CartaCapital
Pela primeira vez, desde 1985, desenha-se uma hegemonia conservadora nas capitais
Nos últimos anos, o crescimento dos partidos
de direita tem chamado a atenção de quem acompanha a política brasileira. O
ponto de inflexão encontra-se, sem margem para dúvida, na eleição de Bolsonaro em
2018 e nas transformações pelas quais passou o sistema partidário nacional, com
destaque para a perda de espaço dos partidos situados ao centro e para a crise
do PSDB.
O crescimento de uma multifacetada direita,
englobando desde partidos que pretendem posicionar-se de maneira mais cêntrica,
como o PSD, até aqueles que servem de abrigo a posições extremistas, como o PL,
pode ser notado em todas as esferas de poder no País.
É evidente o declínio dos partidos
progressistas e ditos de centro
No Congresso, a direita controla mais de 60% das cadeiras nas duas casas legislativas, o que não acontecia desde a eleição de 1982. Em 2018 e 2022, elegeu 12 e 13 governadores, respectivamente, em agudo contraste com o fraco desempenho nas demais eleições deste século, quando oscilou entre dois e cinco eleitos. Por fim, em um cálculo que considera apenas os maiores partidos, que tenham conquistado ao menos cem prefeituras a cada eleição, a direita passou de 39%, em 2016, para 56% dos prefeitos eleitos, em 2020.
Neste artigo, exploro o quadro nas capitais. O primeiro gráfico permite iniciar a discussão apresentando o desempenho dos partidos de esquerda (PSOL, PCdoB, PT, PSB, PDT e Rede), de centro (MDB, PSDB, Cidadania, PV, PMN e Avante) e direita (PSD, PDS/PP, Republicanos, PL, PFL/DEM/PSL/União, PTB, Podemos, PHS, PTC e PDC) nas eleições para as capitais entre 1985 e 2020. O gráfico revela um cenário competitivo, no qual o desempenho dos diferentes campos apresenta oscilações expressivas. Os partidos de esquerda crescem até 2004, quando foram 15 as vitórias. A partir daí o desempenho cai, em que pese o repique em 2012, até chegar a apenas cinco capitais em 2020. A curva segue a trajetória do PT, que em 2004 elegera nove dos 27 prefeitos e em 2020 não conquistou nenhuma das capitais.
Os partidos de centro apresentam uma trajetória mais regular, se descontadas as
duas primeiras eleições, que transcorrem sob o impacto do sucesso do então PMDB
na transição democrática (1985) e do fracasso do governo Sarney (1988). Desde
então, MDB e PSDB possuem desempenho semelhante – a baixa performance do MDB
(apenas duas prefeituras) explica a queda em 2012, ao passo que o PSDB, com
sete vitórias, é o principal responsável pelo pico de 2016.
Os partidos de direita alternam bons e maus
desempenhos nas eleições do século passado, têm seu pior momento em 2004, mas
depois dão início a uma recuperação, lenta em princípio, mas acentuada na
passagem de 2016 para 2020.
O que mais interessa neste momento é saber se esse crescimento da direita vai manter-se em 2024. Os indícios disponíveis indicam que essa possibilidade existe. Para explorar a questão serão utilizadas as pesquisas realizadas pela Quaest, divulgadas entre os dias 9 e 17 deste mês. O gráfico dos partidos resume o quadro, mostrando as legendas com chances de vitória nas diversas capitais. Para cada agremiação listada na coluna, os dados distinguem entre situações nas quais é certa, ou quase, a vitória no primeiro turno e aquelas onde existe a possibilidade de estar no segundo.
Indiscutivelmente, a situação é muito favorável à direita, com União, PSD e PL
a comandar o bloco. O primeiro destaca-se com vitórias praticamente asseguradas
em Salvador e Porto Velho e poderá ter até nove participações no segundo turno.
O PSD deve vencer no primeiro turno no Rio de Janeiro e em São Luís, e tem
chance de estar em mais quatro disputas no segundo. O PL deve vencer em Maceió
e poderá manter-se na disputa em outras sete capitais.
Ao centro, o MDB deve vencer no primeiro
turno em duas capitais politicamente menos expressivas – Macapá e Boa Vista – e
chegará ao segundo turno como favorito, segundo projeções nas pesquisas, em São
Paulo e Porto Alegre, além de disputar em Belém e Rio Branco. O PSDB deverá
estar no segundo turno em Campo Grande, com uma vice do PL, diga-se de
passagem, e tem chances, ainda que menores, de manter-se na disputa em
Florianópolis.
