O Globo
Integrantes do STF preveem que Musk e Trump
voltarão sua metralhadora giratória na direção de Moraes e do tribunal
Mark Zuckerberg não fez questão de ser sutil
em nada em seu vídeo de capitulação completa aos desígnios do governo Donald
Trump 2.0. Assim, a menção “indireta” ao Supremo Tribunal Federal brasileiro
não poderia ser mais explícita e já inaugurando a fase do descompromisso total
da empresa que comanda com qualquer rigor factual ou disposição de moderar o
debate público.
Pelo contrário: ao replicar as acusações sem
fundamento do até aqui concorrente, e agora aparentemente guru Elon Musk, de
que o STF mandaria retirar conteúdos do ar por meio de decisões secretas ou
clandestinas, o magnata da Meta deixa claro que, de agora em diante, vale tudo
em nome do conceito deturpado de liberdade de expressão.
E como reagirá o Supremo diante da mudança de vento nos Estados Unidos que, pelo visto, pode levar outros gigantes da tecnologia e das mídias digitais a fazer guinadas em suas políticas de conteúdos em nome de uma boa convivência com a gestão Trump-Musk, quando não atendendo a ameaças feitas à luz do dia pelo futuro presidente americano?
— Nós faremos o nosso trabalho — me disse, em
inglês, um dos magistrados da Corte.
Antes mesmo do anúncio em que um Zuckerberg
em tudo repaginado anunciou que decidiu mandar às favas os escrúpulos, eu vinha
recolhendo impressões dos ministros a respeito do seguimento do julgamento a
respeito da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Depois que o Congresso recuou, na cara do
gol, da disposição de aprovar um projeto de regulamentação das redes sociais,
que ficou conhecido como PL das Fake News, o julgamento em curso no Supremo
virou, na prática, o plano B para tentar chegar a uma forma mais efetiva de
responsabilização das big techs pelo conteúdo propagado por meio delas.
A discussão veio na esteira da guerra aberta
pelo ministro Alexandre de Moraes, com aval pleno da Corte e dos pares, com o
X, que insistia em descumprir decisões judiciais no Brasil. Musk recuou, mas
isso foi antes da vitória de Trump e de sua ascensão à condição de eminência
parda do futuro governo, sem nenhuma preocupação com a separação entre os
interesses de Estado e das corporações do bilionário — e menos ainda qualquer
compromisso com o mínimo de isenção política na plataforma digital que ele transformou
numa arma de difusão de propaganda ideológica.
Os próprios integrantes do STF preveem que
Musk e Trump voltarão sua metralhadora giratória na direção de Moraes e do
tribunal, o que também fica evidente diante do afã do adulador Zuckerberg em
mostrar de que lado está na nova ordem.
Ainda assim, a maioria dos ministros está
convencida de que lhes caberá estabelecer responsabilidades mais claras das
empresas na remoção de conteúdos com incitação ou propagação de crimes. A
divergência está na necessidade ou não de decisão judicial para que se exija
essa ação das gigantes de tecnologia. O presidente do Supremo, Luís Roberto
Barroso, abriu uma sutil divergência em relação ao relator, ministro Dias
Toffoli, ao pontuar que, naquilo que se refere a possíveis crimes contra a
honra, se faz necessária decisão da Justiça para evitar que se abra muito
espaço para subjetivismo na mediação de conteúdos que poderiam ou não ser
removidos.
A mudança de política da Meta e os torpedos
verbais de Trump e Musk em direção a governos e sistemas de Justiça que tentam
conter a transformação do ambiente digital em terra sem lei expõem não apenas o
Brasil, mas também países da Europa que caminham no mesmo sentido.
Será preciso que, por aqui, o Judiciário não
fique isolado numa “batalha contra o Império”, conforme ironizava ontem uma
autoridade. Como no Congresso o ímpeto de regulamentar as redes passou, cabe ao
governo ser mais proativo no debate — superando um silêncio com viés de omissão
do qual, aliás, os próprios ministros do STF se queixam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário