Combate à fome exige eficiência de programas sociais
O Globo
Como explicar que o Brasil permaneça no mapa
da ONU tendo ampliado gastos com pobres desde a pandemia?
É uma vergonha o Brasil continuar no Mapa da
Fome das Nações Unidas. No triênio entre 2021 e 2023, 3,9% da população
brasileira foi considerada subnutrida — ou 8,4 milhões de pessoas. Houve
melhora em relação ao levantamento anterior, quando a subnutrição atingia 4,2%,
mesmo assim o país está muito acima do limite de 2,5% por triênio, necessário
para deixar a lista da ONU.
A vergonha é ainda maior porque, entre 2014 e 2020, o Brasil ficou fora do Mapa da Fome. Hoje apenas cinco países latino-americanos — Chile, Costa Rica, Cuba, Guiana e Uruguai — satisfazem ao critério das Nações Unidas para isso: prover a quantidade mínima de calorias e nutrientes para uma vida ativa e saudável a mais de 97,5% da população.
Entre os famintos, um grupo merece atenção
especial: grávidas e bebês. Sem uma dieta mínima, nenhuma criança atinge seu
potencial. E nem tudo é quantidade. Além de proteínas e carboidratos, não podem
faltar nutrientes essenciais como ferro ou vitaminas. Há relação comprovada
entre anemia em grávidas e prejuízo ao desenvolvimento de seus filhos. No
Brasil, 16% das mulheres em idade reprodutiva sofrem de anemia, quase o dobro
do Chile. Não é coincidência que o crescimento de 7,2% das crianças com menos
de 5 anos esteja atrasado, patamar 4,5 vezes superior ao chileno. É uma
realidade inaceitável.
A pandemia é considerada responsável pelo
recrudescimento da fome no Brasil. Mas a persistência da chaga expõe um
paradoxo: como explicar que um país que gastou, em valores corrigidos, R$ 340
bilhões em Auxílio Emergencial para atender 68 milhões de brasileiros naquele
período e, desde o início de 2020, registrou despesas que somam R$ 353 bilhões
em Auxílio
Brasil e Bolsa Família,
mais R$ 317 bilhões no Benefício de Prestação Continuada (BPC) — algo como R$ 1
trilhão em programas sociais — ainda enfrente tanta dificuldade para combater a
fome?
Mudar essa realidade vexatória exige ações
concomitantes e urgentes do governo. É preciso promover uma revisão profunda
nas políticas sociais, de modo a manter o foco nos mais necessitados entre
aqueles que ficam para trás. Do contrário, o gasto será ineficaz. Mas apenas
isso não basta. Também é fundamental criar as condições para que o ritmo do
crescimento da economia gere mais oportunidades de emprego e renda, dando a
chance para mais gente sair da miséria.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva elegeu o combate à fome e à pobreza como uma das três prioridades durante
o período em que o Brasil presidir o G20, grupo das 20 maiores economias do
mundo. O lançamento formal da iniciativa acontecerá na cúpula de líderes
mundiais, marcada para novembro no Rio. Até agora, as discussões estão
concentradas no financiamento para políticas sociais, tema de fato crucial. Mas
vale também destacar a necessidade de países fomentarem um ambiente de negócios
mais propício ao crescimento. Criar melhores vagas de emprego e oferecer mais
renda são duas ferramentas imprescindíveis para erradicar a fome. Tudo isso só
é possível com um Estado eficiente e fiscalmente equilibrado, capaz de
conquistar a confiança dos investidores e de gastar recursos onde são realmente
necessários.
Prefeitos têm muito a contribuir para
aperfeiçoar luta contra a violência
O Globo
As chapas de candidatos com profissionais da
segurança mostram que tema será decisivo na eleição
É sintomático que, diante dos episódios
de violência que
fustigam os brasileiros, a pauta de segurança ganhe visibilidade nas eleições
municipais. Embora a gestão da polícia esteja a cargo dos governos estaduais, a
preocupação com o tema está presente na formação das chapas das diferentes
colorações partidárias que disputarão as prefeituras.
Levantamento
do GLOBO mostra que pelo menos nove capitais reúnem
concorrentes vinculados às forças de segurança, da ativa ou aposentados.
