IDH indica ineficiência do Estado brasileiro
Folha de S. Paulo
Com carga tributária elevada e iníqua, além
de gasto mal direcionado, país não alcança nível elevado de desenvolvimento
Entre os 30 países com maior carga de
impostos, o Brasil é o
que apresenta o pior índice de desenvolvimento humano (IDH). O dado,
apurado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, evidencia de
modo eloquente distorções do Estado brasileiro.
Em 2022, ano que serviu de base para o
levantamento, a arrecadação tributária brasileira, nos três níveis de governo,
correspondeu a 32,4% do Produto Interno Bruto —a 24ª posição da lista,
encabeçada pela Noruega (44,3%) e quase toda composta por economias ricas.
Já nosso IDH, de 0,76 numa escala de 0 a 1, é
o único na relação abaixo do patamar classificado como alto desenvolvimento
(0,80).
O índice leva em conta renda per capita, educação e longevidade. No primeiro critério, corrige-se o poder de compra em cada país, de modo a se obter uma régua comum, dado que regiões com renda superior têm nível de preços mais alto.
A discrepância entre carga tributária e
bem-estar é um indicador da ineficiência do poder público no Brasil. Aqui, o
nível dos impostos já é excessivo para uma sociedade de renda média, o que
compromete o setor produtivo e o potencial de crescimento econômico.
Ademais, a taxação é mal distribuída e
regressiva, prejudicando o combate à desigualdade social. Onera-se em demasia o
consumo, o que pesa em especial sobre os estratos mais pobres da população,
enquanto setores influentes desfrutam de regras especiais.
A carga elevada tem como motivo um gasto
público ainda mais alto —porém com graves problemas de eficiência e qualidade.
Benefícios sociais, como aposentadorias,
Bolsa Família, abono salarial, seguro-desemprego e outros, recebem o
equivalente a 16,5% do PIB, patamar raro em países emergentes. No entanto a
Previdência, que consome a maior parcela desses recursos, não tem foco nos mais
carentes.
Outros 10,8% do produto vão para remunerações
de servidores públicos, boa parte deles pertencentes aos setores da elite.
Despesas variadas de custeio somam 5,5%. Sobra muito pouco para investimentos,
em particular obras de infraestrutura necessárias para elevar o potencial
da economia.
O país tem gasto público elevado para padrões
internacionais, mas o impacto no bem-estar se mostra inferior ao observado no
restante do mundo, ainda mais no contexto de estagnação da produtividade que já
dura décadas.
A difícil
reforma da tributação nacional enfim teve início. Com as despesas,
será necessário um trabalho de revisão contínua.
A guerra e a Palestina
Folha de S. Paulo
Mais países reconhecerão Estado árabe, mas
terrorismo está entre os obstáculos
Espanha, Irlanda e Noruega prometeram
reconhecer oficialmente a Palestina como Estado soberano. Não se
trata de iniciativa banal neste momento em que a guerra na Faixa de Gaza prossegue
sem horizonte de paz —percepção aqui tragicamente avivada pela morte do
brasileiro Michel Nisenbaum, feito refém pelo terrorismo do Hamas.
As decisões dos três países da União
Europeia se dão em meio à hesitação do bloco em adotar uma
posição coesa sobre o tema, motivo também de conflito interno nas Nações
Unidas. A
coexistência de dois Estados, israelense e palestino, é defendida por
esta Folha.
Em abril, os EUA vetaram o reconhecimento do
segundo, que contava com 12 votos favoráveis no Conselho de Segurança da ONU, três a
mais do que o necessário. A Assembleia Geral reagiu retoricamente neste mês ao
aprovar, com 149 votos, resolução que pede ao conselho a revisão de sua
negativa.
Demover Washington, idealmente sob a
Presidência do democrata Joe Biden,
depende sobretudo de uma concertação sólida do Ocidente. A Europa é
obviamente parte essencial desse processo, embora o movimento dos três países
tenha por ora mais o efeito de reforçar as pressões sobre Israel.
