O Estado de S. Paulo
O quadro infesto, praticamente sinônimo de estagnação, já deveria ser suficiente para meter medo, não fora toda a tragédia que ele oculta
A tortura de quem escreve para o público é a véspera, quando bate o fantasma da repetição. Desde anos atrás, toda a imprensa do mundo discorreu sobre um confuso conceito de “populismo” todos os dias do ano. Nomes como Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), Viktor Orbán (Hungria), Recep Erdogan (Turquia) e Narendra Modi (Índia) se espicharam nos sofás de nossas salas e nada faz crer que tão cedo consigamos apontar-lhes o caminho da rua. A tentativa russa de massacrar a Ucrânia e a guerra de Israel contra os grupos terroristas mantidos pelo Irã vieram complementar e elevar à enésima potência a tortura do “populismo”.
No Brasil, temos vivido sob o fantasma da
“crise fiscal”. Fantasma, sandice, dê-se-lhe o nome que se quiser, mas no fundo
a questão é muito simples. É uma batalha diária para equilibrar a receita e a
despesa, proeza quase irrealizável, uma vez que enchemos um prato da balança
com gastança e desperdício e o outro com irresponsabilidade, miopia e falta de
coragem para reformar a máquina do Estado. Esse quadro infesto, praticamente
sinônimo de estagnação, já deveria ser suficiente para meter medo, não fora toda
a tragédia que ele oculta. Discorrer sobre o sistema de ensino, a quase metade
das residências sem conexão com as redes públicas de esgoto, e a chusma de
quase desocupados que recebem supersalários em Brasília é perda de tempo. Nesta
semana o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirmou que, no frigir
dos ovos, “o tributo é o mesmo para assalariados e ultrarricos” ( Estadão,
30/10). Divulgou-se também que cerca de 1,5 milhão de habitantes da maior
cidade do Brasil e da América do Sul mal consegue comer.
Crise fiscal: o termo indica que estamos nos
contorcendo para obrigar a receita e a despesa a andarem juntas. Nossas
autoridades, com as exceções de praxe, odeiam o capital privado, doméstico ou
internacional, e se recusam a adotar um modelo econômico mais aberto ao
exterior. Já seria surrealista se elas se desapegassem da fixação, originária
da Revolução de 1930 e da ditadura varguista, de que um país só é autônomo e
digno de respeito se conseguir promover o crescimento valendo-se basicamente de
empresas públicas. No mês passado (13/10), o economista Maílson da Nóbrega e
João Pedro Leme, ambos da Tendências Consultoria, publicaram neste jornal um
primoroso artigo mostrando que nas condições atuais, e principalmente com as
regras orçamentárias plantadas na Constituição de 1988, poderemos chegar a uma
“severa crise fiscal” num prazo relativamente curto. Com essa formulação
relativamente branda, os autores, consciente ou inconscientemente, indicaram
que a crise decorrente de uma “crise severa” pode ser uma catástrofe social.
Foi seguramente para nos trazer algum alívio que o economista Gustavo Franco,
um dos pais do Real, sugeriu que a situação de médio prazo pode melhorar se
devotarmos quantias bem maiores à área do saneamento. Así lo quiera Dios! O que
não podemos é fugir de uma verdade que qualquer criança de 12 anos conhece: a
primeira classe também cai. Não há notícia de uma aeronave cuja parte anterior
tenha despencado sem levar consigo a da frente, com o piloto no seu lugar,
conduzindo-a como sempre faz, voando lépido e fagueiro.
Parece-me essencial acrescentar uma
consideração mais ampla ao que acima vai exposto. Existem fortes indícios de
que nós, brasileiros, estamos perdendo uma parte importante de nossa capacidade
de pensar. Em tempos idos, podíamos nos dar o direito de sermos ingênuos, pois
toda a nossa mediocridade parecia ter aqui aportado nos porões das caravelas
portuguesas. A lavoura canavieira produzia praticamente todo o açúcar de que o
mundo demandava, os senhores de engenho constituíam uma primeira classe
inexpugnável. Com o ouro foi um pouco diferente, mas depois o café reeditou o
enredo canavieiro. Supriu café suficiente para satisfazer quase todo o mundo,
mas não teve fôlego para sustentar a competição com outros centros produtores
que surgiam por toda parte. O jeito foi o Estado bancar o estrago e encaixar os
proprietários daqueles magníficos palacetes da Avenida Paulista nos altos
escalões do Estado. Fórmula de pouca duração que deixou em seu rastro um grave
conflito entre regiões produtoras e não produtoras e, finalmente, a contrafação
batizada como Revolução de 1930.
Hoje, tentar compreender a mentalidade que
emergiu de tudo isso parece nos causar tédio. Caminhando para lá e para cá como
sonâmbulos, nós hoje nem nos damos conta de que o cenário externo não é
reconfortante. Embora tenhamos escapado de uma recessão global em 2024-2025, o
Panorama Econômico Global do Fundo Monetário Internacional (FMI) faz um
enérgico alerta quanto aos riscos de baixar a guarda: ao contrário, afirma, é
hora de fortalecer os fundamentos para o crescimento futuro.
O fecho destas reflexões só pode ser a
radicalização política nos Estados Unidos e a possível reeleição de um senhor
já unanimemente condenado por golpismo político e obcecado pelo protecionismo.
2 comentários:
Falando em políticas públicas mal desenhadas, leio na coluna de Marcos Mendes, pesquisador do Insper, na Folha:
" Novo Fundeb não trouxe a revolução alardeada "
" Política mal desenhada teve apoio amplo e agora cobra custos "
Lá ele apresenta os argumentos para embasar sua tese. Só entrar na página do UOL.
😏😏😏
Até terça-feira vai passar por essa passarela democrática de debate do meu primo Cavalcanti Muito jornalista fazendo Chororo
Amaldiçoando Trump e de quebra o Bolsonaro
O povo disse não a inflação a porta aberta na fronteira Sul com invasão de milhares e milhões de imigrantes Clandestinos desgoverno irresponsável do senil e gaga Biden e dessa destrambelhada Harris
O Trump vai ganhar de lavada e depois os institutos de pesquisas cada um dando a sua desculpa mais esfarrapada do que o outro
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