O Globo
É sintomático que a ficha tenha caído agora,
após pressão de bancos e gigantes do varejo
O governo acordou tarde para o desastre
causado pela jogatina eletrônica. Nos últimos dias, os ministros da Fazenda, da
Saúde e do Desenvolvimento Social se mostraram alarmados com o problema. De
Nova York, o presidente Lula prometeu se mexer. “Senão, daqui a pouco a gente
vai ter cassinos funcionando dentro da cozinha de cada casa”, justificou.
Na terça-feira, o Banco Central informou que 24 milhões de brasileiros fizeram apostas online de janeiro a agosto. Empresas do setor receberam entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões por mês, mais de dez vezes o que foi arrecadado pelas loterias tradicionais.
O dinheiro sugado pela jogatina passou a
faltar no orçamento das famílias. Segundo a Confederação Nacional do Comércio,
as apostas produziram 1,3 milhão de inadimplentes no primeiro semestre. O BC
estima que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família tenham destinado R$ 3
bilhões ao jogo. O levantamento tem fragilidades, mas ajuda a dimensionar o
estrago nas finanças dos brasileiros mais pobres.
A publicidade vende as chamadas bet como uma
espécie de elevador social. Celebridades sorridentes endossam a promessa de
enriquecimento fácil. Ditos influenciadores divulgam o jogo como uma diversão
inofensiva, ao alcance do clique no celular. Por recomendação do Conar, os
anúncios passaram a terminar com advertências como “jogue com
responsabilidade”. Uma medida inócua, que mostra a urgência de regras para
restringir ou banir a propaganda do setor.
Além de arruinar adultos, a jogatina começa a
prejudicar crianças e adolescentes. Em junho, o Ministério Público de São Paulo
cobrou medidas da Meta, dona do Facebook e do Instagram, para barrar a
publicidade dirigida ao público infantil. A consequência já é vista nas
escolas, invadidas pelo jogo do tigrinho e afins.
A única coisa surpreendente na crise é a
surpresa das autoridades. O estrago estava contratado desde 2018, quando Michel
Temer sancionou a liberação das apostas esportivas no último mês de mandato. A
lei previa regulamentação em dois anos, prorrogáveis pelo mesmo período. O
prazo coincidiu com o governo de Jair Bolsonaro, que cruzou os braços e deixou
o setor faturar sem controle.
No fim de 2023, o Congresso aprovou uma
regulação frouxa, em votações comandadas pelo Centrão e apoiadas pelo Planalto.
Nesta quarta a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, esboçou uma autocrítica à
Folha de S.Paulo. “Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre a
população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno”,
penitenciou-se.
Lula entregou o assunto ao Ministério da
Fazenda, que viu na febre das bets uma oportunidade para aumentar a
arrecadação. Não fazia sentido deixar o setor livre de impostos, mas a
realidade mostrou que o problema era muito maior.
Na sexta, o ministro Fernando Haddad disse
que “está na hora de botar ordem no caos”. Em outra frente, a Polícia Federal
anunciou uma investigação para apurar a ligação de casas de apostas com
esquemas de lavagem de dinheiro do crime organizado.
É sintomático que a ficha do governo tenha
caído agora, depois da pressão de banqueiros e grandes empresários do varejo. A
turma está preocupada com a perda de receitas para a jogatina. “Não podemos
pagar para ver”, resumiu o presidente da Febraban, Isaac Sidney.
Um comentário:
Pois é,a jogatina venceu!
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