Delegados, capitães, coronéis e outros civis ou militares pretendem disputar
votos enfatizando suas ligações com a área. Em São Paulo, os dois postulantes
que aparecem à frente em pesquisas de intenção de voto, o prefeito Ricardo Nunes (MDB)
e Guilherme
Boulos (PSOL), mantêm representantes do setor em seu núcleo
mais próximo. Nunes terá como vice de chapa o ex-coronel da PM Ricardo Mello
Araújo (PL). Boulos escalou o ex-comandante da Rota Alexandre Gasparian para
elaborar propostas de segurança.
Ao chamar profissionais da área para compor
suas chapas ou assessorá-los em seus planos de governo, candidatos ou
pré-candidatos agem movidos pelo termômetro das ruas. A violência é a segunda
maior preocupação dos eleitores, atrás apenas da economia, revelou pesquisa
Quaest. Embora as mortes violentas venham caindo no país desde 2017, os números
ainda são muito altos, em especial de crimes que afetam o dia a dia dos
cidadãos, como roubos e furtos. Evidentemente, o assunto não deve ser tratado
de forma populista. Nomes apenas não resolvem o problema. Não é apelando a um
delegado ou coronel que se resolverão os graves problemas da segurança.
Embora não tenham o controle das polícias e
das políticas do setor, prefeitos podem fazer muito dentro de suas atribuições
para ajudar no combate à violência. Podem melhorar a iluminação das ruas
(ambientes mal iluminados facilitam a ação de criminosos). Podem implantar ou
aumentar o número de câmeras de segurança nas vias. Podem requalificar áreas
degradadas devolvendo esses espaços públicos à população. Podem incentivar
atividades que gerem emprego e renda.
As Guardas Civis ou Municipais, presentes nas
grandes cidades, também podem desempenhar papel importante, desde que trabalhem
de forma integrada com as demais forças. Não devem substituir a polícia, portar
armas pesadas ou participar de confrontos. Mas, articuladas com as polícias
estaduais, podem ocupar os espaços públicos mais visados, realizando um
policiamento mais próximo dos cidadãos e inibindo, com sua presença, delitos
que afetam a percepção de segurança.
Dada a angústia da população, será inexorável
que a segurança esteja na pauta das eleições de outubro. Espera-se que os
candidatos a prefeito apresentem propostas factíveis dentro de seus limites de
atuação. A rotina violenta das grandes cidades e a busca por votos a todo custo
certamente ensejarão todo tipo de promessa. Deve-se ter cautela. Violência se
combate com método, não com populismo.
Polarização oculta real perfil político dos
eleitores
Valor Econômico
As pesquisas mostram que há um vasto
contingente de eleitores que se afastam dos extremos, enquanto os políticos têm
voltado sua atenção às redes sociais, onde se digladiam as franjas mais
radicais
A polarização envenenou o ambiente político e
aparentemente dividiu o país em duas posições radicalmente opostas, as do
bolsonarismo e as do petismo. Duas pesquisas recém-divulgadas, no entanto,
mostram a artificialidade desse reducionismo. Os levantamentos A Cara da
Democracia (O Globo, 20 de julho) e Datafolha com evangélicos (Folha, 21 de
julho) revelam que as bases do PT não são tão “progressistas” quanto o discurso
de seus líderes aparenta ser. Da mesma forma, há mais nuances e flexibilidade
de posições nas bases bolsonaristas do que o radicalismo do clã Bolsonaro deixa
entrever. As redes sociais exprimem o pensamento da parcela mais engajada e
intolerante ao diálogo de ambos os lados. As pesquisas indicam que há vida fora
dessa atmosfera viciada.
Descriminalização das drogas e armas de fogo
são exemplos típicos que colocam o PT e a oposição bolsonarista em campos
opostos. A Cara da Democracia mostra que não é bem assim. São contra a postura
mais branda em relação às drogas 68% dos partidários de Lula, ou seja, dois em
cada três pesquisados desse espectro político. No caso dos bolsonaristas, 82%
são contrários. Mais surpreendente, a maioria dos eleitores do PT (57%) não
quer que seja proibida a venda de armas, fatia só um pouco menor do que os 63%
dos eleitores de Bolsonaro. Os evangélicos, tidos como alinhados
indistintamente aos bolsonaristas, são contra a posse de armas de fogo - 66%
disseram isso ao Datafolha no final de junho.
