O Estado de S. Paulo
A questão das dívidas dos Estados, da
desoneração e das emendas só reforça a percepção de que o Congresso perdeu a
mão nas questões fiscais
A capacidade do Congresso de gerar pautas
prejudiciais à dinâmica das contas públicas é espantosa, notadamente em meio ao
desafio de recuperação das condições de sustentabilidade da dívida pública.
Está na ordem do dia um projeto que promove verdadeiro calote nas dívidas dos Estados com a União. Na prática, os juros reais seriam reduzidos a zero, tendo como contrapartida a expansão de gastos públicos e a dívida bruta total. Na Warren, estimamos que esse projeto poderia elevar em quase 2,5 pontos porcentuais do PIB as projeções de dívida pública em dez anos.
Em uma segunda frente, a novela da chamada
desoneração da folha de pagamentos continua sem solução. O governo havia
proposto uma medida de compensação via majoração da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL). Se as medidas compensatórias apresentadas pelo Senado não
fossem suficientes para dar conta da fatura, então a CSLL seria majorada para
fazer o serviço. A proposta foi mal recebida e nada veio em seu lugar, a não
ser fumaça pura.
A saber, a desoneração da folha deveria se
encerrar neste ano. Desrespeitando os preceitos constitucionais da
sustentabilidade fiscal e o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), que obriga à explicitação dos custos de medidas com
impacto fiscal, como no caso em tela, o Congresso derrubou o veto presidencial
à lei que prorroga a desoneração e espetou o boleto no Tesouro. Pague-se.
O Executivo acionou o Supremo Tribunal
Federal (STF). Dentro de uma tentativa de acordo, o STF estipulou prazo para as
contas serem apresentadas, acompanhadas das devidas compensações. Quem deve
explicações e precisa se mexer para apresentar tais medidas é o Congresso, dado
que todas as ações sugeridas pelo Ministério da Fazenda foram refugadas. No meu
entendimento, a desoneração da folha teria de ser revertida retroativamente a
janeiro de 2024, caso não sejam apresentadas medidas à altura, o que não ocorreu
até o momento.
Uma terceira frente preocupante, no
Congresso, está nas emendas parlamentares. Agora, tenta-se emplacar a
impositividade geral para o naco de cerca de R$ 50 bilhões em recursos públicos
destinados às emendas parlamentares. Não bastasse a impositividade aprovada
para emendas individuais e de bancada, enquanto os investimentos sucumbem,
espremidos cada vez mais no exíguo orçamento discricionário, querem mais.
Pretende-se um carimbo geral, em resposta à correta atuação do ministro do STF
Flávio Dino nas chamadas “emendas Pix”.
Para ter claro, o ministro Flávio Dino
suspendeu as emendas individuais na modalidade de transferência especial,
conhecidas como “emendas Pix”, determinando a devida fiscalização. O dinheiro
sai de Brasília direto para os municípios sem qualquer controle. Isso para
falar sobre o que é possível ver a olho nu. A verdade é que o Executivo precisa
liderar uma proposta de reforma orçamentária, a partir de uma ampla alteração
da Lei n.º 4.320, a Lei Geral de Finanças Públicas, que data do governo João
Goulart (1964).
A questão das dívidas dos Estados, da
desoneração e das emendas só reforça a percepção de que o Congresso perdeu a
mão nas questões fiscais. Retrocedeu à idade da pedra lascada, quando deveria
pôr a mão na consciência e colaborar com o governo na tarefa hercúlea de
recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública, já próxima dos
80% do PIB novamente.
Nas três temáticas, a tônica é a mesma:
torrar dinheiro público sem indicar a fonte de recursos para a gastança, sem a
devida transparência e ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei
Complementar n.º 101, de 2000 – e a própria Constituição.
Os Estados têm direito de renegociar suas
dívidas, mas este é um assunto que, em primeiro lugar, deve ser tratado entre
credor e devedor. O lugar geométrico dessas discussões deveria ser o Conselho
de Gestão Fiscal, previsto na LRF, há 24 anos, mas nunca tirado do papel. Cada
Estado, no grupo dos maiores devedores, tem uma situação singular. Soluções
genéricas, que criam um passivo estapafúrdio para o erário, deveriam ser
abortadas no nascedouro.
A desoneração da folha, por sua vez, precisa
ser tratada à luz dos estudos técnicos disponíveis. Não há um especialista que
tenha avaliado o tema para concluir ser positiva a medida. Ela não tem o condão
de gerar emprego e renda, como se apregoa. Gera, ao contrário, custos
altíssimos e, pior, sem compensação, porque o Congresso não quer ferir
susceptibilidades de grupos de interesse. Ora, vão desrespeitar a decisão do
Supremo?
Quanto às emendas parlamentares, a direção
proposta no Senado é a oposta da que se deveria engendrar após tantos desvarios
nessa matéria. É necessário um freio de arrumação, um limite. O rigor na
fiscalização e no controle deve ser máximo. A prioridade tem de ser o
investimento em infraestrutura, sob critérios regionais e sociais, e não
dinheiro voando para lá e para cá, pulverizado em emendas desligadas dos
objetivos nacionais.
A Fazenda, daqui a pouco, não vai mais
conseguir andar, tamanho o peso da bola de ferro que o Congresso está amarrando
no seu pé.
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