Folha de S. Paulo
Precisamos construir um novo arranjo
internacional que empodere política e financeiramente países em desenvolvimento
Nesta semana, autoridades
do mundo inteiro se reúnem no Rio de Janeiro para mais uma rodada de debates do
G20, o grupo das nações mais ricas do mundo. A agenda é focada na reforma
da tributação global de grandes corporações e dos super-ricos e no
redirecionamento de recursos para o combate das causas e efeitos da mudança
climática.
Dentre as pautas que derivam deste grande objetivo, está a reforma das instituições de Bretton Woods, que comemoram 80 anos desde a sua criação ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1944. Ali foram criados o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) com os respectivos intuitos de administrar um sistema monetário internacional e prover financiamento para o desenvolvimento econômico. Inicialmente operando com o regime de taxas de câmbio fixas, em um mundo já dominado pelo dólar mas ainda preso à fantasia do padrão ouro do período anterior às duas guerras mundiais.
Em 1971, Nixon decide eliminar a paridade
artificial entre dólar e ouro e passa a valer o novo paradigma das taxas
flutuantes. Após a década agitada dos 1970, a política do dólar forte instituiu
a hegemonia nítida e irrecorrível do dólar e esparramou a crise para o mundo em
desenvolvimento, jogando a América Latina na crise da dívida externa, da qual
ela sairia apenas quinze anos mais tarde.
Neste novo mundo, as instituições de Bretton
Woods se adaptaram e se tornaram veículos do neoliberalismo, por meio da
imposição aos países endividados das condicionalidades embutidas nas políticas
de ajuste estrutural (leia-se privatizações, desregulamentação de mercado e
ajustes fiscais brutais) e a nova agenda microeconômica do desenvolvimento:
educação, políticas compensatórias e qualidade das instituições sob a égide do
livre mercado.
A crise financeira de 2008 e sua repercussão
sobre a periferia da Europa se uniram à pandemia e à Guerra da Ucrânia para
questionar e flexibilizar alguns postulados defendidos há décadas por estas
instituições. A rejeição à política industrial, por exemplo, foi parcialmente
revertida pela emergência climática. No entanto, como destacou minha colega
Laura Carvalho, essas instituições ainda são fechadas à "voz e
participação" dos países emergentes, deixando-os à margem dos debates e,
sobretudo, das decisões sobre a transição energética.
Neste sentido, o economista colombiano e
professor da Universidade de Columbia (EUA), José Antonio Ocampo, fez algumas
sugestões dignas de nota em sua palestra em evento paralelo ao G20,
"Estados do Futuro", no BNDES. Para ele, é fundamental redesenhar o
ecossistema de bancos multilaterais de desenvolvimento –isto é a relação entre
o Banco Mundial e os bancos regionais de fomento— para prover financiamento
paciente e com taxas mais baixas para países do Sul Global. Ao substituir a
política de "condicionalidades" por uma de "propriedade"
das políticas voltadas à mitigação e adaptação climática ataca-se o principal
déficit atual, o de oferta de bens públicos internacionais, como a floresta em
pé.
No que toca no sistema monetário
internacional, Ocampo sugere maior flexibilidade da parte do FMI na concessão
de auxílio aos países endividados e o uso do estoque ocioso (cerca de 80%) dos
"direitos especiais de saque" (SDR em inglês) em favor dos países
emergentes, como capitalização do Banco Mundial ou de programas do próprio FMI
para financiar a transição ecológica, como fundos para redução da pobreza e
para resiliência e sustentabilidade.
Há outras agendas centrais, como a
renegociação da dívida soberana de muitos países e a cooperação internacional
pela justiça tributária. Mas a mensagem é simples: precisamos construir um novo
arranjo internacional que empodere política e financeiramente o Sul Global.
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