A redução da maioridade penal é um anátema
para liberais e progressistas brasileiros em geral. Projetos nesse sentido
nunca prosperam no Legislativo. Mas dois terços dos eleitores do PT (67%) a
defendem, assim como 79% dos de Bolsonaro. E, embora estes últimos apoiem a
instituição da pena de morte no país (55%), uma parcela expressiva dos que
votam no PT também concorda com isso - nada menos de 42%. Metade dos que votam
no PT são contrários a que os detentos possam sair em datas especiais para
visitar familiares (a “saidinha”). Projeto nesse sentido foi aprovado pelo
Congresso, e o presidente Lula pensou em vetar o trecho. Mas 50% de seus
partidários apoiam a proibição, bem como 56% dos eleitores de Bolsonaro.
Outras questões parecem ter criado uma
muralha separando os dois campos políticos. A realidade é diferente das
aparências. Mais de dois terços (69%) dos eleitores do PT e 82% dos de
Bolsonaro fazem coro contrário à legalização do aborto. Nenhum dos dois lados,
entretanto, estende sua convicção a ponto de defender a prisão de mulheres que
interrompam a gravidez, como consta de projeto que teve sua urgência aprovada
para votação na Câmara dos Deputados e depois, diante da imediata reação de
repúdio geral a seu conteúdo, deixou o recinto - espera-se que para sempre.
Ainda assim, 36% dos petistas e 47% dos bolsonaristas veem com bons olhos a
detenção de mulheres que fazem aborto. Além disso, 43% dos eleitores do PT não
apoiam o casamento civil de pessoas do mesmo sexo, ao lado de 65% dos eleitores
de Bolsonaro.
A Cara da Democracia mostra, assim, que o
lado conservador do maior partido de esquerda brasileiro é amplo e maior do que
se supunha, o que torna bastante relativa a eficácia da estratégia de demonizar
Bolsonaro por várias de suas ideias. De forma ampla, a pesquisa mostra que as
convicções inabaláveis que se defrontam nas redes sociais não são tão sólidas
assim. E desmancham-se um pouco mais se for considerado o papel dos evangélicos
na arena política.
O Datafolha ouviu 613 deles no fim de junho,
a maioria (69%) pentecostais e neopentecostais. A ação partidária de líderes de
algumas dessas igrejas cobriu os evangélicos com o manto indistinto do
reacionarismo bolsonarista. A pesquisa deu voz aos evangélicos e mostrou que
não é bem assim. Na maioria (56%), eles não gostam que suas igrejas apoiem
candidatos e 70% deles acham que os pastores não deveriam dizer em quem os
fiéis devem votar. Mais, 81% afirmaram nunca ter votado em candidatos sugeridos
por pastores de suas igrejas. Além de serem contra a posse de armas, uma
bandeira bolsonarista, se colocam em peso (77%) contra o homeschooling
(educação domiciliar pelos pais), outra patacoada pregada pela extrema-direita.
São contra o aborto, contra que ele deixe de ser crime, mas contra a prisão de
quem o faz. São esmagadoramente (86%) a favor de acolher gays e pessoas trans
nas igrejas. Além disso, 55% acham que política e religião não devem andar
juntas e só 30% citaram nome de políticos que mais representam os evangélicos.
Destes, 10% citaram Bolsonaro e 1% Lula; 43% disseram não saber.
As pesquisas mostram que há um vasto contingente de eleitores que se afastam dos extremos, enquanto os políticos têm voltado sua atenção às redes sociais, onde se digladiam as franjas mais radicais. Seria importante, em especial em épocas de eleição, que os candidatos discutissem a sério propostas que atinjam a maioria da população, como educação, segurança e saúde, e deixassem de lado guerras ideológicas estéreis que, como sugerem as pesquisas, têm menos guerreiros do que aparentam.
