sexta-feira, 11 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Cabe ao Congresso repelir pacote anti-Supremo

O Globo

Medidas absurdas almejam vingança contra Corte. Numa democracia, divergências se resolvem pelo diálogo

É descabido, além de flagrantemente inconstitucional, o pacote sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovado na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ ) da Câmara. A iniciativa, tomada três dias depois do primeiro turno das eleições municipais, inclui duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e dois Projetos de Lei, todos com o objetivo indisfarçável de reduzir o poder do STF.

Uma das PECs limita decisões individuais de ministros da Corte, com o intuito de impedir que um único magistrado suspenda leis ou atos dos presidentes da Câmara ou do Senado. A outra dá poder ao Parlamento para sustar decisões do Supremo “que extrapolem os limites constitucionais”. Trata-se de rematado absurdo. Juristas afirmam que o texto é inconstitucional, por atentar contra a independência dos Poderes. Ministros do STF dizem reservadamente que será derrubado em caso de questionamento na Justiça.

A CCJ aprovou também um Projeto de Lei que cria outros cinco crimes de responsabilidade para ministros do STF. Com isso, chegariam a dez as hipóteses para impeachment de integrantes da Corte. O texto impõe ainda que a mesa do Senado responda em até 15 dias a pedidos de impedimento (hoje não há prazo). Outro projeto dá ao plenário do Senado o poder de decidir sobre a abertura de processo, atualmente nas mãos do presidente.

É evidente que o avanço de propostas esdrúxulas na CCJ da Câmara é movido pelo sentimento de vingança contra o Supremo. A desconfiança em relação à Corte é partilhada por parcela significativa do Congresso, insatisfeita com decisões recentes dos ministros. A posição contrária ao marco temporal na demarcação de terras indígenas, a fixação de quantidades de droga para distinguir usuários e traficantes ou a defesa firme do aborto nas situações previstas em lei abriram cisões entre os Poderes. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, externaram várias vezes insatisfação com decisões do STF que, para eles, avançam sobre prerrogativas do Congresso.

Acrescente-se a isso a decisão do ministro Flávio Dino que exigiu mais transparência para liberar o pagamento de emendas parlamentares. Depois da aprovação do pacote na CCJ, Dino reiterou que manteria a suspensão. A transparência das emendas é desejável e deveria partir do próprio Congresso, que, no entanto, nada fez.

Por enquanto, as propostas estapafúrdias para limitar o poder do Supremo estão em tramitação. Espera-se que sejam esquecidas ou, na pior hipótese, barradas pela maioria de deputados e senadores. Não se desconhecem as divergências entre os Poderes, nem os sentimentos de lado a lado com decisões sobre temas sensíveis. Mas retaliação e enfrentamento não são o caminho adequado para superar divergências políticas numa democracia. Exige-se das lideranças a opção preferencial pelo diálogo, pelo entendimento, pela convivência harmoniosa. Propostas como o pacote anti-STF tendem a criar mais abismos, mais insegurança e mais retaliação. Terminado o primeiro turno das eleições municipais, o Brasil precisa retomar a agenda prioritária que depende do Congresso. O pacote anti-STF certamente não faz parte dela.

Defesa revela como diplomacia ideológica prejudica interesse nacional

O Globo

Ministro José Mucio se queixou de interferências que têm trazido prejuízos para o Brasil

O ministro da Defesa, José Mucio, fez um alerta preocupante em evento do Observatório Nacional da Indústria nesta semana em Brasília: as inclinações ideológicas da diplomacia brasileira têm, segundo ele, prejudicado não apenas o interesse comercial brasileiro, mas, mais que isso, a missão principal das Forças Armadas — proteger o país.