Como bloco, a UE aferra-se aos termos do
Acordo de Oslo, de 1993, que prevê a solução de dois Estados independentes,
democráticos e soberanos. Mas apenas 8 de seus 27 membros reconhecem a Palestina,
conta que subirá para 11.
Ao menos três fatores pesam nessa
indefinição: a histórica incerteza sobre o papel do Hamas e outros grupos
terroristas e da frágil Autoridade Palestina na consolidação do novo Estado; a
guinada de Israel para a extrema direita sob Binyamin Netanyahu; os traumas
acumulados ao longo de sete meses de guerra em Gaza.
Da brutal origem no terror do Hamas em Israel
aos ataques bélicos de Netanyahu contra civis em Gaza, o conflito aprofunda
ódios atávicos. O fracasso da negociação internacional sobre um cessar-fogo
deve-se também a esse sinistro.
Não há dúvidas de que, quanto mais coesa a UE
esteja em favor da criação de um Estado Palestino, maior será seu poder de
pressão.
Estatais ainda custam caro ao contribuinte
O Globo
Entre 2016 e 2022, apesar de avanços nos
números, Tesouro gastou mais de R$ 150 bilhões para sustentá-las
Quando se fala em estatais, pensa-se logo
em Petrobras, Banco do
Brasil, Correios ou
Caixa. Mas o universo das empresas públicas no Brasil é mais amplo e
diversificado. Ainda há estatais destinadas a fabricar chips ou hemoderivados,
a aeroportos, trens urbanos ou telecomunicações, a abastecimento, pesquisa
agrícola ou desenvolvimento regional. Sobretudo num momento de crise fiscal, em
que o governo resiste por razões ideológicas a qualquer privatização, é
importante avaliar se ao menos elas têm sido bem geridas. A conclusão é que, do
final do governo Dilma Rousseff até a posse do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, houve avanços.
O Ministério da Gestão e da Inovação mantém
dados históricos de 88 estatais, tanto aquelas que dependem do Tesouro quanto
as que, em teoria, se sustentam. Entre 2016 e 2022 — governos Michel Temer e
Jair Bolsonaro —, o programa de desestatização e saneamento das finanças obteve
resultados mensuráveis. Em valores correntes, atualizados pelo IPCA, o ativo
total das empresas caiu 13,2%, de R$ 7,1 trilhões para R$ 6,1 trilhões. O
endividamento diminuiu mais da metade, de R$ 661,7 bilhões para R$ 324,8 bilhões.
E o resultado financeiro subiu de R$ 6,6 bilhões para R$ 304,4 bilhões.
Mas isso não significa que as estatais tenham
deixado de custar ao contribuinte. As subvenções que o Tesouro distribui para
evitar que várias quebrem somaram, de 2016 a 2022, R$ 151,5 bilhões. No
período, o dispêndio anual aumentou 24,2% em termos reais.
Há casos em que o apoio do Estado pode ser
justificado com base nos benefícios sociais ou econômicos. Entre eles, a
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), administradora de mais de
40 hospitais universitários ligados ao SUS. Ou a Embrapa, laboratório de
pesquisa e desenvolvimento responsável pelo impressionante avanço da
agricultura e da pecuária no país nas últimas décadas.
O mesmo não se pode dizer da Companhia
Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), cria da sucateada Rede Ferroviária Federal
que recebe mais de R$ 1 bilhão anuais dos cofres públicos (em 2022, foi R$ 1,6
bilhão, 33% a mais que em 2021). Tal peso sobre o contribuinte é mais uma prova
da necessidade de novas concessões ferroviárias.
Também é insensato manter o Centro Nacional
de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), resultado de um desvario
nacional-desenvolvimentista que imaginou uma estatal para competir no mercado
de semicondutores. Criada em 2008, segundo governo Lula, a empresa estava para
ser liquidada na gestão Bolsonaro, mas foi resgatada na volta do PT ao
Planalto. Sem relevância, sobrevive de repasses milionários (foram R$ 40
milhões só em 2022, ano em que deveria ter sido vendida).