Privatização da Sabesp é passo no rumo certo
Folha de S. Paulo
Apesar de críticas sobre falta de competição
e valor de venda, processo é exemplo para universalizar saneamento no país
A
privatização da Sabesp, maior companhia de saneamento do país, é um
passo fundamental, e pode-se dizer histórico, rumo ao cumprimento das metas de
universalização na cobertura de fornecimento de água e esgoto no Brasil.
O governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos)
não cedeu aos argumentos de que perderia poder político e receita ao reduzir a
participação do estado de São Paulo na
companhia, de 50,3% para 18%.
Agora, sem as amarras da burocracia e do
clientelismo, ineficiências
que são a marca das estatais, a Sabesp ganha musculatura para elevar
a produtividade e os investimentos.
Além de estabelecer o fundamental compromisso
de universalizar o serviço básico de água e esgoto até 2029 e estimar
investimentos da ordem de R$ 69 bilhões, o processo de privatização conta com
incentivo financeiro para o concessionário caso a universalização seja atingida
em cinco anos.
Mesmo acertando com a privatização e o
objetivo social principal de universalizar o serviço, o governo gerou dúvidas
—talvez desnecessárias— se fez o melhor negócio ao contar com um só preponente,
num processo sem competição.
A Equatorial arrematou
seus 15% de participação com envelope único e pagou R$ 67 por ação,
enquanto no dia da proposta a cotação era R$ 76 —um deságio de 12%, portanto.
Nesta quinta (25), a ação da Sabesp fechou a R$ 86,72.
Houve ainda quem questionasse a capacidade
operacional da Equatorial. A empresa é conhecida por sua trajetória ascendente
no setor elétrico, onde se especializou em recuperar distribuidoras com
problemas. Sua experiência com água e esgoto se resume a uma atuação no pequeno
sistema do Amapá.
Será preciso dar tempo para que a cultura do
setor privado, que a Equatorial domina, possa se associar ao conhecimento do
corpo técnico da ex-estatal.
Na mira dos consumidores, o valor da tarifa
também será item de destaque. O governador afirmou que ela continuará subindo,
mas que o aumento tende a ser menor.
Esse seria o principal legado da
reestruturação que acompanha a desestatização e abre espaço para se fazer mais
com menos. Será dever dos órgãos que regulam a prestação dos serviços e o
mercado de capitais acompanhar a evolução da nova Sabesp.
Apesar de demagogos pregarem que privatização
é entreguismo do bem público à ganância privada, a realidade é que o sistema
estatal —incapaz de investir— é o único responsável pelas escandalosas cifras
de 100 milhões de brasileiros sem esgoto e 35 milhões sem água.
A privatização é o caminho para resolver a
principal mazela social do Brasil.
A saúde mental dos PMs
Folha de S. Paulo
Mais agentes morrem por suicídio do que em
confronto; urge apoio psicológico
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública mostram o desmazelo com o trabalho das forças de segurança no Brasil.
Em 2023, o número de
policiais militares que se mataram (110) foi maior do que o de vitimados em
confronto, seja em serviço (46) ou fora dele (61).
Tal discrepância expõe a falta de apoio
psicológico nas corporações e o efeito da precária capacitação profissional
que, ao estimular a brutalidade
em ações policiais, pode gerar impactos severos na saúde mental dos
agentes.
A taxa de crimes violentos letais e
intencionais contra policiais civis e militares caiu 18,1% em 2023, já a de
suicídio nesse estrato que está na ativa subiu 26,2%.
Os dois maiores efetivos da PM do país
registraram alta significativa de suicídios: Rio de Janeiro com 116,7% (de 5
para 13) e São Paulo, com 80% (de 19 para 31 casos). Neste último, o número de
2023 é o maior da série histórica, iniciada em 2017. Foram 21 PMs mortos em
confronto e 31 que tiraram a própria vida no ano passado, ante 45 e 15 em 2017,
respectivamente.
Mesmo considerando que o suicídio é um
fenômeno complexo, o trabalho
focado em operações com alta letalidade e a cultura que
enaltece a figura do policial como herói são fatores que devem ser
considerados, segundo especialistas.
O tema não pode ser um tabu nas corporações.
