sexta-feira, 26 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Combate à fome exige eficiência de programas sociais

O Globo

Como explicar que o Brasil permaneça no mapa da ONU tendo ampliado gastos com pobres desde a pandemia?

É uma vergonha o Brasil continuar no Mapa da Fome das Nações Unidas. No triênio entre 2021 e 2023, 3,9% da população brasileira foi considerada subnutrida — ou 8,4 milhões de pessoas. Houve melhora em relação ao levantamento anterior, quando a subnutrição atingia 4,2%, mesmo assim o país está muito acima do limite de 2,5% por triênio, necessário para deixar a lista da ONU.

A vergonha é ainda maior porque, entre 2014 e 2020, o Brasil ficou fora do Mapa da Fome. Hoje apenas cinco países latino-americanos — Chile, Costa Rica, Cuba, Guiana e Uruguai — satisfazem ao critério das Nações Unidas para isso: prover a quantidade mínima de calorias e nutrientes para uma vida ativa e saudável a mais de 97,5% da população.

Entre os famintos, um grupo merece atenção especial: grávidas e bebês. Sem uma dieta mínima, nenhuma criança atinge seu potencial. E nem tudo é quantidade. Além de proteínas e carboidratos, não podem faltar nutrientes essenciais como ferro ou vitaminas. Há relação comprovada entre anemia em grávidas e prejuízo ao desenvolvimento de seus filhos. No Brasil, 16% das mulheres em idade reprodutiva sofrem de anemia, quase o dobro do Chile. Não é coincidência que o crescimento de 7,2% das crianças com menos de 5 anos esteja atrasado, patamar 4,5 vezes superior ao chileno. É uma realidade inaceitável.

A pandemia é considerada responsável pelo recrudescimento da fome no Brasil. Mas a persistência da chaga expõe um paradoxo: como explicar que um país que gastou, em valores corrigidos, R$ 340 bilhões em Auxílio Emergencial para atender 68 milhões de brasileiros naquele período e, desde o início de 2020, registrou despesas que somam R$ 353 bilhões em Auxílio Brasil e Bolsa Família, mais R$ 317 bilhões no Benefício de Prestação Continuada (BPC) — algo como R$ 1 trilhão em programas sociais — ainda enfrente tanta dificuldade para combater a fome?

Mudar essa realidade vexatória exige ações concomitantes e urgentes do governo. É preciso promover uma revisão profunda nas políticas sociais, de modo a manter o foco nos mais necessitados entre aqueles que ficam para trás. Do contrário, o gasto será ineficaz. Mas apenas isso não basta. Também é fundamental criar as condições para que o ritmo do crescimento da economia gere mais oportunidades de emprego e renda, dando a chance para mais gente sair da miséria.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegeu o combate à fome e à pobreza como uma das três prioridades durante o período em que o Brasil presidir o G20, grupo das 20 maiores economias do mundo. O lançamento formal da iniciativa acontecerá na cúpula de líderes mundiais, marcada para novembro no Rio. Até agora, as discussões estão concentradas no financiamento para políticas sociais, tema de fato crucial. Mas vale também destacar a necessidade de países fomentarem um ambiente de negócios mais propício ao crescimento. Criar melhores vagas de emprego e oferecer mais renda são duas ferramentas imprescindíveis para erradicar a fome. Tudo isso só é possível com um Estado eficiente e fiscalmente equilibrado, capaz de conquistar a confiança dos investidores e de gastar recursos onde são realmente necessários.

Prefeitos têm muito a contribuir para aperfeiçoar luta contra a violência

O Globo

As chapas de candidatos com profissionais da segurança mostram que tema será decisivo na eleição

É sintomático que, diante dos episódios de violência que fustigam os brasileiros, a pauta de segurança ganhe visibilidade nas eleições municipais. Embora a gestão da polícia esteja a cargo dos governos estaduais, a preocupação com o tema está presente na formação das chapas das diferentes colorações partidárias que disputarão as prefeituras.