Outra prova da dificuldade de fechar estatais
inúteis no Brasil é a longa sobrevida da Valec, subsidiária da já privatizada
Vale mantida por subvenções. Em 2022, foram R$ 154,8 milhões, 15% acima de
2021. Outra que demonstra resistência a desaparecer é a Telebras. Privatizadas
as empresas de telecomunicações nos anos 1990, ela continua a existir e, apenas
de 2020 a 2022, recebeu cerca de R$ 740 milhões em auxílio do Tesouro.
No universo dessas 88 estatais, sempre vale
repetir, gasta-se muito dinheiro que faz falta na saúde, na educação, na
segurança pública ou na prevenção de catástrofes ambientais.
Golpes com uso de inteligência artificial
exigem maior atenção de autoridades
O Globo
Cidadãos e empresas precisam se precaver
contra áudios e vídeos fraudulentos criados por IA
Novas ferramentas de inteligência
artificial (IA) têm se tornado armas poderosas nas mãos de
criminosos. O mundo do crime já usa técnicas capazes de simular com perfeição a
voz e a imagem em áudios e vídeos conhecidos como deepfakes. Como relatou
reportagem do GLOBO, uma estudante de enfermagem começou a receber chamadas
insistentes de números desconhecidos. Atendeu uma delas e ouviu uma mensagem
eletrônica pedindo que confirmasse dados pessoais para atualização de cadastro.
O telefonema não passou de um minuto, mas foi o suficiente para que sua voz fosse
gravada. Não demorou muito para sua mãe receber um telefonema simulando, com a
voz da filha, o pedido de um depósito na conta de uma amiga desconhecida.
Outra vítima, influenciador de rede social
com 20 mil seguidores, se surpreendeu ao encontrar um vídeo numa rede social em
que ele, numa praia, relatava como ganhara dinheiro fácil investindo R$ 1 mil
para ter um lucro quase instantâneo de R$ 10 mil. Constavam ainda da postagem
diálogos falsos dele com alguém a quem atribuía ajuda no investimento, além de
diversos comprovantes bancários. Mais um golpe típico da era dos deepfakes.
Tais exemplos revelam a que ponto chegam as
artimanhas dos golpistas facilitadas pelo uso da IA. De acordo com o Instituto
de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, durante quase uma década foram
registrados apenas 201 golpes de estelionatários no meio digital. Só no ano
passado esses casos chegaram a 11.485. Os golpes via internet ficaram à frente
de estelionatos cometidos em lares (8.035), na via pública (3.948), no
estabelecimento financeiro (2.752) ou em loja comercial (2.109). Neste ano, os
registros totais de estelionatos no Rio já cresceram 14,5% no primeiro
trimestre. Certamente haverá mais denúncias de uso de IA ou outras ferramentas
para acesso ilegal a contas bancárias, investimentos ou cartões de crédito.
A facilidade torna esse tipo de golpe irresistível para os criminosos. A criminalidade se sofistica na mesma proporção do avanço das tecnologias digitais. É preciso desconfiar sempre de telefonemas ou mensagens com ofertas mirabolantes para compra de bens ou investimentos, além de evitar atender ligações de números desconhecidos. Não apenas os cidadãos, mas também as empresas precisam se precaver contra essas ações criminosas, por meio da criação de departamentos de segurança digital ou da contratação de consultorias especializadas para se proteger. Por fim, governo, Congresso e Justiça têm de trabalhar para oferecer à sociedade ferramentas jurídicas robustas capazes de coibir essa nova vertente do crime.