Mucio citou diversos exemplos. O primeiro já era conhecido: a suspensão da compra de 36 blindados da empresa israelense Elbit Systems, vencedora de licitação no valor de R$ 1 bilhão, parada desde abril sob o pretexto descabido de que Israel está em guerra. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou contra comprar o equipamento do segundo colocado, argumentando corretamente não haver, no estatuto das Licitações e Contratos, nenhum empecilho à compra nem embargo em vigor contra Israel. O único impedimento é a resistência empedernida — e inexplicável — do assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, a, nas palavras de Mucio, comprar de “judeus”, do “povo de Israel”. “Estamos com essa licitação pronta, mas, por questões ideológicas, não podemos aprovar”, afirmou Mucio.

Ele citou outros exemplos de intervenção ideológica prejudiciais ao Ministério da Defesa. O Exército brasileiro, contou Mucio, vendeu por bom preço munição à Alemanha. Nas palavras dele, o armamento não era usado, e o custo de manutenção é alto. Quando tudo estava acertado, veio ordem do Executivo para desfazer o negócio. O motivo foi o temor de ofender a Rússia. Os diplomatas acharam que os alemães ofereceriam a munição à Ucrânia, e um Vladimir Putin enfurecido poderia retaliar o Brasil cortando vendas de fertilizantes. Por óbvio, é responsabilidade do governo brasileiro defender os interesses do agronegócio, um dos dínamos da economia. Mas é evidente que pesaram na decisão as simpatias de Lula e Amorim, conhecidos pela benevolência com os russos na guerra na Ucrânia.

Por fim, Mucio lamentou que a ideologia também tenha sido barreira a uma discussão honesta sobre a exploração de recursos naturais em terras indígenas na Amazônia. “Importamos potássio do Canadá, quando temos a segunda maior reserva de potássio aqui”, disse. A exploração desse potássio, desde que respeitados os direitos indígenas e mitigados os impactos ambientais, poderia tornar o Brasil independente de fertilizantes russos ou canadenses.

Mucio argumenta que os militares estão isolados, sem a interlocução necessária com representantes das diferentes forças políticas, tanto à direita quanto à esquerda. “A Defesa ficou órfã”, afirmou. Diante de consequências tão graves para a segurança nacional, é hora de retomar um debate desprovido de preconceitos e acabar com o isolamento de setor tão estratégico.

Brasil tem de manter autonomia ante risco autoritário do Brics

Valor Econômico

Parece haver uma dúvida crescente no Ocidente em relação à orientação do Brasil sob o governo Lula

De 22 a 24 de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará da cúpula dos Brics, em Kazan, na Rússia. Nascido como um fórum informal de grandes países emergentes, o grupo potencializou a imagem e a influência do Brasil no cenário político mundial. Recentemente, porém, parece estar sendo conduzido pela China para se tornar uma alternativa ao bloco ocidental, liberal e democrático liderado pelos EUA. Nesse novo contexto, é preciso estar atento para que a participação nos Brics não deixe de ser uma oportunidade para se tornar um risco.

O acrônimo Bric (sem o S) surgiu de um relatório sobre grandes países emergentes feito pela equipe de pesquisa econômica do banco americano Goldman Sachs, liderada por Jim O’Neill, publicado em 2003. A sigla, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se popularizou e parecia representar uma crescente multipolaridade no cenário global.

Para o Brasil, o Bric foi um ganho estratégico. O país passou a ser associado a um grupo de economias maiores e política e militarmente mais poderosas. Os outros três membros são potências nucleares. É como se o país tivesse subitamente saltado de nível num jogo geopolítico. Em 2010, a África do Sul foi admitida, e o grupo passou a se denominar Brics. A incorporação de uma economia muito menor e com menos potencial indicava a intenção política de ter um grande país africano.

O Brics hoje representa 45% da população e 35,6% do PIB (em paridade de poder de compra) no mundo, mais do que o G7 (grupo que reúne as sete grandes economias desenvolvidas), que tem menos de 10% da população e 30,3% do PIB (Alexander Gabuev e Oliver Stuenkel, “Foreign Affairs” de setembro).

