quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

STF contra o Império? – Vera Magalhães

O Globo

Integrantes do STF preveem que Musk e Trump voltarão sua metralhadora giratória na direção de Moraes e do tribunal

Mark Zuckerberg não fez questão de ser sutil em nada em seu vídeo de capitulação completa aos desígnios do governo Donald Trump 2.0. Assim, a menção “indireta” ao Supremo Tribunal Federal brasileiro não poderia ser mais explícita e já inaugurando a fase do descompromisso total da empresa que comanda com qualquer rigor factual ou disposição de moderar o debate público.

Pelo contrário: ao replicar as acusações sem fundamento do até aqui concorrente, e agora aparentemente guru Elon Musk, de que o STF mandaria retirar conteúdos do ar por meio de decisões secretas ou clandestinas, o magnata da Meta deixa claro que, de agora em diante, vale tudo em nome do conceito deturpado de liberdade de expressão.

E como reagirá o Supremo diante da mudança de vento nos Estados Unidos que, pelo visto, pode levar outros gigantes da tecnologia e das mídias digitais a fazer guinadas em suas políticas de conteúdos em nome de uma boa convivência com a gestão Trump-Musk, quando não atendendo a ameaças feitas à luz do dia pelo futuro presidente americano?

— Nós faremos o nosso trabalho — me disse, em inglês, um dos magistrados da Corte.

Antes mesmo do anúncio em que um Zuckerberg em tudo repaginado anunciou que decidiu mandar às favas os escrúpulos, eu vinha recolhendo impressões dos ministros a respeito do seguimento do julgamento a respeito da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Depois que o Congresso recuou, na cara do gol, da disposição de aprovar um projeto de regulamentação das redes sociais, que ficou conhecido como PL das Fake News, o julgamento em curso no Supremo virou, na prática, o plano B para tentar chegar a uma forma mais efetiva de responsabilização das big techs pelo conteúdo propagado por meio delas.

A discussão veio na esteira da guerra aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, com aval pleno da Corte e dos pares, com o X, que insistia em descumprir decisões judiciais no Brasil. Musk recuou, mas isso foi antes da vitória de Trump e de sua ascensão à condição de eminência parda do futuro governo, sem nenhuma preocupação com a separação entre os interesses de Estado e das corporações do bilionário — e menos ainda qualquer compromisso com o mínimo de isenção política na plataforma digital que ele transformou numa arma de difusão de propaganda ideológica.

Os próprios integrantes do STF preveem que Musk e Trump voltarão sua metralhadora giratória na direção de Moraes e do tribunal, o que também fica evidente diante do afã do adulador Zuckerberg em mostrar de que lado está na nova ordem.

Ainda assim, a maioria dos ministros está convencida de que lhes caberá estabelecer responsabilidades mais claras das empresas na remoção de conteúdos com incitação ou propagação de crimes. A divergência está na necessidade ou não de decisão judicial para que se exija essa ação das gigantes de tecnologia. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, abriu uma sutil divergência em relação ao relator, ministro Dias Toffoli, ao pontuar que, naquilo que se refere a possíveis crimes contra a honra, se faz necessária decisão da Justiça para evitar que se abra muito espaço para subjetivismo na mediação de conteúdos que poderiam ou não ser removidos.

A mudança de política da Meta e os torpedos verbais de Trump e Musk em direção a governos e sistemas de Justiça que tentam conter a transformação do ambiente digital em terra sem lei expõem não apenas o Brasil, mas também países da Europa que caminham no mesmo sentido.

Será preciso que, por aqui, o Judiciário não fique isolado numa “batalha contra o Império”, conforme ironizava ontem uma autoridade. Como no Congresso o ímpeto de regulamentar as redes passou, cabe ao governo ser mais proativo no debate — superando um silêncio com viés de omissão do qual, aliás, os próprios ministros do STF se queixam.

 

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