quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

À sombra de Gusttavo Lima, nova flor do recesso - Fernando Exman

Valor Econômico

Partidos estão neste momento mais preocupados em redefinir algumas das regras que ditarão o jogo em 2026

Flores do recesso, diz a turma de cabeça branca do jornalismo e do Congresso, são aquelas pautas que desabrocham do nada quando há entressafra de notícias no cerrado do Planalto Central. Sazonais, elas se aproveitam da ausência de flora de melhor qualidade para ganhar espaço no jardim do noticiário quando deputados e senadores estão de férias, longe de Brasília. Sua estação se dá na segunda quinzena de julho e em janeiro. Neste recesso parlamentar, a flor da vez se chama Gusttavo Lima.

O meio político ainda enfrentava a ressaca provocada pela guerra judicial envolvendo as emendas ao Orçamento quando, no primeiro dia útil de 2025, o cantor sertanejo anunciou que pretende se candidatar à Presidência da República. Automaticamente, dirigentes partidários passaram a comentar a declaração. O grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) acusou-o de traição. Integrantes do governo, por sua vez, relativizaram a informação.

É realmente muito cedo para dizer se Gusttavo Lima estará mesmo nas urnas em 2026 como candidato a presidente ou, como sinalizava antes a interlocutores, a senador por Goiás. Mas, na ausência de outras notícias, mais uma flor do recesso ganhava o mundo com o impulso das redes sociais em seu processo de polinização.

Muita gente insistiu em analisar as peças que estarão no tabuleiro sem perceber que, nos bastidores, os partidos estão neste momento mais preocupados em redefinir algumas das regras que ditarão o jogo em 2026.

O PSD de Gilberto Kassab, por exemplo, planeja dar novo impulso à proposta que institui o voto distrital misto nas eleições proporcionais.

O Senado aprovou dois projetos sobre o assunto em 2017, um de autoria do então senador José Serra (PSDB-SP) e outro do ex-senador e atual deputado federal Eunício Oliveira (MDB-CE). Eles seguiram em conjunto para a Câmara dos Deputados, mas desde então não avançaram.

Esse sistema combina o voto proporcional com o distrital. O eleitor faz duas escolhas na urna: o candidato de seu respectivo distrito e o partido de sua preferência. As cadeiras das casas legislativas são preenchidas primeiramente pelos candidatos eleitos pelo voto distrital. Esgotadas essas vagas, as cadeiras remanescentes são distribuídas entre candidatos dos partidos mais bem votados.

A avaliação é que esse sistema tende a reduzir o espaço para “aventureiros” na política. Isso porque, em tese, os eleitores prefeririam votar em pessoas com atuação em suas comunidades - ou distritos. Já as vagas proporcionais seriam ocupadas por candidatos ordenados em uma lista definida pelos partidos. Grandes agremiações dificilmente dariam prioridade a influenciadores e artistas em suas listas. As regras valeriam para a escolha de vereadores e deputados estaduais, distritais e federais.

Há também propostas em relação à eleição para senador. Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) chegou a apresentar um projeto para que cada eleitor passe a ter apenas um voto quando houver a renovação de dois terços do Senado Federal. A regra atual é que cada eleitor escolha dois candidatos na cédula de votação nesses momentos, que ocorrem a cada oito anos.

Na visão da oposição, a medida poderia reduzir as chances da direita eleger dois senadores em diversos Estados, alterando de vez a correlação de forças na Casa que pode aprovar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Houve reação, e Randolfe acabou retirando a proposta de pauta para que o tema seja discutido no âmbito da reforma eleitoral, que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Em outra frente, o Republicanos defendeu ainda no ano passado que sejam estudadas alternativas para a realização do pleito de forma remota, por meio do computador ou do telefone celular, e que se faça uma análise sobre a obrigatoriedade do voto. Para o partido, isso poderia reduzir abstenções e facilitar o acesso dos eleitores ao processo eleitoral. Por outro lado, os críticos da ideia argumentam que o modelo, que em tese poderia gerar um comprovante do voto por meio da captura de telas, facilitaria a compra de votos, a pressão do crime organizado sobre o eleitor e a influência de igrejas na política.

A questão financeira também está em debate. Em entrevista ao Valor logo depois das eleições municipais, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, defendeu a volta do financiamento privado das campanhas. O modelo foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, na esteira da Operação Lava-Jato, abrindo espaço para que um fundo com recursos públicos passasse a custear as campanhas a partir de 2018. Outros partidos não estão dispostos a aderir à polêmica briga, mas a tendência é que muitos deles concordem em ampliar demais recursos do Orçamento utilizados por parlamentares e pelas legendas para fazer política.

Este, aliás, é um tema que deve entrar na pauta do Congresso assim que os parlamentares voltarem do recesso, quando forem apreciados os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Um desses artigos vetados tentava blindar as emendas parlamentares de bloqueios e contingenciamentos. Outro permitia ao fundo partidário crescer no mesmo ritmo da arrecadação federal, ou seja, fora dos limites do novo arcabouço fiscal. Flores do recesso podem deixar à sombra o que realmente importa.

 

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