A PM de Minas Gerais, por exemplo, não computava até o ano passado o suicídio
de policiais. Transparência e a qualidade dos dados são fundamentais para
enfrentar o problema.
O programa Escuta Susp (Sistema Único de
Segurança Pública), lançado em maio pelo governo federal e voltado ao
atendimento psicológico online dos agentes, precisa ser ampliado e articulado
com corporações em todo o país.
É importante, ademais, que seja feito um
diagnóstico das causas do problema, para que o poder público atue de modo
preventivo. Atendimento presencial, grupos de apoio internos e protocolos de
cuidado após situações de estresse também são necessários.
Qualquer política de segurança pública, por
óbvio, deve incluir a atenção à saúde dos agentes responsáveis por promovê-la.
O ressentimento da indústria
O Estado de S. Paulo
A indústria reclama por não ter um Plano
Safra como o agro, mas empréstimos subsidiados e benefícios fiscais garantem a
sobrevivência do setor há anos, com modesto reflexo no PIB
A indústria brasileira se ressente de uma
alegada falta de atenção do poder público para com o setor. Para os
industriais, os juros elevados praticados na economia brasileira elevam o custo
de produção e impedem suas empresas de competir de igual para igual com
companhias estrangeiras, que financiam suas atividades a taxas muito mais
baixas.
A solução, para o presidente da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, é criar uma
política de crédito barato nos mesmos moldes do Plano Safra. Ao participar do
Fórum Estadão Think – A Indústria no Brasil Hoje e Amanhã, ele disse que o
desempenho do agro merece ser aplaudido, mas ponderou que o setor conta com o
Plano Safra, que oferece crédito subsidiado para os produtores.
Essa comparação é útil para saber o que
exatamente a indústria espera do governo. Para a safra 2024/2025, o governo
Lula da Silva anunciou o valor recorde de R$ 475,56 bilhões, alta de 9% em
relação ao ciclo de produção anterior. Desse total, R$ 400,58 bilhões serão
para os grandes produtores e R$ 74,98 bilhões para a agricultura familiar.
A participação direta do governo no Plano
Safra se dá via subvenção, valor que o Tesouro Nacional arcará com o custo de
equalização dos juros desses empréstimos. Nesta safra, o subsídio subirá 19,8%
ante o ciclo anterior, para R$ 16,3 bilhões. A depender da evolução da taxa de
juros ao longo dos meses, o dinheiro pode acabar antes do encerramento da
safra.
Nesses casos, o governo precisa elevar o
valor da subvenção para que a contratação de novas operações pelas instituições
financeiras não seja suspensa. Na maioria das vezes, isso requer o envio de um
pedido de crédito suplementar pelo governo ao Congresso Nacional, o que garante
transparência ao custo do benefício.
A forma como o presidente da Fiesp se referiu
ao Plano Safra pode levar a entendimentos equivocados, como se a indústria
jamais tivesse sido contemplada com financiamentos subsidiados, o que está
longe de ser verdade. Basta lembrar que, entre 2009 e 2014, o setor foi um dos
principais beneficiários do Programa de Sustentação do Investimento (PSI).
O PSI foi o principal veículo do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para induzir o
crescimento após a crise financeira mundial de 2008. Para isso, a instituição
recebeu mais de R$ 400 bilhões do Tesouro para financiar os chamados “campeões
nacionais”.
Em subsídios implícitos, isto é, com a
diferença entre o custo de captação do Tesouro e o custo contratual dos
empréstimos concedidos pelo BNDES, o PSI custou nada menos que R$ 181 bilhões.
Mas em subsídios explícitos, ou seja, com a equalização dos juros, o que
permitiria alguma base de comparação com o Plano Safra, o programa custou
outros R$ 76 bilhões.
Não foi a única ajuda que o governo deu à
indústria em todos esses anos. O setor é também um dos principais beneficiários
de subsídios tributários concedidos pela União, estes espalhados em variados
programas e iniciativas incorporadas ao Orçamento e que já não precisam de
aprovação do Congresso. A Zona Franca de Manaus, sozinha, recebeu R$ 26,5
bilhões em subvenções, enquanto o setor automotivo embolsou R$ 10,1 bilhões.