Com interesses divergentes e, por vezes, conflitantes, o Brics raramente passou de um fórum de consulta política. Já há algum tempo, com a mudança no cenário geopolítico global, a China parece estar buscando dar nova orientação ao grupo. Ao contrário dos primeiros anos do bloco, hoje há um contexto de confronto aberto, político e econômico entre EUA e China. Isso está gerando uma crescente divisão do mundo em esferas de influência e cadeias de produção distintas, uma ligada aos EUA e o Ocidente e outra ligada à China.

Para o Brasil, é interessante poder transitar entre essas duas esferas, com uma política externa autônoma e não alinhada - essa, aliás, é a posição tradicional da diplomacia brasileira. Isso permite ao país participar das oportunidades de financiamento e investimentos que os dois lados oferecem. A China é o maior parceiro econômico do Brasil. Em 2023, ela importou US$ 105,75 bilhões em mercadorias brasileiras, com aumento de 16,5% sobre 2022. Foi a primeira vez que as exportações para um único parceiro comercial ultrapassaram a casa dos US$ 100 bilhões.

Mas se manter equidistante dos polos numa situação de confronto é uma tarefa complexa e delicada. O espaço de atuação autônoma tende a se restringir. A mera percepção de que o Brasil pode estar se alinhando mais à esfera chinesa, pela parceria cada vez mais próxima no Brics, pode gerar consequências negativas ao país.

A atual reestruturação das cadeias globais de produção, por exemplo, é uma oportunidade única para o Brasil buscar melhorar a sua inserção econômica internacional. Parte das atividades de pesquisa, desenvolvimento e produção que hoje são feitas na China (e em outros países que o Ocidente considera hostis ou não confiáveis) tende a migrar para países amigáveis. No entanto, parece haver uma dúvida crescente no Ocidente em relação à orientação do Brasil sob o governo Lula. Para evitar mal-entendidos, é fundamental que o país dê os sinais corretos de sua orientação externa. Isso passa pela cautela em relação ao Brics.

Na recente expansão do grupo, entraram Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos. A Arábia Saudita participa, mas ainda não aderiu formalmente. São todos países com governos autoritários, o que deixa apenas Brasil, Índia e África do Sul como regimes democráticos. Além disso, a presença do Irã é problemática. O país é uma fonte de instabilidade no Oriente Médio e financia vários grupos terroristas na região. Há a intenção de ampliar o bloco com o ingresso de países antes explicitamente reverenciados pelo governo Lula e hoje mais distanciados, como Venezuela e Nicarágua, duas novas ditaduras a possivelmente se juntarem às que já fazem parte dele.

Por fim, há o problema da guerra na Ucrânia. A cúpula do Brics corre o risco de se tornar uma cobertura política e diplomática para o autocrata russo, Vladimir Putin. Brasil e China apresentaram uma proposta de plano de paz duramente criticada pelo governo ucraniano, pois sinaliza concessões territoriais a Moscou.

O Brics, assim, está deixando de ser uma fonte de oportunidades para se tornar uma fonte de riscos para o Brasil, caso o grupo, que nasceu heterogêneo, mesclando grandes emergentes, torne-se uma associação de países pouco ou nada democráticos e com viés antiocidental. Isso parece ser o embrião de uma associação que na prática reuniria a esfera de influência chinesa contra o Ocidente. O presidente Lula tem agido como se isso não fosse um problema.

2º turno em SP começa seguindo o padrão nacional

Folha de S. Paulo

No Datafolha, Nunes tem 55%, e Boulos, 33%, o que reforça tendência favorável à reeleição e difícil para a esquerda

Num ano de pleitos municipais favoráveis a reeleições e difíceis para candidatos de esquerda, pode-se considerar previsível o resultado da primeira pesquisa Datafolha no segundo turno da disputa paulistana.

Segundo a sondagem, o prefeito Ricardo Nunes (MDBsai na dianteira com 55% das intenções de voto, enquanto Guilherme Boulos (PSOL) tem 33%.

A vantagem expressiva contrasta com a diferença ínfima entre as votações de ambos no primeiro turno, respectivamente de 27% e 26% (29,48% e 29,07% dos votos válidos), enquanto o neófito Pablo Marçal, do nanico PRTB, ficou com 25% (28,14% dos válidos).