Um cachorro com 14 donos
O Estado de S. Paulo
É ruim a supressão da figura do relator na
reforma tributária. Ao dar protagonismo aos 14 integrantes do grupo de
trabalho, Lira parece mais interessado em sua sucessão que na reforma
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
anunciou a criação de dois grupos de trabalho para tratar dos projetos de lei
que vão regulamentar a reforma tributária sobre o consumo. Cada um desses
colegiados será composto por sete deputados. Eles terão 60 dias para concluir
as análises, mas o prazo poderá ser prorrogado, se necessário. Não haverá um
relator ou coordenador. “Todos serão relatores, todos serão membros. Na hora de
cumprir os ritos regimentais, a gente escolhe um deles para assinar o que todos
vão fazer conjuntamente”, afirmou Lira.
Entende-se que o presidente da Câmara queira
contemplar o maior número de partidos na distribuição de propostas relevantes
como as da reforma tributária. No entanto, não parece ser uma boa estratégia
para quem diz tratar o tema com a prioridade que ele merece. Como diz o ditado
popular, se um cachorro que tem dois donos morre de fome, o que dizer de um que
possui 14?
O longo processo de regulamentação da reforma
não começou bem. O primeiro projeto de lei, que contempla a maioria das regras
da proposta e trata dos novos impostos que incidirão sobre bens e serviços,
chegou às lideranças da Câmara há quase um mês, entregue pessoalmente pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Não há justificativa plausível para tanta
demora em definir uma estratégia para a tramitação desse primeiro texto. São
mais de 360 páginas e um total de 499 artigos que abordam desde a composição da
cesta básica aos regimes específicos para diversos setores econômicos.
O segundo projeto, a ser remetido ao
Legislativo nos próximos dias, trata de questões ainda mais delicadas. Há
receio, por parte de alguns governadores, sobre a criação do Conselho
Federativo, órgão que ficará responsável pela arrecadação do Imposto sobre Bens
e Serviços (IBS) e pela distribuição de suas receitas entre Estados e
municípios.
Tampouco se explica uma mudança tão radical
na postura de Lira sobre um mesmo tema em tão pouco tempo. Para a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) que criou as bases da reforma, promulgada no fim
ano passado, Lira definiu como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB),
que já havia elaborado um parecer sobre a mesma PEC em 2021.
Aprovar uma proposta tão ampla era uma tarefa
politicamente difícil, mas Ribeiro conseguiu construir um consenso mínimo com
os parlamentares e os setores envolvidos. Ganhou protagonismo, a ponto de se
tornar o candidato natural para analisar os novos textos. Era o nome preferido
do governo, mas foi deliberadamente escanteado por Lira e não integrará nem
mesmo os grupos de trabalho.
No modelo proposto por Lira, cada partido
pode indicar um membro para ocupar as 14 vagas dos grupos de trabalho. “É mais
democrático”, disse ele. Se esse fosse o ponto, ainda mais democrático teria
sido optar pelas comissões, que respeitam a composição dos blocos da Câmara e a
representatividade dos partidos. Nos grupos de trabalho, no entanto, Lira tem
discricionariedade para selecionar – e, sobretudo, para excluir – quem quiser.
Em qualquer proposta legislativa, a figura do
relator é fundamental para dialogar com os setores diretamente envolvidos. Não
se trata de um cargo decorativo. Além de domínio técnico sobre os pormenores do
texto, sua liderança é crucial para contemplar e rejeitar sugestões de mudanças
no texto final. É uma posição que requer aguçada sensibilidade política. Pode
ser a diferença entre a aprovação e a rejeição de um texto.
O tempo para analisar os textos da reforma
tributária é curto e não pode ser desperdiçado em barganhas políticas. Trata-se
de uma etapa crítica da reforma, sem a qual as necessárias mudanças do sistema
não serão materializadas.
Um parlamentar experiente como Lira sabe bem
disso. Mas tudo indica que a reforma tributária entrou no centro da disputa
antecipada pela presidência da Câmara, na qual o deputado tem todo o interesse
de indicar seu sucessor. Deixar a reforma naufragar, no entanto, é um preço
alto demais para qualquer liderança que almeje um futuro político. Ainda há
tempo de corrigir esse rumo.