Ainda assim, a participação do setor
industrial no Produto Interno Bruto (PIB) caiu vertiginosamente nos últimos
anos, de 48% em 1985 para 25,5% em 2023, segundo dados da Confederação Nacional
da Indústria (CNI). Essa perda de relevância tem muitos motivos, mas não se
pode atribuir o problema à falta de financiamentos ou de benefícios fiscais.
Embora seja uma das maiores economias do
mundo, o Brasil ainda é um dos países mais fechados ao comércio exterior,
sobretudo a indústria. Uma das maiores exceções é justamente o agronegócio,
que, ao lado do petróleo e do minério de ferro, sustenta há anos o saldo
positivo da balança comercial.
Em 2023, o PIB aumentou 2,9%, mas, enquanto o agronegócio cresceu 15,1%, a indústria registrou alta de apenas 1,6%. Essa diferença seria um bom motivo para defender a abertura comercial, mas a menção ao tema causaria calafrios na indústria e no governo, que preferem defender uma política de “neoindustrialização” que, de nova, só tem o nome.
Caleidoscópio evangélico
O Estado de S. Paulo
Nova pesquisa mostra que mundo evangélico é
diverso e complexo, ao contrário do que sugerem muitos dos fundamentalistas que
se apresentam como seus representantes na política
Mulher, negra, com renda familiar de até três
salários mínimos e que frequenta templos pequenos: eis o perfil do evangélico
paulistano, segundo pesquisa Datafolha recentemente realizada com 613
praticantes da religião que mais cresce no Brasil. O levantamento é a mais
recente evidência de que o segmento evangélico é um universo rico, diverso e
complexo, ao contrário do que sugerem muitos dos fundamentalistas que se
apresentam como seus representantes no mundo político. Na prática, os templos
evangélicos funcionam como um programa de diversidade e inclusão, no qual
pessoas oprimidas ou marginalizadas encontram um espaço em que são aceitas e
respeitadas.
De acordo com a pesquisa, 71% dos
entrevistados vão a templos de pequeno porte, o que ajuda a explicar o
crescimento da fé evangélica em regiões periféricas. Em bairros que nunca
conheceram nem igrejas ricamente decoradas nem megatemplos que mais parecem
casas de shows, o culto realizado em pequenos espaços, às vezes uma sobreloja
ou até mesmo a garagem improvisada de um vizinho, é onde uma camada da
população sem acesso a quase nada finalmente encontrou espaço para ser ouvida e
reconhecida.
A adaptação à realidade regional não se dá
apenas na ocupação dos espaços físicos. Apenas 19% dos entrevistados mostraram
simpatia pelo chamado homeschooling, isto é, a educação das crianças em
casa, e não na escola – bandeira da direita evangélica norte-americana,
importada aqui pelo bolsonarismo, que tem como objetivo proteger os filhos de
uma suposta doutrinação esquerdista e pervertida nas escolas. A questão, que a
pesquisa evidencia, é que a escola, no Brasil, não é apenas o lugar de
aprendizado, é também o lugar onde as crianças de famílias pobres se alimentam
– realidade que foi escancarada na recente pandemia de covid-19. Na hierarquia
das famílias evangélicas, ao que parece, alimentar os filhos é mais importante
do que protegê-los de ameaças que só existem no discurso de pastores
extremistas e dos políticos que exploram a fé alheia para angariar votos.
Outra pauta importante entre conservadores, a
das armas, também não tem aderência entre os evangélicos. Só 28% apoiam que
cidadãos tenham acesso a armas para se defender. Ao mesmo tempo que rejeitam o
aborto, apenas três entre cada dez evangélicos concordam que mulheres que
recorram ao método sejam processadas e presas, punição prevista num infame
projeto de lei apresentado pela bancada que se diz evangélica no Congresso. E
se 57% dos entrevistados são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo,
uma esmagadora maioria (86%) acredita que os templos devem estar abertos a
homossexuais e transexuais.