A despeito do discurso radicalizado e antissistema de Marçal, 84% de seus eleitores se declaram dispostos a reeleger Nunes. Noticia-se que grupelhos de apoiadores do ex-coach ruminam velhas teorias sobre fraude eleitoral, mas essa estratégia bolsonarista não encontra eco hoje —mais uma vez, as urnas eletrônicas garantiram apuração organizada, célere e precisa no país.

Essa tendência de migração de preferências decorre, naturalmente, da rejeição a Boulos. Entre os paulistanos, 58% hoje dizem que não votariam em nenhuma hipótese no psolista, candidato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a cifra vai a 92% entre os eleitores de Marçal.

Tal cenário propicia considerável conforto para o prefeito no eleitorado mais conservador, mas impõe algum equilibrismo. Nunes não precisa do apoio entusiasmado do bolsonarismo, que poderia lhe custar votantes moderados; ao mesmo tempo, não pode menosprezar a aliança com o ex-presidente, cujo PL indicou o vice em sua chapa.

Já a tarefa do oposicionista se afigura bem mais difícil. Disputando pela segunda vez consecutiva a rodada final do pleito em São Paulo, ele larga em desvantagem superior à de quatro anos atrás, quando o Datafolha apontava 48% a 35% em favor de Bruno Covas (PSDB), que acabou vitorioso e morreu em 2021.

Ao mesmo tempo em que se esforça para suavizar sua imagem, distanciando-se de bandeiras de esquerda de seu partido, Boulos tem dificuldades em herdar os votos de seu padrinho político —com 63% entre os que declaram ter escolhido Lula para presidente, ante 31% do adversário.

Além disso, apresenta seu pior desempenho nos estratos mais pobres da metrópole, perdendo por 56% a 29% entre os que têm renda até dois salários mínimos.

Nada disso quer dizer, é claro, que a disputa esteja decidida. Os dois candidatos agora terão tempos equivalentes de exposição pública e propaganda oficial, deixando para trás a enorme vantagem de Nunes no primeiro turno —que não conseguiu, aliás, mais do que índices modestos de aprovação à sua gestão.

Será saudável para o debate que a administração municipal e os programas de governo sejam escrutinados com maior rigor. Ideias e fatos novos podem mudar o rumo de uma eleição.

Desvios em série e nova benesse para a elite dos servidores

Folha de S. Paulo

Penduricalho para advogados da União vem de mudanças legais que geraram perdas de recursos e podem incentivar litígio

O desvio dentro do desvio dentro do desvio. Assim se pode qualificar a resolução do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), que criou o chamado "auxílio-saúde complementar" para advogados da Advocacia-Geral da União e procuradores da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e do Banco Central.

Com a decisão, que já provoca protestos de servidores federais de outras carreiras, os beneficiados da ativa terão acrescido R$ 3.000 a seus contracheques mensais, e os aposentados, R$ 3.500. Como o dinheiro extra é considerado verba indenizatória, ele fica fora do teto salarial do setor público e é isento de tributação pela Receita Federal.

O penduricalho tem origem na complicada história dos honorários de sucumbência. Sentenças judiciais deveriam condenar a parte vencida a pagar à vencedora os honorários advocatícios e outras despesas, o que é justo. Quem tem razão, afinal, não deveria amargar perda econômica.

Era o que determinava o Código de Processo Civil (CPC) de 1973. Em 1994, sob influência do lobby da OAB, o Congresso Nacional aprovou a lei 8.906, que alterou o CPC, transferindo a titularidade da sucumbência da parte vencedora para os advogados.

Como a mudança não levou a categoria a deixar de cobrar honorários, os vitoriosos viram frustrada a possibilidade de terem seus gastos ressarcidos. Até poderiam abrir nova ação para isso, mas teriam de contratar advogados e pagar honorários, numa absurda regressão infinita.