Levantamento do GLOBO mostra que pelo menos nove capitais reúnem concorrentes vinculados às forças de segurança, da ativa ou aposentados. Delegados, capitães, coronéis e outros civis ou militares pretendem disputar votos enfatizando suas ligações com a área. Em São Paulo, os dois postulantes que aparecem à frente em pesquisas de intenção de voto, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), mantêm representantes do setor em seu núcleo mais próximo. Nunes terá como vice de chapa o ex-coronel da PM Ricardo Mello Araújo (PL). Boulos escalou o ex-comandante da Rota Alexandre Gasparian para elaborar propostas de segurança.

Ao chamar profissionais da área para compor suas chapas ou assessorá-los em seus planos de governo, candidatos ou pré-candidatos agem movidos pelo termômetro das ruas. A violência é a segunda maior preocupação dos eleitores, atrás apenas da economia, revelou pesquisa Quaest. Embora as mortes violentas venham caindo no país desde 2017, os números ainda são muito altos, em especial de crimes que afetam o dia a dia dos cidadãos, como roubos e furtos. Evidentemente, o assunto não deve ser tratado de forma populista. Nomes apenas não resolvem o problema. Não é apelando a um delegado ou coronel que se resolverão os graves problemas da segurança.

Embora não tenham o controle das polícias e das políticas do setor, prefeitos podem fazer muito dentro de suas atribuições para ajudar no combate à violência. Podem melhorar a iluminação das ruas (ambientes mal iluminados facilitam a ação de criminosos). Podem implantar ou aumentar o número de câmeras de segurança nas vias. Podem requalificar áreas degradadas devolvendo esses espaços públicos à população. Podem incentivar atividades que gerem emprego e renda.

As Guardas Civis ou Municipais, presentes nas grandes cidades, também podem desempenhar papel importante, desde que trabalhem de forma integrada com as demais forças. Não devem substituir a polícia, portar armas pesadas ou participar de confrontos. Mas, articuladas com as polícias estaduais, podem ocupar os espaços públicos mais visados, realizando um policiamento mais próximo dos cidadãos e inibindo, com sua presença, delitos que afetam a percepção de segurança.

Dada a angústia da população, será inexorável que a segurança esteja na pauta das eleições de outubro. Espera-se que os candidatos a prefeito apresentem propostas factíveis dentro de seus limites de atuação. A rotina violenta das grandes cidades e a busca por votos a todo custo certamente ensejarão todo tipo de promessa. Deve-se ter cautela. Violência se combate com método, não com populismo.

Polarização oculta real perfil político dos eleitores

Valor Econômico

As pesquisas mostram que há um vasto contingente de eleitores que se afastam dos extremos, enquanto os políticos têm voltado sua atenção às redes sociais, onde se digladiam as franjas mais radicais

A polarização envenenou o ambiente político e aparentemente dividiu o país em duas posições radicalmente opostas, as do bolsonarismo e as do petismo. Duas pesquisas recém-divulgadas, no entanto, mostram a artificialidade desse reducionismo. Os levantamentos A Cara da Democracia (O Globo, 20 de julho) e Datafolha com evangélicos (Folha, 21 de julho) revelam que as bases do PT não são tão “progressistas” quanto o discurso de seus líderes aparenta ser. Da mesma forma, há mais nuances e flexibilidade de posições nas bases bolsonaristas do que o radicalismo do clã Bolsonaro deixa entrever. As redes sociais exprimem o pensamento da parcela mais engajada e intolerante ao diálogo de ambos os lados. As pesquisas indicam que há vida fora dessa atmosfera viciada.

Descriminalização das drogas e armas de fogo são exemplos típicos que colocam o PT e a oposição bolsonarista em campos opostos. A Cara da Democracia mostra que não é bem assim. São contra a postura mais branda em relação às drogas 68% dos partidários de Lula, ou seja, dois em cada três pesquisados desse espectro político. No caso dos bolsonaristas, 82% são contrários. Mais surpreendente, a maioria dos eleitores do PT (57%) não quer que seja proibida a venda de armas, fatia só um pouco menor do que os 63% dos eleitores de Bolsonaro. Os evangélicos, tidos como alinhados indistintamente aos bolsonaristas, são contra a posse de armas de fogo - 66% disseram isso ao Datafolha no final de junho.

