Correio Braziliense
O fator comum aos recentes processos
eleitorais na França e nos EUA é o crescimento da extrema-direita e sua aliança
com a maior parte da direita tradicional que, por sobrevivência e/ou
oportunismo eleitoral, se rendeu ao populismo
Neste mês de julho, dois processos eleitorais no cenário internacional foram destaque na mídia, um no início do mês e o outro nesta última semana. O primeiro foi o segundo turno da eleição legislativa na França. Com o a velocidade quase supersônica com que os assuntos entram e saem de pauta, vale a pena recordar o processo. Em junho, após a vitória contundente do partido de Le Pen nas eleições para o Parlamento Europeu, Macron, em um movimento tão inesperado quanto ousado, resolveu dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições (essa é a vantagem do parlamentarismo: as crises políticas são resolvidas com novas eleições, enquanto no presidencialismo a solução é o impeachment).
Muita gente criticou a decisão do presidente
francês, apostando na vitória da extrema-direita e na desidratação absoluta de
seu partido, com base no resultado do primeiro turno. Porém, mostrando sua
habilidade, Macron impulsionou uma articulação com os partidos de esquerda e
centro-esquerda tendo como mote o compromisso com a democracia liberal e a
República. O sucesso dessa iniciativa apoiava-se na premissa de transformar o
segundo turno em um plebiscito contra a extrema-direita, com os dois grupos somando
forças em torno da candidatura mais bem colocada na disputa em cada distrito. O
resultado foi uma verdadeira e surpreendente reviravolta que deslocou o partido
de Le Pen do primeiro para o terceiro lugar. Não se pode negar que a estratégia
de Macron se mostrou acertada.
O segundo fato relevante a ocupar o
noticiário no mês inteiro foi o processo eleitoral nos EUA. O péssimo
desempenho de Biden no debate da CNN, o atentado contra Trump e a apoteótica
Convenção Republicana indicavam um crescimento irreversível da candidatura
oposicionista — tudo isso potencializado pela resistência do atual presidente
em abrir mão de sua candidatura, apesar da enorme pressão vinda de todos os
lados.
Eis que, no último domingo, Biden usa suas
redes sociais para anunciar que estava desistindo de concorrer à reeleição.
Mesmo que esperada, a decisão não deixou de ser impactante. E mais ainda pela
velocidade demonstrada por ele ao entrar em campo indicando a candidatura de
sua vice-presidente. Desde então, os holofotes mudaram de lado, e tudo indica
que, até a Convenção Democrata, será Kamala a ocupar o noticiário. Enquanto
isso, os republicanos passaram a ter que repensar sua estratégia. A verdade é
que o jogo por lá voltou a ficar aberto.
O fator comum a ambos os processos — e, sem
dúvida, o mais importante — é o crescimento da extrema-direita e sua aliança
com a maior parte da direita tradicional que, por sobrevivência e/ou
oportunismo eleitoral, se rendeu ao populismo. O que explica esse fenômeno que
está presente na Europa e no continente americano?
Um diagnóstico foi trazido por Pablo
Ortellado em sua coluna intitulada Direita populista mostra força, na qual
identifica a dificuldade do campo democrático e progressista em apresentar
propostas para três questões muito sentidas pela população: mais segurança,
mais atenção e proteção à família, e mais pluralidade nas universidades e na
mídia. Nesse terreno, o establishment limita-se à denúncia, recusando-se a
construir alternativas.
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Essa constatação é reforçada, no caso
brasileiro, por Luiz Carlos Azedo em sua coluna O 'transformismo' tomou conta
da política brasileira, publicada aqui no Correio Braziliense em 14 de julho.
Em um trecho, ele afirma, com absoluta precisão, que "setores de centro e
centro-direita, de viés conservador, estão a reboque da extrema-direita
reacionária, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, tanto nas pautas do
Congresso quanto na agenda das eleições municipais, onde o tema da segurança
pública ganhou centralidade. A centro-esquerda deriva à direita, a esquerda, ao
centro, em busca de sobrevivência; e a extrema-esquerda prefere permanecer
isolada".
Este ano teremos eleições municipais, e uma
pergunta tem sido constante nas análises políticas: essa situação vai ser a
principal referência na construção das alianças eleitorais e nas campanhas?
Como afirmei em outras oportunidades, a polarização estará presente apenas nos
grandes centros, em particular nas 212 cidades com mais de 100 mil eleitores,
sendo natural que influencie as regiões de seu entorno.
No entanto, outubro será o momento utilizado
para o lançamento de candidaturas sem chance real de vitória, mas que
acumularão forças para as eleições de 2026, de olho na renovação completa da
Câmara de Deputados e de dois terços do Senado Federal.
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