Em 2015, o novo CPC estendeu esse mecanismo a profissionais públicos, o que é insensato. Advogados públicos e procuradores não são contratados para atuar em causas específicas, como no setor privado, mas para trabalhar em tempo integral para o Estado, tanto em papeis litigiosos como em não litigiosos.

Tal arranjo tem potencial para criar incentivos perversos, como levar servidores a preferir o confronto em juízo mesmo quando este não é o melhor caminho.

Se a alteração de 1994 causou prejuízos a entes privados e pode ter indiretamente aumentado o custo de litigar no país, a de 2015 representou uma considerável perda aos cofres do Estado.

Quando a União triunfava numa causa, a verba de sucumbência ia para o caixa comum; agora, os valores vão para um fundo privado, administrado pelo CCHA, que os distribui entre os advogados públicos. O recém-criado auxílio-saúde complementar é a mais nova forma de repartição, o desvio do desvio do desvio.

Vendeta contra a Constituição

O Estado de S. Paulo

Projetos que na prática transformam Supremo em instituição decorativa, ao arrepio da Carta, avançam na Câmara como resposta à ação do STF contra a esbórnia do orçamento secreto

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados foi rebaixada a instrumento de vingança do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Desde o fim de 2022, o STF tem agido com denodo para acabar com a indecência do orçamento secreto e, assim, cumprir o seu dever de defender a Constituição. Mais recentemente, em agosto passado, a Corte impôs duros reveses aos interesses antirrepublicanos do sr. Lira e seus associados nessa captura do Orçamento da União à margem de qualquer escrutínio público. A revanche veio a galope.

Logo após o ministro Flávio Dino suspender o pagamento de emendas parlamentares até que o Palácio do Planalto e o Congresso estabeleçam mecanismos de transparência para controle da disposição desses recursos públicos, Lira desengavetou um conjunto de propostas legislativas que, em suma, visam a submeter o STF ao jugo do Congresso. Nesse pacote, há duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e dois projetos de lei apresentados há algum tempo por parlamentares bolsonaristas sob o falso pretexto de “reequilibrar” os Poderes. Essas medidas, porém, não se prestam a reequilibrar coisa alguma, mas sim a dar poderes absolutos ao Congresso – o que não se coaduna com a mera ideia de República.

No dia 8 de outubro, mal foram encerradas as eleições na maior parte do País, os bolsonaristas com assento na CCJ voltaram ao trabalho com “sangue nos olhos”, como se diz, e aprovaram as PECs e os projetos de lei por meio dos quais se pretende saciar a sede de vingança dos que se sentiram prejudicados com o fim da esbórnia na indicação de emendas ao Orçamento da União ou invadidos em suas prerrogativas pelo que chamam de “ativismo” do STF.

No meio desse chamado pacotão, pode-se argumentar, até há uma proposta razoável, qual seja, a que impede que um ministro da Corte, sozinho, possa sustar a validade de lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República. De fato, a decisão liminar de um só ministro não deveria se sobrepor ao rito legislativo democrático, que se presume hígido. Mas essa proposta – que de resto é ociosa, haja vista que o próprio STF alterou seu Regimento Interno para estabelecer prazo para que decisões monocráticas sejam submetidas ao Plenário ou às Turmas – mal disfarça o vezo revanchista de Lira e seus títeres na CCJ.

A mais absurda entre as propostas ora aprovadas pela CCJ, pois viola cláusula pétrea da Constituição e, ademais, é absolutamente antidemocrática, é uma PEC que dá ao Congresso o poder de cassar decisões do Supremo por dois terços dos votos nas duas Casas Legislativas, transformando o STF em instituição decorativa. Por mais enviesado que seja o controle da pauta da CCJ por sua presidente, Caroline de Toni (PL-SC), uma devotada bolsonarista, custa crer que a comissão, cuja missão é zelar pela constitucionalidade das matérias que haverão de tramitar na Câmara, tenha chancelado uma PEC eivada de inconstitucionalidade do início ao fim. A rigor, uma matéria desse jaez nem sequer deveria ser objeto de discussão, pois, na prática, significa o fim do STF como Corte Constitucional, nada menos.

