sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Andrea Jubé - Marina, o fiscal, e a luta para ‘ter um mundo’

Valor Econômico

‘Política ambiental não pode ser algo setorial’, diz ministra

Em um mundo de extremos - furacão Milton nos Estados Unidos, tempestade no Saara, queimadas e enchentes no Brasil - a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, embarcam para Washington, no dia 22 de outubro, para o encontro de ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20.

A pauta ambiental estará sobre a mesa na reunião que envolve o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Assim, é natural, senão, impositiva a atuação em sintonia fina da dupla Marina-Haddad porque a escalada da gravidade das tragédias climáticas torna cada vez mais indissociáveis as agendas ambiental e econômica.

“A política ambiental não pode ser algo setorial”, advertiu Marina Silva em conversa com a coluna. Nessa conjuntura de espanto e incerteza sobre o futuro, a ministra alertou para a necessidade de que as principais agendas do governo, interligando meio ambiente, economia, indústria e comércio, saúde, educação, trabalho, agricultura, energia, direitos dos povos indígenas caminhem juntas a fim de se tentar construir uma sociedade próspera e saudável.

Para isso, é preciso acelerar o debate sobre a figura jurídica da “emergência climática”, pautado ainda no governo de transição, e em análise na Casa Civil. “[Os extremos climáticos] vão ser cada vez mais intensos e frequentes”, afirmou. Como exemplo, citou as tempestades na Região Serrana do Rio de Janeiro, já no verão de 2011, quando houve mais de 900 mortes e ao menos 100 desaparecidos. “Não sabemos com precisão qual vai ser a intensidade ou a frequência, mas essa realidade está posta”, decretou.

Nesse cenário, ela observa que o modelo em vigor de administração de crises, que implica decretos de calamidade, campanhas de ajuda humanitária e liberação de créditos extraordinários, expirou, e passou da hora do governo migrar para a “gestão de risco”, o “novo normal”.

Para a ministra, o exemplo que salta aos olhos sobre a ligação estreita entre meio ambiente e economia é a maior estiagem na Amazônia na história recente, que começou em meados de 2023 e não cessou. Os rios Amazonas, Negro, Branco e Purus, principais hidrovias da região, além de fontes de água e de energia, atingiram seus níveis mais baixos em mais de um século, isolando as comunidades ribeirinhas.

Em consequência, essas famílias tornaram-se dependentes de insumos como remédios, alimentos e até água potável, cujo transporte - sem rios e sem estradas - envolve uma logística complexa e vultosa com aviões e helicópteros. Diante disso, o preço de uma cesta básica com arroz, feijão, óleo, leite em pó, estimado em R$ 300, pode chegar a R$ 2,5 mil.

“Como esse exemplo pode ajudar o esforço fiscal de um país?”, questiona a ministra. “Se a emergência é decretada depois que a tragédia aconteceu, a gestão do desastre se faz a um custo incomparavelmente maior”, alertou.

Pressionado pela onda de queimadas e enchentes, ela vê o governo refém do paradoxo da cobrança de grandes investimentos para socorrer as vítimas e evitar novas tragédias, e da responsabilidade fiscal. “Um lado dizia que é preciso ter os recursos, e o outro, que não pode extrapolar o teto fiscal”.

Quando a figura jurídica da “emergência climática” - um conceito mais amplo do que o cargo de “autoridade climática” -, que está em análise na Casa Civil, estiver em vigor, a gestão do risco será feita com mais eficiência e a um custo menor para os cofres públicos, diz a ministra. “Esse novo marco regulatório é para atender o que antes era algo fora da curva, e agora é o novo normal. Temos que ter instrumentos institucionais normativos e financeiros para fazer a gestão do risco”, observou.

O modelo em estudo prevê o orçamento da emergência climática não sujeito ao arcabouço fiscal. “Mas isso é mais vantajoso para o ganho fiscal, porque uma coisa é comprar 100 mil cestas a R$ 300, outra é pagar R$ 2,5 mil em cada”, ponderou.

A gestão do risco será imprecisa, mas é o melhor modelo. “[Pode-se prever] uma chuva de 200 ou 300 milímetros, ou nem chover. Mas temos que trabalhar com o princípio da precaução, porque se acontecer algo avassalador, tem que ter prevenção”.

Diante do aumento dos desastres climáticos, a Casa Civil tem sido criticada pela demora na análise do novo instituto da “emergência climática”. Mas Marina não vê urgência em concluir o modelo para apresentá-lo na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) 29, no Azerbaijão, em novembro. “Isso é um dever de casa, não é para fazer disso uma vitrine. Tem a pressa pela nossa necessidade”, afirmou.

O que Marina e Haddad querem levar para a COP29, com alguma evolução, é o debate deflagrado na COP28, em Dubai, sobre a criação de um fundo global, com recursos de fundos soberanos de países ricos, para a conservação de florestas tropicais em todo o mundo.

Há mais de uma década, Marina ouviu do ativista francês Daniel Cohn-Bendit, ou Dany Le Rouge, que incendiou as ruas de Paris em maio de 1968, uma frase que a marcou profundamente: “A nossa juventude lutava pela liberdade, acreditando que com a liberdade que conquistássemos, iríamos criar o mundo que quiséssemos. Agora os jovens estão usando a liberdade que conquistamos para lutar, pelo menos, para ter um mundo”.

Para Marina, a reflexão é mais atual do que nunca: “É o que temos agora: essa luta para, ao menos, ter um mundo”.

 

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