sexta-feira, 26 de julho de 2024

Bernardo Mello Franco – O julgamento de Biden

O Globo

Resultado da eleição em novembro definirá lugar do atual presidente na História

A pouco mais de cem dias das urnas, Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição nos EUA. Não acontecia desde 1968, quando Lyndon Johnson jogou a toalha em meio à Guerra do Vietnã. O presidente anunciou a decisão pelas redes sociais, como convém aos tempos modernos. Na quarta-feira, explicou suas razões em pronunciamento na TV.

Biden disse que a democracia americana está em risco. Sustentou que é preciso preservá-la, mesmo que isso signifique abrir mão de ambições pessoais. “Reverencio este cargo, mas amo mais o meu país”, afirmou. “Decidi que o melhor caminho é passar o bastão para a nova geração”, prosseguiu. Pode parecer altruísmo, mas é só realismo político.

Aos 81 anos, o democrata ignorou seguidos apelos para que desistisse da reeleição. Negou-se a admitir que as limitações físicas e cognitivas, naturais para a idade, já começavam a comprometer sua aptidão para governar. Nem a performance constrangedora no debate com Donald Trump, no fim de junho, o convenceu a deixar o páreo voluntariamente. A decisão só saiu à força, depois de um motim de aliados e financiadores de campanha.

A desistência de Biden criou um fato novo capaz de mudar a eleição. Em apenas uma semana, o atentado contra Trump virou notícia velha. Agora o assunto é Kamala Harris, a coadjuvante alçada a protagonista. Sua entrada em cena bagunçou a estratégia dos republicanos. Trump já acusou o golpe ao chamá-la de “lunática”, “radical” e “perigosa”. A questão é saber se a vice terá tempo para organizar uma campanha competitiva, derrubar preconceitos e se tornar a primeira mulher eleita para a Casa Branca.

No discurso de quarta, Biden defendeu seu legado e deixou claro que ainda se considera merecedor de um segundo mandato. Os números da economia depõem a seu favor, mas só o tempo dirá como a História vai julgá-lo. Se Kamala vencer, o presidente será lembrado como um estadista sábio, que aceitou renunciar ao poder em nome de ideais elevados. Se Trump voltar, o democrata será apontado como principal culpado pela catástrofe. E as mãos que o afagam hoje serão as primeiras a apedrejá-lo.

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