Toda essa movimentação da Câmara já seria gravíssima caso a vendeta de Lira fosse motivada por uma decisão equivocada do STF – e a Corte, é forçoso dizer, não raro tem tomado decisões que extrapolam sua competência, sem falar no comportamento de alguns ministros que afrontam a moralidade pública e a própria Lei Orgânica da Magistratura. Mas não é o caso. O presidente de uma das Casas Legislativas se insurgiu contra o STF por uma decisão absolutamente correta do ministro Flávio Dino, depois referendada por seus pares, que, ao fim e ao cabo, declarou que o orçamento secreto não é compatível com a Constituição. Se isso não atende aos interesses de Lira, ele que lide com suas frustrações, pois os interesses do País foram resguardados.

É improvável que as medidas prosperem, o que não significa que sua mera tramitação não seja perigosa. No fundo, elas revelam que não poucos parlamentares agem sob o signo da vingança, no cenário mais benevolente, ou do golpismo, no pior.

A inflação e o fantasma de 2015

O Estado de S. Paulo

Nas últimas duas décadas, taxa de inflação estourou o teto em três ocasiões, duas na pandemia e uma na recessão de 2015; alta no IPCA de setembro coloca 2024 perigosamente na fila

O risco de descumprimento da meta de inflação neste ano voltou à baila após a divulgação da alta de 0,44% do IPCA em setembro, que levou ao acumulado em 12 meses de 4,42%. Se o estouro de fato ocorrer, 2024 se juntará aos três únicos anos em que o Banco Central (BC) não conseguiu cumprir a meta nas últimas duas décadas. Em 2021 e 2022, isso se deu por causa dos efeitos da pandemia de covid, e em 2015 estouramos a meta quando preços de itens importantes, como energia elétrica e combustíveis, romperam a barreira artificial de contenção montada no governo Dilma Rousseff.

O “realinhamento de preços”, como descreveu o BC em 2015, em carta assinada pelo então presidente da instituição, Alexandre Tombini, levou a inflação a 10,67%, muito acima da margem máxima de dois pontos porcentuais, para o centro da meta, então fixada em 4,5% ao ano. O calendário inflacionário registra também um episódio em que a taxa ficou abaixo do limite mínimo de tolerância, em 2017 – o único momento em que a inflação furou o piso desde a criação do sistema de metas, em 1999 –, em razão da forte queda de preços dos alimentos propiciada por uma supersafra agrícola.

O terceiro mandato de Lula da Silva, movido pela empreitada de sustentar um pretenso desenvolvimento a partir de gastos estatais, prima por desconsiderar as premissas básicas de sua própria política econômica. A mira nos limites da margem de tolerância tem se consolidado como a principal falha de calibragem tanto para a meta inflacionária quanto para o resultado das contas públicas no arcabouço fiscal.

A estimativa para a inflação aumenta há dez semanas consecutivas no Boletim Focus do BC, que compila projeções de mais de 170 instituições financeiras. O dado mais recente, ainda sem o peso do IPCA de setembro, previa que a taxa encerraria o ano em 4,38%, distante do centro de 3% e bem próximo do teto da meta, de 4,5%. Agora, já há economistas que esperam algo em torno de 5% no fim do ano, como Heron do Carmo, professor da FEA/USP, que coordenou o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe e, em entrevista ao Estadão, afirmou que 2025 vai começar bem pior em termos de inflação.

A apreensão em relação ao ano que vem aumenta diante da mudança de comando do Banco Central. Será a primeira passagem de bastão na presidência da instituição no meio de uma gestão presidencial desde que o BC conquistou autonomia legal, que instituiu mandatos não coincidentes entre o Executivo e diretores do banco. Em 2025, a direção do banco muda de perfil, com sete dos nove integrantes indicados por Lula.

