Valor Econômico
Partidos estão neste momento mais preocupados em redefinir algumas das regras que ditarão o jogo em 2026
Flores do recesso, diz a turma de cabeça
branca do jornalismo e do Congresso, são aquelas pautas que desabrocham do nada
quando há entressafra de notícias no cerrado do Planalto Central. Sazonais,
elas se aproveitam da ausência de flora de melhor qualidade para ganhar espaço
no jardim do noticiário quando deputados e senadores estão de férias, longe de
Brasília. Sua estação se dá na segunda quinzena de julho e em janeiro. Neste
recesso parlamentar, a flor da vez se chama Gusttavo Lima.
O meio político ainda enfrentava a ressaca provocada pela guerra judicial envolvendo as emendas ao Orçamento quando, no primeiro dia útil de 2025, o cantor sertanejo anunciou que pretende se candidatar à Presidência da República. Automaticamente, dirigentes partidários passaram a comentar a declaração. O grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) acusou-o de traição. Integrantes do governo, por sua vez, relativizaram a informação.
É realmente muito cedo para dizer se Gusttavo
Lima estará mesmo nas urnas em 2026 como candidato a presidente ou, como
sinalizava antes a interlocutores, a senador por Goiás. Mas, na ausência de
outras notícias, mais uma flor do recesso ganhava o mundo com o impulso das
redes sociais em seu processo de polinização.
Muita gente insistiu em analisar as peças que
estarão no tabuleiro sem perceber que, nos bastidores, os partidos estão neste
momento mais preocupados em redefinir algumas das regras que ditarão o jogo em
2026.
O PSD de Gilberto Kassab, por exemplo,
planeja dar novo impulso à proposta que institui o voto distrital misto nas
eleições proporcionais.
O Senado aprovou dois projetos sobre o
assunto em 2017, um de autoria do então senador José Serra (PSDB-SP) e outro do
ex-senador e atual deputado federal Eunício Oliveira (MDB-CE). Eles seguiram em
conjunto para a Câmara dos Deputados, mas desde então não avançaram.
Esse sistema combina o voto proporcional com
o distrital. O eleitor faz duas escolhas na urna: o candidato de seu respectivo
distrito e o partido de sua preferência. As cadeiras das casas legislativas são
preenchidas primeiramente pelos candidatos eleitos pelo voto distrital.
Esgotadas essas vagas, as cadeiras remanescentes são distribuídas entre
candidatos dos partidos mais bem votados.
A avaliação é que esse sistema tende a
reduzir o espaço para “aventureiros” na política. Isso porque, em tese, os
eleitores prefeririam votar em pessoas com atuação em suas comunidades - ou
distritos. Já as vagas proporcionais seriam ocupadas por candidatos ordenados
em uma lista definida pelos partidos. Grandes agremiações dificilmente dariam
prioridade a influenciadores e artistas em suas listas. As regras valeriam para
a escolha de vereadores e deputados estaduais, distritais e federais.
Há também propostas em relação à eleição para
senador. Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP)
chegou a apresentar um projeto para que cada eleitor passe a ter apenas um voto
quando houver a renovação de dois terços do Senado Federal. A regra atual é que
cada eleitor escolha dois candidatos na cédula de votação nesses momentos, que
ocorrem a cada oito anos.
Na visão da oposição, a medida poderia
reduzir as chances da direita eleger dois senadores em diversos Estados,
alterando de vez a correlação de forças na Casa que pode aprovar o impeachment
de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Houve reação, e Randolfe acabou
retirando a proposta de pauta para que o tema seja discutido no âmbito da
reforma eleitoral, que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ).
Em outra frente, o Republicanos defendeu
ainda no ano passado que sejam estudadas alternativas para a realização do
pleito de forma remota, por meio do computador ou do telefone celular, e que se
faça uma análise sobre a obrigatoriedade do voto. Para o partido, isso poderia
reduzir abstenções e facilitar o acesso dos eleitores ao processo eleitoral.
Por outro lado, os críticos da ideia argumentam que o modelo, que em tese
poderia gerar um comprovante do voto por meio da captura de telas, facilitaria
a compra de votos, a pressão do crime organizado sobre o eleitor e a influência
de igrejas na política.
A questão financeira também está em debate.
Em entrevista ao Valor logo
depois das eleições municipais, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto,
defendeu a volta do financiamento privado das campanhas. O modelo foi
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, na esteira
da Operação Lava-Jato, abrindo espaço para que um fundo com recursos públicos
passasse a custear as campanhas a partir de 2018. Outros partidos não estão
dispostos a aderir à polêmica briga, mas a tendência é que muitos deles
concordem em ampliar demais recursos do Orçamento utilizados por parlamentares
e pelas legendas para fazer política.
Este, aliás, é um tema que deve entrar na
pauta do Congresso assim que os parlamentares voltarem do recesso, quando forem
apreciados os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a trechos da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Um desses artigos vetados tentava
blindar as emendas parlamentares de bloqueios e contingenciamentos. Outro
permitia ao fundo partidário crescer no mesmo ritmo da arrecadação federal, ou
seja, fora dos limites do novo arcabouço fiscal. Flores do recesso podem deixar
à sombra o que realmente importa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário