sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Vera Magalhães - Figurino novo para o segundo turno

O Globo

Não parece factível imaginar que o eleitor se convencerá em duas semanas da guinada de Boulos

Saem o sorriso pregado no rosto, os bolos por todo lado, a avó falando do bom menino, e entra uma fala em tom mais alto, uma veemência e um tom de voz resgatados dos tempos do movimento por moradia e até um reconhecimento às razões para a “indignação” dos eleitores de ninguém menos que Pablo Marçal.

A mudança de figurino de Guilherme Boulos (PSOL) entre o primeiro e o segundo turno foi tão repentina e tão notável que é grande o risco de que o eleitor fique confuso sobre qual das versões do deputado apresentadas ao longo dos últimos anos é a verdadeira. Isso pode ser fatal para quem tem uma tarefa tão grande pela frente, como mostrou o primeiro Datafolha da nova fase da disputa, divulgado nesta quinta-feira.

Não se sabe se foi o mesmo time de analistas que convenceu Boulos de que precisaria suavizar sua imagem no primeiro turno que o orientou a fazer tamanha inflexão, ou se houve também troca da guarda no comando da estratégia, mas ela parece se basear em premissas, ou ambições, que a pesquisa não permite confirmar.

A primeira delas, e mais esquisita, é que seria possível haver migração significativa de votos de Marçal, que perpetrou as piores e mais sujas de suas vigarices justamente contra Boulos, para o candidato do PSOL. Como se aquilo que o ex-coach tivesse plantado na disputa fosse revolta motivada, e não simplesmente rebaixamento do debate e truques abaixo da linha da cintura.

Sim, é verdade que ele conseguiu atrair a atenção e o voto de setores específicos do eleitorado, dos empreendedores individuais aos evangélicos, que a esquerda não agraciou nem no governo Lula nem nas propostas de Boulos (falei claramente a esse respeito num texto no meu blog ainda no início de setembro, e se passou um mês sem que houvesse atenção a esse público).

Mas não parece ser factível imaginar que esse eleitor se convencerá em duas semanas da guinada de Boulos, que ontem foi a Brasília apresentar um pacote para motoristas de aplicativos, entregadores e proprietários de pequenos negócios locais. Por que ninguém pensou antes em atingir essa fatia tão representativa do eleitorado?

Boulos construiu um discurso para alicerçar sua pregação no segundo turno, segundo o qual só votará em Ricardo Nunes quem aprova sua gestão. Mas o que o Datafolha mostra é mais complexo, quase o oposto: sete a cada dez eleitores que declaram voto em Nunes dizem ter medo de que venha algo pior. Uma espécie de ceticismo em relação à máxima de Tiririca. É com essa realidade que o candidato do PSOL deveria trabalhar. Ela tem a ver com a rejeição a ele que persiste a cada levantamento de intenção de voto e atingiu alarmantes 58% no último.

Mais eficaz que Boulos tentar, como fez em entrevista nesta quinta-feira, ver algum mérito numa “proposta” estapafúrdia de Marçal de construir mil (!) escolas olímpicas seria lembrar o eleitor da revolução que os CEUs, criação de sua vice, Marta Suplicy, representou para a educação paulistana, a ponto de ser uma marca que persiste depois de 20 anos e de uma sucessão de prefeitos de vários partidos e matizes ideológicos.

Boulos tem um flanco a explorar: a fragilidade de Nunes em debates, evidenciada pela fuga do prefeito dos confrontos que estavam apalavrados para as três semanas da etapa final da campanha. Explorar as investigações em andamento sobre transportes e creches e a realização de obras emergenciais em período eleitoral também pode levar eleitores, sobretudo da periferia, que chancelaram Nunes ou outros candidatos a mudar de voto.

Ele tem três em cada dez eleitores que escolheram Lula em 2022 e foram de Nunes no último dia 6 para atrair, além da metade dos eleitores de Tabata Amaral que ainda não estão com ele. Elevar a voz e franzir o cenho para mimetizar uma indignação que em Marçal já era fake, de olho num eleitor que votou em alguém capaz de forjar um laudo para prejudicá-lo, não adiantará de nada.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! Políticos são políticos. Inclusive os de Esquerda...

Anônimo disse...

Texto preciso ao retratar o mapa do inferno que se tornou nossa política - ainda assim, indispensável.

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu prefiro o Boulos paz e amor.