A inflação de dois dígitos de 2015, vale lembrar, foi a devolução dos prejuízos de uma política absolutamente equivocada do governo Dilma, que tentou controlar preços na marra. Difícil esquecer o aumento médio de 51% nas contas de luz em 2015 (em São Paulo, o aumento beirou os 70%), depois do corte forçado por Dilma em 2013. Também é inesquecível o “congelamento” do preço dos combustíveis, que deveria ser livre, conforme determinado em 2001. Essas altas foram mais um peso que o consumidor brasileiro teve que carregar na recessão econômica de 2015. Pancada inflacionária como esta viria apenas nos anos de exceção da pandemia.

Por óbvio, o patamar da inflação atual está muito abaixo do apurado em 2015, e as metas e bandas para o IPCA são também distintas. Mas a lição deixada por aquele ano fatídico foi a de que políticas inconsistentes e tentativas de conter preços por decreto não tardam a apresentar uma conta indigesta. O ano de 2025 será também o primeiro sob o regime de meta contínua de inflação. Por esse modelo, o cumprimento da meta será verificado mês a mês e, se por seis meses seguidos houver desvio, caberá ao BC estipular o prazo para o retorno à meta.

A contenção da inflação para preservar o valor do real é a função básica do Banco Central. Uma vez estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta deve ser cumprida, sem discussão. Portanto, o ciclo de alta dos juros iniciado em setembro pelo BC se mostra agora muito apropriado. Gabriel Galípolo garantiu no Senado que vai honrar o compromisso. Oxalá consiga afastar o fantasma.

A natureza de Boulos

O Estado de S. Paulo

Candidato do PSOL apela a ataques pessoais e mostra ânimo em reeditar debate pobre

O candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, só terá alguma chance de vencer a disputa em segundo turno contra o atual prefeito, Ricardo Nunes, candidato à reeleição pelo MDB, se questionar a capacidade administrativa do alcaide, apresentando-se como mais capaz de resolver os diversos e profundos problemas da cidade. Aparentemente, contudo, Boulos – talvez porque não tenha mesmo como se mostrar melhor que Nunes – preferiu investir na polarização entre Lula da Silva, padrinho de sua candidatura, e Jair Bolsonaro, que supostamente apoia o prefeito. É um investimento de risco, porque a lógica eleitoral sugere que o antipetismo fará boa parte dos votos dados aos demais candidatos no primeiro turno migrar naturalmente para Nunes. Ou seja, quanto mais Boulos se vincular a Lula e ao discurso esquerdista para se diferenciar de seu adversário, mais votos provavelmente deixará de conquistar no segundo turno.

É certo que o antibolsonarismo também é forte em São Paulo, razão pela qual a campanha de Nunes dá sinais de que pretende calibrar o apoio de Bolsonaro para não dar a sensação de que sua candidatura é bolsonarista raiz. Mas a situação do prefeito, nesse aspecto, parece bem mais confortável, porque o contingente de eleitores que rejeitam Boulos, em razão de sua vinculação a Lula e por causa de seu passado de agitador esquerdista, é bastante significativo e pode decidir a eleição em favor de Nunes.

Boulos, no entanto, parece convicto de que não tem alternativa senão partir para a ignorância. Em seu discurso logo depois da divulgação dos resultados do primeiro turno, o psolista enfatizou que, enquanto Nunes é apoiado por Bolsonaro, sua campanha mobiliza “um time que ajudou a resguardar a democracia no Brasil” – como se a eventual reeleição de Nunes representasse algum risco, remoto que seja, de ruptura democrática, e como se o voto no PSOL e no lulopetismo, notórios defensores de ditaduras como a da Venezuela e a de Cuba, realmente fosse salvar a democracia brasileira.