A redução da maioridade penal é um anátema para liberais e progressistas brasileiros em geral. Projetos nesse sentido nunca prosperam no Legislativo. Mas dois terços dos eleitores do PT (67%) a defendem, assim como 79% dos de Bolsonaro. E, embora estes últimos apoiem a instituição da pena de morte no país (55%), uma parcela expressiva dos que votam no PT também concorda com isso - nada menos de 42%. Metade dos que votam no PT são contrários a que os detentos possam sair em datas especiais para visitar familiares (a “saidinha”). Projeto nesse sentido foi aprovado pelo Congresso, e o presidente Lula pensou em vetar o trecho. Mas 50% de seus partidários apoiam a proibição, bem como 56% dos eleitores de Bolsonaro.

Outras questões parecem ter criado uma muralha separando os dois campos políticos. A realidade é diferente das aparências. Mais de dois terços (69%) dos eleitores do PT e 82% dos de Bolsonaro fazem coro contrário à legalização do aborto. Nenhum dos dois lados, entretanto, estende sua convicção a ponto de defender a prisão de mulheres que interrompam a gravidez, como consta de projeto que teve sua urgência aprovada para votação na Câmara dos Deputados e depois, diante da imediata reação de repúdio geral a seu conteúdo, deixou o recinto - espera-se que para sempre. Ainda assim, 36% dos petistas e 47% dos bolsonaristas veem com bons olhos a detenção de mulheres que fazem aborto. Além disso, 43% dos eleitores do PT não apoiam o casamento civil de pessoas do mesmo sexo, ao lado de 65% dos eleitores de Bolsonaro.

A Cara da Democracia mostra, assim, que o lado conservador do maior partido de esquerda brasileiro é amplo e maior do que se supunha, o que torna bastante relativa a eficácia da estratégia de demonizar Bolsonaro por várias de suas ideias. De forma ampla, a pesquisa mostra que as convicções inabaláveis que se defrontam nas redes sociais não são tão sólidas assim. E desmancham-se um pouco mais se for considerado o papel dos evangélicos na arena política.

O Datafolha ouviu 613 deles no fim de junho, a maioria (69%) pentecostais e neopentecostais. A ação partidária de líderes de algumas dessas igrejas cobriu os evangélicos com o manto indistinto do reacionarismo bolsonarista. A pesquisa deu voz aos evangélicos e mostrou que não é bem assim. Na maioria (56%), eles não gostam que suas igrejas apoiem candidatos e 70% deles acham que os pastores não deveriam dizer em quem os fiéis devem votar. Mais, 81% afirmaram nunca ter votado em candidatos sugeridos por pastores de suas igrejas. Além de serem contra a posse de armas, uma bandeira bolsonarista, se colocam em peso (77%) contra o homeschooling (educação domiciliar pelos pais), outra patacoada pregada pela extrema-direita. São contra o aborto, contra que ele deixe de ser crime, mas contra a prisão de quem o faz. São esmagadoramente (86%) a favor de acolher gays e pessoas trans nas igrejas. Além disso, 55% acham que política e religião não devem andar juntas e só 30% citaram nome de políticos que mais representam os evangélicos. Destes, 10% citaram Bolsonaro e 1% Lula; 43% disseram não saber.

As pesquisas mostram que há um vasto contingente de eleitores que se afastam dos extremos, enquanto os políticos têm voltado sua atenção às redes sociais, onde se digladiam as franjas mais radicais. Seria importante, em especial em épocas de eleição, que os candidatos discutissem a sério propostas que atinjam a maioria da população, como educação, segurança e saúde, e deixassem de lado guerras ideológicas estéreis que, como sugerem as pesquisas, têm menos guerreiros do que aparentam.

