O Globo
A direita virou um satélite de extremistas, a
elite não encontrou o rumo da atualidade, isso coloca em risco o projeto de
país
A direita dividiu-se nessa eleição com conflitos de fazer sombra à sempre dividida esquerda. Jair Bolsonaro em cima de um palanque berrou duas vezes que Ronaldo Caiado é um governador covarde. O sócio de Pablo Marçal deu um soco no publicitário de Ricardo Nunes. Os 20% dos eleitores paulistanos que se dizem bolsonaristas entregam 48% de intenção de votos a Marçal e 39% a Nunes, segundo o último Datafolha. A Faria Lima, que administra o dinheiro poupado da classe média e dos ricos, se inclina por um candidato que não tem uma única ideia de como administrar a maior cidade do país. Um empresário dono de startup de educação para gestores diz que mulher não pode ser CEO. O agro tecnológico nada faz para se separar da lavoura arcaica. Vivem juntos.
Os fatos listados aqui parecem sem conexão,
mas mostram a devastação que é a elite brasileira, e o resultado do processo
político recente que transformou a direita em satélite da extrema direita
antidemocrática e contra a ciência. Ronaldo Caiado é médico, foi a favor da
vacina e das medidas protetivas. O xingamento de Bolsonaro foi por esse acerto.
O evento revela que mesmo sobre 700 mil mortos, o ex-presidente continua contra
a proteção da vida de brasileiros. Nada o demove do seu obscurantismo. Os Caiados
têm poder em Goiás desde o começo da República, mas Ronaldo Caiado surgiu como
líder do ruralismo de direita no período pós-ditadura. Propunha-se a defender
suas ideias sobre o agronegócio dentro da democracia. Contudo ele esteve no
palanque da Paulista, no último 25 de fevereiro, bajulando Bolsonaro numa
manifestação de defesa do golpismo e dos golpistas.
No mesmo palanque onde se cultuou Bolsonaro
como líder maior estava o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, que tem sido apresentado como bolsonarista democrático,
como se essas categorias fossem conciliáveis. Estava também o prefeito Ricardo
Nunes que, nos últimos dias, teve que abjurar a vacinação obrigatória contra
Covid, que ele um dia apoiou por causa de Bruno Covas. O neto do grande
democrata Mário Covas fez seu papel de líder contra a Covid. Mesmo sendo
imunossuprimido, Bruno circulava por hospitais, lutando pessoalmente contra o
vírus mortal. É esse legado que Nunes trai para tentar conquistar votos da extrema
direita, que prefere Pablo Marçal.
Um acionista de um grande banco me perguntou:
como é possível que a Faria Lima se encante por uma pessoa como Pablo Marçal?
As escolhas políticas dos operadores de mercado financeiro não os recomendam
como gestores do dinheiro alheio, por falta absoluta de visão estratégica.
Pense numa cidade de 11 milhões de habitantes sendo administrada por um misto
de arruaceiro, curandeiro, farsante, com propostas como fazer teleféricos em
áreas planas e mandar os homens para a reciclagem.
Também não se recomenda um curso da G4
Educação. A startup foi fundada por Tallis Gomes e três sócios. A empresa
treina gestores para os desafios do mundo atual. Ele ficou
famoso por dizer “Deus me livre de mulher CEO” e sustentar que mulher gestora
passa por um processo de “masculinização” e deixa o lar em “quarto plano”. Tallis
tem 37 anos e carrega ideias medievais sobre a mulher, mas é professor de
gestores. Foi afastado, porém permanece sócio de uma empresa que quer educar o
mundo corporativo.
O país foi incendiado por criminosos. Em São
Paulo, foram atacadas usinas de cana- de- açúcar. O agronegócio foi atingido
diretamente. Na Amazônia, os incêndios são provocados para que depois da queima
da floresta sejam feitos pastos para a pecuária. Aguarda-se ansiosamente que o
agronegócio, que se diz bom, moderno e tecnológico, rompa publicamente com toda
a cadeia de produção sustentada pelo crime. É possível fazer a rastreabilidade
da produção brasileira e limpá-la do crime ambiental. Passa por mudar a pauta
da bancada ruralista. Quem vai começar a ruptura? O primeiro bônus será o
acordo com a União Europeia.
Uma democracia precisa de forças políticas de
direita, esquerda, centro. Todas comprometidas com os valores institucionais da
democracia. O progresso econômico exige gestores e empresários com visão de
futuro e capazes de enfrentar desafios climáticos e de inclusão num país
desigual. Com a direita capturada pelo autoritarismo, e a elite econômica
subserviente ao atraso, o nosso projeto de potência ambiental, inclusiva e
democrática fica mais distante.
Um comentário:
Correto.
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