Travessuras fora do Orçamento
O Estado de S. Paulo
Governo e Congresso recorrem a subterfúgios
para gastar mais, ao largo das amarras fiscais e do escrutínio da sociedade,
minando as contas públicas e, no limite, a democracia
O Brasil assiste – não é de hoje, mas se
acirra com a fúria gastadora do governo Lula da Silva – a uma guerra pelo
Orçamento. Com os recursos públicos cada vez mais apertados em razão de
engessamentos das mais variadas espécies, travam-se disputas pelo dinheiro que
resta, em geral para atender a interesses próprios, corporativos ou paroquiais.
Essa batalha tem levado o Executivo e o
Legislativo a criar mecanismos para evitar o debate orçamentário, isto é, para
gastar dinheiro sem ter que passar pelo desgastante processo democrático de
explicar aos contribuintes por que seus projetos devem receber os escassos
recursos públicos.
Um bom exemplo dessa criatividade é o uso dos
chamados fundos garantidores para implementação de políticas públicas, como bem
salientou, em reportagem do Estadão, o pesquisador do Insper Marcos Mendes.
Geralmente com previsão inicial de devolução dos aportes ao Tesouro Nacional,
esses fundos asseguram empréstimos mais baratos a micro e pequenas empresas e
suporte a programas de renegociação de dívidas. O tempo já provou, porém, que,
com fintas espertas, o dinheiro proveniente dos cofres públicos e destinado a
finalidades específicas ganha utilização variada, com prorrogação de forma
indefinida.
O que diz Mendes é que basicamente os fundos
garantidores têm financiado políticas públicas fora do Orçamento. Hoje, existem
dez deles de natureza privada administrados por bancos públicos, com nada menos
do que R$ 77 bilhões de participação da União.
Com isso, o dinheiro vai e sabe-se lá quando
volta. O impacto fiscal se dá apenas uma vez, na saída, quando o governo faz o
aporte. “Depois, o resultado primário negativo fica para trás, e o governo e o
Congresso ficam ‘brincando’ com esse dinheiro aqui fora”, disse Mendes.
Como de boas intenções o inferno está cheio,
nem sempre esse uso maroto dos fundos é resultado de má-fé – como é o caso, por
exemplo, do programa Pé de Meia, uma espécie de poupança para estimular
estudantes de baixa renda a terminarem o ensino médio. Como se sabe, o programa
pode receber recursos não utilizados em fundos específicos, sob administração
da Caixa e sem qualquer controle orçamentário. Ora, como lembrou Marcos Mendes,
não há razão nenhuma para que esse programa, que é meritório, seja operado fora
do Orçamento – e nem seria tão difícil conseguir apoio político para incluí-lo
no Orçamento, mas aparentemente o governo preferiu o caminho mais curto.
Hoje, dentro do governo, discutemse variados
usos para recursos de fundos, como socorrer empresas aéreas ou garantir gastos
de despesas de pequenas e médias empresas com cartão do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O Congresso discute, ainda, tirar a
obrigatoriedade de devolver em 2025 os aportes feitos pela União no Programa
Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), o
que na prática joga o prazo para as calendas.
Essas artimanhas revelam um “Orçamento
paralelo”, conforme avalia Mendes, e que não se limita ao uso desses fundos. Há
travessuras na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba (Codevasf), onde o Centrão se lambuza; na Petrobras, cujo plano de
investimento sustenta o delírio desenvolvimentista do presidente Lula da Silva;
e na Itaipu Binacional, que, à custa dos consumidores brasileiros, pode arcar
com obras em todo o Paraná, em Mato Grosso do Sul e até no Pará.