Privatização da Sabesp é passo no rumo certo

Folha de S. Paulo

Apesar de críticas sobre falta de competição e valor de venda, processo é exemplo para universalizar saneamento no país

A privatização da Sabesp, maior companhia de saneamento do país, é um passo fundamental, e pode-se dizer histórico, rumo ao cumprimento das metas de universalização na cobertura de fornecimento de água e esgoto no Brasil.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) não cedeu aos argumentos de que perderia poder político e receita ao reduzir a participação do estado de São Paulo na companhia, de 50,3% para 18%.

Agora, sem as amarras da burocracia e do clientelismo, ineficiências que são a marca das estatais, a Sabesp ganha musculatura para elevar a produtividade e os investimentos.

Além de estabelecer o fundamental compromisso de universalizar o serviço básico de água e esgoto até 2029 e estimar investimentos da ordem de R$ 69 bilhões, o processo de privatização conta com incentivo financeiro para o concessionário caso a universalização seja atingida em cinco anos.

Mesmo acertando com a privatização e o objetivo social principal de universalizar o serviço, o governo gerou dúvidas —talvez desnecessárias— se fez o melhor negócio ao contar com um só preponente, num processo sem competição.

A Equatorial arrematou seus 15% de participação com envelope único e pagou R$ 67 por ação, enquanto no dia da proposta a cotação era R$ 76 —um deságio de 12%, portanto. Nesta quinta (25), a ação da Sabesp fechou a R$ 86,72.

Houve ainda quem questionasse a capacidade operacional da Equatorial. A empresa é conhecida por sua trajetória ascendente no setor elétrico, onde se especializou em recuperar distribuidoras com problemas. Sua experiência com água e esgoto se resume a uma atuação no pequeno sistema do Amapá.

Será preciso dar tempo para que a cultura do setor privado, que a Equatorial domina, possa se associar ao conhecimento do corpo técnico da ex-estatal.

Na mira dos consumidores, o valor da tarifa também será item de destaque. O governador afirmou que ela continuará subindo, mas que o aumento tende a ser menor.

Esse seria o principal legado da reestruturação que acompanha a desestatização e abre espaço para se fazer mais com menos. Será dever dos órgãos que regulam a prestação dos serviços e o mercado de capitais acompanhar a evolução da nova Sabesp.

Apesar de demagogos pregarem que privatização é entreguismo do bem público à ganância privada, a realidade é que o sistema estatal —incapaz de investir— é o único responsável pelas escandalosas cifras de 100 milhões de brasileiros sem esgoto e 35 milhões sem água.

A privatização é o caminho para resolver a principal mazela social do Brasil.

A saúde mental dos PMs

Folha de S. Paulo

Mais agentes morrem por suicídio do que em confronto; urge apoio psicológico

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram o desmazelo com o trabalho das forças de segurança no Brasil. Em 2023, o número de policiais militares que se mataram (110) foi maior do que o de vitimados em confronto, seja em serviço (46) ou fora dele (61).

Tal discrepância expõe a falta de apoio psicológico nas corporações e o efeito da precária capacitação profissional que, ao estimular a brutalidade em ações policiais, pode gerar impactos severos na saúde mental dos agentes.

A taxa de crimes violentos letais e intencionais contra policiais civis e militares caiu 18,1% em 2023, já a de suicídio nesse estrato que está na ativa subiu 26,2%.

Os dois maiores efetivos da PM do país registraram alta significativa de suicídios: Rio de Janeiro com 116,7% (de 5 para 13) e São Paulo, com 80% (de 19 para 31 casos). Neste último, o número de 2023 é o maior da série histórica, iniciada em 2017. Foram 21 PMs mortos em confronto e 31 que tiraram a própria vida no ano passado, ante 45 e 15 em 2017, respectivamente.

Mesmo considerando que o suicídio é um fenômeno complexo, o trabalho focado em operações com alta letalidade e a cultura que enaltece a figura do policial como herói são fatores que devem ser considerados, segundo especialistas.