Para o grupo entrevistado, líderes religiosos
também não devem interferir em escolhas políticas. Expressivos 70% são
contrários a que pastores indiquem em quem devem votar, enquanto 76% acreditam
que a citação de políticos não deve ocorrer durante os cultos. E 33% rejeitam
que religiosos ocupem cargos públicos.
A percepção de que o Brasil vem se tornando
um país mais conservador, sobretudo graças ao crescimento dos evangélicos, é
muitas vezes acompanhada da visão, sem qualquer embasamento, de que os
evangélicos são um grupo monolítico, que docilmente se deixa conduzir por
líderes reacionários que pugnam pela redução de direitos de minorias.
O teste de realidade, porém, já fez com que
expoentes do conservadorismo político recuassem. Depois da reação negativa da
sociedade em relação ao projeto da bancada evangélica que trataria como
assassinas as mulheres estupradas que abortam, com penas superiores às impostas
aos estupradores, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, expoente do
evangelismo bolsonarista, apressou-se a se dizer contrária.
Aos que têm a pretensão de cabalar votos
entre eleitores que se declaram evangélicos, portanto, a primeira lição que a
pesquisa mostra é que esses cidadãos são, como o resto da sociedade, indivíduos
com aspirações comuns a todos – querem trabalhar, viver com dignidade e ter
paz. Tendo a Bíblia como referência e o templo como sua comunidade,
querem apenas respeito por suas crenças e por seus receios.
Na trincheira do atraso
O Estado de S. Paulo
Disputa entre Câmara e Senado sobre mercado
regulado de carbono é jogo de perde-perde
A batalha entre a Câmara dos Deputados e o
Senado que emperra a criação do mercado regulado de crédito de carbono presta
um desserviço ao País ao adiar indefinidamente a criação de um sistema que já
deveria estar em funcionamento ou, ao menos, em desenvolvimento. Se há, de
fato, fundamento no interesse do Brasil em liderar o esforço mundial de
transição energética, é surreal, para dizer o mínimo, a disputa política nas
duas Casas Legislativas em torno da paternidade do projeto que vai determinar
as bases do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito
Estufa (SBCE).
A situação inusitada foi revelada em recente
reportagem do Estadão, que enfatizou os atrasos recorrentes. Foram
frustradas as tentativas de aprovação antes das Cúpulas do Clima (COPs) da ONU
no Egito, em 2022, e em Dubai, em 2023. A aprovação antes da COP-29, que
acontecerá em novembro em Baku, no Azerbaijão, é incerta, e conforme se
aproxima a COP-30, que será sediada no Brasil, a demora começa a ganhar
contornos de vexame, ainda mais diante da previsão de que, depois da aprovação,
a implantação do SBCE seja concluída em fases ao longo de seis anos.
Em questão de tamanha importância, como a do
combate às mudanças climáticas, é lamentável que decisões essencialmente
técnico-científicas sejam obstruídas por meros – e questionáveis – objetivos
políticos. Como mostrou a reportagem, o Senado pretende votar, em meados de
agosto, o PL 412/22, aprovado pelos senadores em outubro de 2023, um texto mais
sucinto do que o votado e aprovado na Câmara (PL 2148/15) dois meses depois.
Ocorre que o relator do projeto na Câmara, deputado Aliel Machado (PV-PR),
aproveitou apenas parte do PL 412, enviado pelo Senado e juntou o conteúdo do
PL 2148, que já tramitava na Câmara.
O que já estava confuso virou uma barafunda
com os rumores de que o plenário do Senado, para onde o projeto retornará após
as mudanças, vai retomar o texto que enviou à Câmara. Já começa a ser
especulada a judicialização da questão – o que poderia ter sido evitado, por
certo, se o Executivo, a quem caberia prioritariamente a condução de projetos
para orientar a transição energética, tivesse tomado a dianteira enviando um
projeto próprio ao Legislativo, ao invés de pegar carona no texto do Senado.
Quando assinou o Acordo de Paris, durante a
COP-21, em 2015, o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de
efeito estufa em 37% em 2025; depois ampliou a redução para 50% em 2030 e
comprometeu-se com a neutralidade até 2050. A venda de créditos de carbono
excedentes de empresas e governos contribui para o cumprimento das metas de
redução de poluentes no mundo. Naquele mesmo ano, foi apresentado o PL 2148/15
na Câmara para criar a base do mercado regulado, em que governos decidem as
metas de emissões. Sem uma legislação própria até hoje, as empresas brasileiras
participam apenas do mercado voluntário, no qual as metas são definidas entre
empresas.