E Boulos mostrou que está disposto a manter baixo o nível de uma campanha marcada pelas baixarias. O psolista publicou em suas redes sociais um vídeo em que resgata o hoje famoso boletim de ocorrência registrado pela mulher de Nunes em 2011 acusando-o de violência. Para Boulos, trata-se de “um tema que os eleitores precisam saber”. A reação foi imediata. Seus seguidores na internet não ficaram nada satisfeitos. Entre os comentários, há pedidos para que o candidato pare de agredir o adversário e apresente suas propostas à cidade. E a Justiça mandou tirar o vídeo do ar, sob o argumento de que o mesmíssimo ataque motivou punição semelhante a Pablo Marçal (PRTB) no primeiro turno. A Justiça já concedeu direitos de resposta à campanha de Nunes nas redes sociais de Boulos.

Esperava-se de Boulos mais comedimento e respeito, pois ele foi o candidato que sofreu o ataque mais vil do primeiro turno, quando Marçal forjou um documento para acusá-lo de uso de drogas. Por isso, tinha que partir dele a iniciativa de elevar o nível dos debates no segundo turno. Mas o baderneiro convertido a político moderado nem sempre consegue esconder sua natureza.

Prevenir é mesmo o melhor remédio

Correio Braziliense

A estratégia contra o câncer de mama passa pela dieta equilibrada, prática frequente de atividade física, redução e manutenção do peso, moderação no consumo de bebidas alcoólicas e não fumar

Na próxima década, especificamente em 2035, teremos um aumento de 27% no número absoluto de casos de câncer de mama em todo o mundo. As estatísticas não param por aqui. Além de ser o mais comum em 157 países, esse tumor representa três em cada 10 casos da doença nas mulheres brasileiras. Em 2025, a projeção é de 73.610 novos casos e, em 2035, 2,9 milhões de registros no planeta. Quanto ao número de óbitos, passará de 666 mil anualmente para 888 mil — o que corresponde a um crescimento de 33% em pouco mais de uma década. 

Representantes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) demonstram preocupação quanto às estatísticas desafiadoras e reforçam a importância da campanha Outubro Rosa para a conscientização sobre a doença. Se muitas questões mudaram no que se refere aos avanços tecnológicos e na capacidade de adaptação do ser humano frente a uma série de enfermidades, as recomendações de oncologistas e outros profissionais da saúde são basicamente as mesmas e se resumem em uma palavra: prevenção — seja ela primária (evitar que a doença ocorra, por exemplo, com a adoção de estilo de vida saudável), secundária (diagnóstico precoce) e terciária (início do tratamento em prazo adequado, com qualidade). 

Portanto, a estratégia passa pela dieta equilibrada, prática frequente de atividade física, redução e manutenção do peso, moderação no consumo de bebidas alcoólicas e não fumar. É importante destacar que o autoexame deixou de ser um indicador robusto para o câncer de mama, o que não significa que não deve ser feito. A prática não é mais recomendada em países desenvolvidos por não ser capaz de identificar tumores de até 1 centímetro. O medo dos médicos é que, ao se autoapalpar e não perceber alteração, a mulher deixe de procurar os exames preventivos.

Ainda que o diagnóstico precoce seja "meio caminho andado" para a remissão da doença, reduzindo, assim, os impactos físico, emocional e financeiro das pacientes e suas famílias, cada vez mais é possível melhorar alguns parâmetros médicos, como o tempo e a qualidade de vida das mulheres que descobrem o câncer de mama em estágio avançado. Vale lembrar, também, que nem só as mulheres são diagnosticadas com câncer de mama. Cerca de 0,5% a 1% dos casos ocorre em homens.

O Sistema Único de Saúde (SUS) prevê uma estrutura de atendimento gratuito aos pacientes assistidos nas capitais e cidades-polo, mas é longa a lista de dificuldades. Pacientes com tumores mais raros, que exigem aportes financeiro e médico maiores, por exemplo, precisam lutar judicialmente para obter o tratamento. Essa batalha pela vida não tira o mérito do trabalho desenvolvido pela rede pública de saúde, mas é preciso que o poder público ofereça mais condições para que as recomendações feitas pelos profissionais de saúde façam, de fato, parte do cotidiano da população brasileira. Aumentar o investimento no atendimento básico, o principal lugar das medidas preventivas, é o caminho. 

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