O tema não pode ser um tabu nas corporações. A PM de Minas Gerais, por exemplo, não computava até o ano passado o suicídio de policiais. Transparência e a qualidade dos dados são fundamentais para enfrentar o problema.

O programa Escuta Susp (Sistema Único de Segurança Pública), lançado em maio pelo governo federal e voltado ao atendimento psicológico online dos agentes, precisa ser ampliado e articulado com corporações em todo o país.

É importante, ademais, que seja feito um diagnóstico das causas do problema, para que o poder público atue de modo preventivo. Atendimento presencial, grupos de apoio internos e protocolos de cuidado após situações de estresse também são necessários.

Qualquer política de segurança pública, por óbvio, deve incluir a atenção à saúde dos agentes responsáveis por promovê-la.

O ressentimento da indústria

O Estado de S. Paulo

A indústria reclama por não ter um Plano Safra como o agro, mas empréstimos subsidiados e benefícios fiscais garantem a sobrevivência do setor há anos, com modesto reflexo no PIB

A indústria brasileira se ressente de uma alegada falta de atenção do poder público para com o setor. Para os industriais, os juros elevados praticados na economia brasileira elevam o custo de produção e impedem suas empresas de competir de igual para igual com companhias estrangeiras, que financiam suas atividades a taxas muito mais baixas.

A solução, para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, é criar uma política de crédito barato nos mesmos moldes do Plano Safra. Ao participar do Fórum Estadão Think – A Indústria no Brasil Hoje e Amanhã, ele disse que o desempenho do agro merece ser aplaudido, mas ponderou que o setor conta com o Plano Safra, que oferece crédito subsidiado para os produtores.

Essa comparação é útil para saber o que exatamente a indústria espera do governo. Para a safra 2024/2025, o governo Lula da Silva anunciou o valor recorde de R$ 475,56 bilhões, alta de 9% em relação ao ciclo de produção anterior. Desse total, R$ 400,58 bilhões serão para os grandes produtores e R$ 74,98 bilhões para a agricultura familiar.

A participação direta do governo no Plano Safra se dá via subvenção, valor que o Tesouro Nacional arcará com o custo de equalização dos juros desses empréstimos. Nesta safra, o subsídio subirá 19,8% ante o ciclo anterior, para R$ 16,3 bilhões. A depender da evolução da taxa de juros ao longo dos meses, o dinheiro pode acabar antes do encerramento da safra.

Nesses casos, o governo precisa elevar o valor da subvenção para que a contratação de novas operações pelas instituições financeiras não seja suspensa. Na maioria das vezes, isso requer o envio de um pedido de crédito suplementar pelo governo ao Congresso Nacional, o que garante transparência ao custo do benefício.

A forma como o presidente da Fiesp se referiu ao Plano Safra pode levar a entendimentos equivocados, como se a indústria jamais tivesse sido contemplada com financiamentos subsidiados, o que está longe de ser verdade. Basta lembrar que, entre 2009 e 2014, o setor foi um dos principais beneficiários do Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

O PSI foi o principal veículo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para induzir o crescimento após a crise financeira mundial de 2008. Para isso, a instituição recebeu mais de R$ 400 bilhões do Tesouro para financiar os chamados “campeões nacionais”.

Em subsídios implícitos, isto é, com a diferença entre o custo de captação do Tesouro e o custo contratual dos empréstimos concedidos pelo BNDES, o PSI custou nada menos que R$ 181 bilhões. Mas em subsídios explícitos, ou seja, com a equalização dos juros, o que permitiria alguma base de comparação com o Plano Safra, o programa custou outros R$ 76 bilhões.

Não foi a única ajuda que o governo deu à indústria em todos esses anos. O setor é também um dos principais beneficiários de subsídios tributários concedidos pela União, estes espalhados em variados programas e iniciativas incorporadas ao Orçamento e que já não precisam de aprovação do Congresso. A Zona Franca de Manaus, sozinha, recebeu R$ 26,5 bilhões em subvenções, enquanto o setor automotivo embolsou R$ 10,1 bilhões.