É notória a vantagem do Brasil, com sua matriz energética essencialmente limpa, na corrida mundial pela descarbonização. Somente a incompetência nos impedirá de aproveitar essa chance.
Jogos Olímpicos em números
Correio Braziliense
Dadas as devidas proporções de investimento,
custo, profissionalismo, treinamento e experiência, digamos que o Brasil
resiste, bravamente
Hoje, às 14h30 (horário de Brasília), será a
cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, embora desde
quarta-feira atletas do futebol, rúgbi, handebol e tiro com arco já tenham
iniciado suas respectivas competições. Neste ano, os franceses resolveram
inovar: ao contrário da tradicional apresentação das delegações, geralmente em
campos de futebol, desta vez a festa será transferida para a água. Os atletas
desfilarão em barcos pelo Rio Sena para receber o grande público.
Os números do evento continuam enormes. A
tocha olímpica será carregada, até o fim da jornada, por 10 mil esportistas.
Serão 32 esportes, disputados por 14 mil atletas. Entre as novidades desses
jogos, estão a canoagem slalom extremo e o breaking — este último aguardado por
muitos, talvez pela mistura de arte com esporte. Na competição, serão 32
dançarinos se apresentando, entre homens e mulheres.
Aliás, esta talvez seja a edição com mais
equidade de gênero entre todas elas. Das 32 modalidades esportivas, 28
incluirão homens e mulheres. O caminho ainda está sendo traçado, é verdade, mas
152 competições terão a participação delas, 157, deles e 20 contarão com ambos
os sexos nas provas.
A Vila Olímpica é uma história à parte. São
82 prédios, 3 mil apartamentos e 7,2 mil quartos para abrigar os heróis do
esporte, que terão que conviver com os 40ºC registrados no verão europeu sem
ar-condicionado. A França pretende dar show em termos de sustentabilidade,
priorizando as fachadas dos prédios para que não recebam muito sol, além de um
sistema de águas subterrâneas naturalmente frias para ajudar na redução do
calor.
Além das altas temperaturas, os 274
brasileiros que participarão dos Jogos de Paris 2024 terão que enfrentar
adversários duríssimos e, segundo os analistas esportivos, há poucas chances de
medalhas de ouro: apenas cinco, quem sabe até sete, igualando o feito dos jogos
do Rio de Janeiro, em 2016, e de Tóquio, em 2020. Alguns até jogam para mais,
apostando em nove ouros. Já no número total de medalhas, os especialistas são
mais generosos: 21 ou 22. Mas, infelizmente, não teremos representante
brasileiro para disputar o breaking — nenhum atleta conseguiu vaga nas disputas
pré-olímpicas.
A bem da verdade, dadas as devidas proporções
de investimento, custo, profissionalismo, treinamento e experiência, digamos
que o Brasil resiste, bravamente. Falta muito ainda para que o esporte, assim
como a saúde e a educação, seja tratado de forma digna no país, com leis de
incentivo às modalidades esportivas, com projetos que privilegiem bolsas de
estudo e moradia para futuros atletas.
A boa notícia destes Jogos Olímpicos é que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) aumentou em 40%, em relação aos Jogos de Tóquio, há quatro anos, os valores das premiações para atletas vencedores. Medalhistas de ouro (R$ 350 mil), de prata (R$ 210 mil) e de bronze (R$ 140 mil), além de modalidades em grupo com dois a seis atletas (R$ 700 mil) e acima de seis (R$ 1 milhão) receberão prêmio maior. O que resta é torcer. Que brilhem nossos brasileiros!
Um comentário:
"Como explicar que o Brasil permaneça no mapa da ONU tendo ampliado gastos com pobres desde a pandemia?"
Fácil! Quem os colocou lá - 30 milhões - por óbvio não saberá tira-los. Gastar dinheiro eles sabem.
MAM
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