Em Belém, por exemplo, a hidrelétrica vai
bancar R$ 1,3 bilhão em infraestrutura para a Conferência do Clima (COP30),
prevista para 2025. Como apontou a colunista do Estadão Elena Landau, o governo
trilhou mais “um atalho para fugir de restrições das já combalidas regras
fiscais” e, como escreveu ela, “gastar recursos fora do Orçamento”.
Convém lembrar que o Orçamento não é um
capricho burocrático. É pilar da democracia. Periodicamente a sociedade é
convocada, por meio de seus representantes, para discutir as prioridades do
País e decidir quais serão atendidas imediatamente e quais ficarão para depois
– porque, afinal, não há dinheiro para tudo. Mas o debate democrático dá
trabalho, então, há quem prefira gastar o escasso dinheiro dos brasileiros sem
dar satisfação a ninguém.
O território do crime em SP
O Estado de S. Paulo
Prefeitura diz que que não consegue entrar em
certas regiões porque os bandidos não deixam
Em documento encaminhado à Justiça, a
Procuradoria-Geral do Município de São Paulo afirmou que o crime organizado
dita regras de acesso em determinadas regiões da cidade.
As ameaças a agentes públicos foram relatadas
pelo procurador Ricardo Bucker Silva à 2.ª Vara de Fazenda Pública, no dia 22
de abril deste ano, em processo que cobra da Prefeitura a finalização do
chamado Plano Municipal de Redução de Riscos. Trata-se de uma ação estratégica
prevista no Plano Diretor de 2014 para mitigar danos em decorrência da mudança
climática, como deslizamentos de encostas e enchentes.
Em razão da demora no mapeamento das áreas, o
Ministério Público ajuizou uma ação civil pública. A Justiça, então,
estabeleceu até o fim de abril passado o prazo para a conclusão dos trabalhos,
mas a Prefeitura solicitou prorrogação até dezembro em razão de
“intercorrências” em 24 áreas.
Não há hipótese virtuosa nesse caso. Pode ser
apenas uma desculpa esfarrapada da Prefeitura para o atraso da implementação da
importante ação ou pode ser uma vergonhosa admissão de que a Prefeitura é
incompetente para se fazer presente em todas as áreas da cidade a qual lhe cabe
administrar.
Sendo verdadeira a segunda hipótese, deve-se
registrar a corresponsabilidade do governo do Estado, a quem cabe prover a
segurança necessária para que os agentes públicos entrem e atuem onde precisam,
a serviço da comunidade. Ou seja, se São Paulo está nas mãos do crime
organizado, como deu a entender a Procuradoria municipal, trata-se de um vexame
coletivo da administração pública.
Há muito se sabe que o PCC domina presídios,
administra o tráfico, contamina a política e captura até contratos públicos em
setores de transporte, saúde e coleta de lixo, como este jornal vem mostrando
em seguidas reportagens. Não seria mesmo surpresa se, como alega o poder
público paulistano, os criminosos realmente estejam atuando como se fossem
agentes de controle de imigração ao traçar fronteiras imaginárias entre Estado
legítimo e Estado paralelo.
O procurador Ricardo Bucker relatou que os
agentes da Prefeitura precisaram negociar sua entrada em determinadas favelas:
“Isto é, para deixar de modo mais claro, em razão do crime organizado, a
municipalidade tem enfrentado dificuldades para ingressar nas áreas”.
Segundo Bucker, entre os obstáculos
enfrentados está a “solicitação de saída dos técnicos da região por
representantes do crime organizado”. Citou, ainda, hostilidade de moradores em
razão do histórico de processos de desapropriação, além de interrupção nas
atividades por causa de operações policiais.
Para Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, da 5.ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, contrário à extensão do prazo para que a gestão municipal faça seu trabalho, são “questões corriqueiras no dia a dia da Prefeitura” que poderiam ser “facilmente solucionadas com o apoio da Polícia Militar ou mesmo da Guarda Civil Metropolitana”. O espantoso é que ainda não tenha sido feito.
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