Ainda assim, a participação do setor industrial no Produto Interno Bruto (PIB) caiu vertiginosamente nos últimos anos, de 48% em 1985 para 25,5% em 2023, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Essa perda de relevância tem muitos motivos, mas não se pode atribuir o problema à falta de financiamentos ou de benefícios fiscais.

Embora seja uma das maiores economias do mundo, o Brasil ainda é um dos países mais fechados ao comércio exterior, sobretudo a indústria. Uma das maiores exceções é justamente o agronegócio, que, ao lado do petróleo e do minério de ferro, sustenta há anos o saldo positivo da balança comercial.

Em 2023, o PIB aumentou 2,9%, mas, enquanto o agronegócio cresceu 15,1%, a indústria registrou alta de apenas 1,6%. Essa diferença seria um bom motivo para defender a abertura comercial, mas a menção ao tema causaria calafrios na indústria e no governo, que preferem defender uma política de “neoindustrialização” que, de nova, só tem o nome.

Caleidoscópio evangélico

O Estado de S. Paulo

Nova pesquisa mostra que mundo evangélico é diverso e complexo, ao contrário do que sugerem muitos dos fundamentalistas que se apresentam como seus representantes na política

Mulher, negra, com renda familiar de até três salários mínimos e que frequenta templos pequenos: eis o perfil do evangélico paulistano, segundo pesquisa Datafolha recentemente realizada com 613 praticantes da religião que mais cresce no Brasil. O levantamento é a mais recente evidência de que o segmento evangélico é um universo rico, diverso e complexo, ao contrário do que sugerem muitos dos fundamentalistas que se apresentam como seus representantes no mundo político. Na prática, os templos evangélicos funcionam como um programa de diversidade e inclusão, no qual pessoas oprimidas ou marginalizadas encontram um espaço em que são aceitas e respeitadas.

De acordo com a pesquisa, 71% dos entrevistados vão a templos de pequeno porte, o que ajuda a explicar o crescimento da fé evangélica em regiões periféricas. Em bairros que nunca conheceram nem igrejas ricamente decoradas nem megatemplos que mais parecem casas de shows, o culto realizado em pequenos espaços, às vezes uma sobreloja ou até mesmo a garagem improvisada de um vizinho, é onde uma camada da população sem acesso a quase nada finalmente encontrou espaço para ser ouvida e reconhecida.

A adaptação à realidade regional não se dá apenas na ocupação dos espaços físicos. Apenas 19% dos entrevistados mostraram simpatia pelo chamado homeschooling, isto é, a educação das crianças em casa, e não na escola – bandeira da direita evangélica norte-americana, importada aqui pelo bolsonarismo, que tem como objetivo proteger os filhos de uma suposta doutrinação esquerdista e pervertida nas escolas. A questão, que a pesquisa evidencia, é que a escola, no Brasil, não é apenas o lugar de aprendizado, é também o lugar onde as crianças de famílias pobres se alimentam – realidade que foi escancarada na recente pandemia de covid-19. Na hierarquia das famílias evangélicas, ao que parece, alimentar os filhos é mais importante do que protegê-los de ameaças que só existem no discurso de pastores extremistas e dos políticos que exploram a fé alheia para angariar votos.

Outra pauta importante entre conservadores, a das armas, também não tem aderência entre os evangélicos. Só 28% apoiam que cidadãos tenham acesso a armas para se defender. Ao mesmo tempo que rejeitam o aborto, apenas três entre cada dez evangélicos concordam que mulheres que recorram ao método sejam processadas e presas, punição prevista num infame projeto de lei apresentado pela bancada que se diz evangélica no Congresso. E se 57% dos entrevistados são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma esmagadora maioria (86%) acredita que os templos devem estar abertos a homossexuais e transexuais.

Para o grupo entrevistado, líderes religiosos também não devem interferir em escolhas políticas. Expressivos 70% são contrários a que pastores indiquem em quem devem votar, enquanto 76% acreditam que a citação de políticos não deve ocorrer durante os cultos. E 33% rejeitam que religiosos ocupem cargos públicos.