Entre os partidos de esquerda, apenas o PSB
tem vitória praticamente assegurada, no Recife. O partido tem ainda alguma
chance de chegar ao segundo turno em Curitiba. O PT poderá estar no segundo
turno em até seis capitais. Nos casos de Goiânia, Fortaleza e Teresina, o
partido disputa a liderança, e em Porto Alegre mantém-se em segundo lugar. Em
Natal e Cuiabá, as chances de sobreviver ao primeiro turno são menores. Em São
Paulo, são boas as chances de o PSOL enfrentar uma disputa muito difícil no
segundo turno. O partido tem ainda chances, muito reduzidas, em Belém e
Florianópolis. O PDT, por outro lado, enfrenta dificuldades para manter a
prefeitura de Fortaleza e corre o risco de ficar fora do segundo turno. A
situação é ainda pior em Aracaju.
São grandes as chances, tudo indica, de os
partidos de direita superarem o desempenho de 2020. Em sete capitais – Salvador
e Porto Velho (União), São Luís e Rio de Janeiro (PSD), Maceió (PL), Vitória
(Republicanos) e João Pessoa (PP) –, a eleição deverá resolver-se no primeiro
turno, havendo alguma margem para dúvida apenas nas duas últimas. Em Palmas,
Curitiba, Florianópolis, Aracaju e Natal, um partido de direita lidera a disputa
e encontra-se ao menos a 20 pontos de distância de adversários de centro ou
esquerda. Em Rio Branco, Campo Grande e Cuiabá, partidos de direita lideram as
pesquisas de intenção de voto, apesar de estarem a distâncias menores
relativamente a seus competidores. Em Belo Horizonte, os três primeiros
colocados nas pesquisas pertencem ao Republicanos, PSD ou PL. Em Teresina e
Goiânia, o União divide a liderança, em empate técnico, com o PT. Em Fortaleza,
PL e União disputam com PT e PDT a presença no segundo turno, enquanto em Belém
o PL deverá enfrentar o MDB.
Feitas as contas, em apenas cinco capitais
(Porto Alegre, Boa Vista, Recife, Macapá e Manaus) partidos de direita não
encabeçam chapas com chances de vitória nas prefeituras. Não obstante, nas duas
primeiras os candidatos do MDB, à frente nas pesquisas, tiveram seus vices
indicados por Bolsonaro. Em São Paulo, a presença de Marçal (PRTB) no segundo
turno torna-se cada vez menos provável, mas, de toda forma, a direita lá estará
representada pelo vice de Nunes (MDB), também apadrinhado pelo ex-presidente da
República. Finalmente, é possível ponderar que existem diferenciações no
interior da direita. No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) é apoiado pelo PT
e, em Belo Horizonte, o atual prefeito e segundo colocado nas pesquisas, Fuad
Noman, também do PSD, faz questão de enfatizar sua boa relação com o governo
Lula. O contraponto vem de Curitiba e Florianópolis, onde as chapas do PSD têm
o PL na vice.
A direita controla atualmente 60% das
cadeiras no Congresso
A se confirmarem os indícios aqui elencados,
pela primeira vez, desde 1985, os partidos de direita terão conquistado a
maioria das prefeituras das capitais. Se assim for, outra peça será
acrescentada ao cenário mais amplo de um sistema político-partidário
desbalanceado, adernando à direita e com setores truculentos e reacionários
dotados de expressiva influência. Basta uma rápida olhadela para a atuação do
Congresso, para saber que a notícia não é boa. A facilidade com que se negou
aos povos indígenas seu mais básico direito na aprovação do marco temporal, a
rapidez com que a Câmara aprovou a urgência de um projeto que nem sequer
percebia que a pena de um estuprador seria menor do que a de uma mulher
violentada que decidisse pelo aborto, ou ainda a desfaçatez da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara em priorizar a discussão de um projeto de
anistia aos golpistas de 8 de janeiro mostram até onde o País pode retroceder.
Partidos de esquerda, centro-esquerda e
setores progressistas das legendas de centro deveriam prestar mais atenção ao
que está acontecendo e buscar coordenar suas ações. Um bom começo seriam
conversas em torno de um programa comum em defesa da democracia e dos avanços
civilizatórios inscritos na Constituição. Tais conversas poderiam facilitar
acordos mais amplos para as próximas eleições, evitando a dispersão de forças
em um cenário claramente desfavorável.
*Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência
Política e professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da
UFMG. É pesquisador do Centro de Estudos Legislativos e da equipe do
Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da
Democratização da Comunicação (INCT IDDC).
Este artigo foi elaborado no âmbito
do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do
Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na
UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades
brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br.
Publicado na edição n° 1330 de CartaCapital,
em 02 de outubro de 2024.
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