoiar a busca do equilíbrio fiscal, um objetivo
defendido pelo ministro da Fazenda e prejudicado pelo comportamento
presidencial.
Com melhores perspectivas para as contas
públicas, seria mais fácil apostar em preços mais próximos da estabilidade e em
crescimento econômico sem solavancos. No mercado, as projeções têm apontado
expansão pouco acima de 2% para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e na
altura de 2% nos próximos. Confirmada essa projeção, o País estaria em condição
bem inferior à de outros emergentes. Não se pode, no entanto, esperar maior
dinamismo, ao longo de vários anos, sem maior segurança quanto às contas públicas
e aos preços. Falta a equipe econômica explicar esse fato ao presidente e
engajá-lo na busca de uma prosperidade segura e sustentável.
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