A percepção de que o Brasil vem se tornando um país mais conservador, sobretudo graças ao crescimento dos evangélicos, é muitas vezes acompanhada da visão, sem qualquer embasamento, de que os evangélicos são um grupo monolítico, que docilmente se deixa conduzir por líderes reacionários que pugnam pela redução de direitos de minorias.

O teste de realidade, porém, já fez com que expoentes do conservadorismo político recuassem. Depois da reação negativa da sociedade em relação ao projeto da bancada evangélica que trataria como assassinas as mulheres estupradas que abortam, com penas superiores às impostas aos estupradores, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, expoente do evangelismo bolsonarista, apressou-se a se dizer contrária.

Aos que têm a pretensão de cabalar votos entre eleitores que se declaram evangélicos, portanto, a primeira lição que a pesquisa mostra é que esses cidadãos são, como o resto da sociedade, indivíduos com aspirações comuns a todos – querem trabalhar, viver com dignidade e ter paz. Tendo a Bíblia como referência e o templo como sua comunidade, querem apenas respeito por suas crenças e por seus receios.

Na trincheira do atraso

O Estado de S. Paulo

Disputa entre Câmara e Senado sobre mercado regulado de carbono é jogo de perde-perde

A batalha entre a Câmara dos Deputados e o Senado que emperra a criação do mercado regulado de crédito de carbono presta um desserviço ao País ao adiar indefinidamente a criação de um sistema que já deveria estar em funcionamento ou, ao menos, em desenvolvimento. Se há, de fato, fundamento no interesse do Brasil em liderar o esforço mundial de transição energética, é surreal, para dizer o mínimo, a disputa política nas duas Casas Legislativas em torno da paternidade do projeto que vai determinar as bases do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SBCE).

A situação inusitada foi revelada em recente reportagem do Estadão, que enfatizou os atrasos recorrentes. Foram frustradas as tentativas de aprovação antes das Cúpulas do Clima (COPs) da ONU no Egito, em 2022, e em Dubai, em 2023. A aprovação antes da COP-29, que acontecerá em novembro em Baku, no Azerbaijão, é incerta, e conforme se aproxima a COP-30, que será sediada no Brasil, a demora começa a ganhar contornos de vexame, ainda mais diante da previsão de que, depois da aprovação, a implantação do SBCE seja concluída em fases ao longo de seis anos.

Em questão de tamanha importância, como a do combate às mudanças climáticas, é lamentável que decisões essencialmente técnico-científicas sejam obstruídas por meros – e questionáveis – objetivos políticos. Como mostrou a reportagem, o Senado pretende votar, em meados de agosto, o PL 412/22, aprovado pelos senadores em outubro de 2023, um texto mais sucinto do que o votado e aprovado na Câmara (PL 2148/15) dois meses depois. Ocorre que o relator do projeto na Câmara, deputado Aliel Machado (PV-PR), aproveitou apenas parte do PL 412, enviado pelo Senado e juntou o conteúdo do PL 2148, que já tramitava na Câmara.

O que já estava confuso virou uma barafunda com os rumores de que o plenário do Senado, para onde o projeto retornará após as mudanças, vai retomar o texto que enviou à Câmara. Já começa a ser especulada a judicialização da questão – o que poderia ter sido evitado, por certo, se o Executivo, a quem caberia prioritariamente a condução de projetos para orientar a transição energética, tivesse tomado a dianteira enviando um projeto próprio ao Legislativo, ao invés de pegar carona no texto do Senado.

Quando assinou o Acordo de Paris, durante a COP-21, em 2015, o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025; depois ampliou a redução para 50% em 2030 e comprometeu-se com a neutralidade até 2050. A venda de créditos de carbono excedentes de empresas e governos contribui para o cumprimento das metas de redução de poluentes no mundo. Naquele mesmo ano, foi apresentado o PL 2148/15 na Câmara para criar a base do mercado regulado, em que governos decidem as metas de emissões. Sem uma legislação própria até hoje, as empresas brasileiras participam apenas do mercado voluntário, no qual as metas são definidas entre empresas.

É notória a vantagem do Brasil, com sua matriz energética essencialmente limpa, na corrida mundial pela descarbonização. Somente a incompetência nos impedirá de aproveitar essa chance.

Jogos Olímpicos em números

Correio Braziliense

Dadas as devidas proporções de investimento, custo, profissionalismo, treinamento e experiência, digamos que o Brasil resiste, bravamente

Hoje, às 14h30 (horário de Brasília), será a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, embora desde quarta-feira atletas do futebol, rúgbi, handebol e tiro com arco já tenham iniciado suas respectivas competições. Neste ano, os franceses resolveram inovar: ao contrário da tradicional apresentação das delegações, geralmente em campos de futebol, desta vez a festa será transferida para a água. Os atletas desfilarão em barcos pelo Rio Sena para receber o grande público.

Os números do evento continuam enormes. A tocha olímpica será carregada, até o fim da jornada, por 10 mil esportistas. Serão 32 esportes, disputados por 14 mil atletas. Entre as novidades desses jogos, estão a canoagem slalom extremo e o breaking — este último aguardado por muitos, talvez pela mistura de arte com esporte. Na competição, serão 32 dançarinos se apresentando, entre homens e mulheres.

Aliás, esta talvez seja a edição com mais equidade de gênero entre todas elas. Das 32 modalidades esportivas, 28 incluirão homens e mulheres. O caminho ainda está sendo traçado, é verdade, mas 152 competições terão a participação delas, 157, deles e 20 contarão com ambos os sexos nas provas.

A Vila Olímpica é uma história à parte. São 82 prédios, 3 mil apartamentos e 7,2 mil quartos para abrigar os heróis do esporte, que terão que conviver com os 40ºC registrados no verão europeu sem ar-condicionado. A França pretende dar show em termos de sustentabilidade, priorizando as fachadas dos prédios para que não recebam muito sol, além de um sistema de águas subterrâneas naturalmente frias para ajudar na redução do calor.

Além das altas temperaturas, os 274 brasileiros que participarão dos Jogos de Paris 2024 terão que enfrentar adversários duríssimos e, segundo os analistas esportivos, há poucas chances de medalhas de ouro: apenas cinco, quem sabe até sete, igualando o feito dos jogos do Rio de Janeiro, em 2016, e de Tóquio, em 2020. Alguns até jogam para mais, apostando em nove ouros. Já no número total de medalhas, os especialistas são mais generosos: 21 ou 22. Mas, infelizmente, não teremos representante brasileiro para disputar o breaking — nenhum atleta conseguiu vaga nas disputas pré-olímpicas.

A bem da verdade, dadas as devidas proporções de investimento, custo, profissionalismo, treinamento e experiência, digamos que o Brasil resiste, bravamente. Falta muito ainda para que o esporte, assim como a saúde e a educação, seja tratado de forma digna no país, com leis de incentivo às modalidades esportivas, com projetos que privilegiem bolsas de estudo e moradia para futuros atletas.

A boa notícia destes Jogos Olímpicos é que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) aumentou em 40%, em relação aos Jogos de Tóquio, há quatro anos, os valores das premiações para atletas vencedores. Medalhistas de ouro (R$ 350 mil), de prata (R$ 210 mil) e de bronze (R$ 140 mil), além de modalidades em grupo com dois a seis atletas (R$ 700 mil) e acima de seis (R$ 1 milhão) receberão prêmio maior. O que resta é torcer. Que brilhem nossos brasileiros! 

 

 

Um comentário:

marcos disse...

"Como explicar que o Brasil permaneça no mapa da ONU tendo ampliado gastos com pobres desde a pandemia?"

Fácil! Quem os colocou lá - 30 milhões - por óbvio não saberá tira-los. Gastar dinheiro eles sabem.

MAM