O Estado de S. Paulo
Diante do quadro de permissão e aplauso da violência, é importante saber se tal posicionamento corresponde a uma convicção antidemocrática da população
A Câmara dos Deputados vem de aprovar projeto
de lei que prevê a castração química de pedófilos, devendo os infratores serem
submetidos à inibição de impulsos sexuais, com o uso contínuo de medicamentos,
em votação comemorada pelo capitão Jair Bolsonaro.
Como observa editorial do Estadão de
15/12/2024 (A23), a pena cominada é, além de cruel, invasiva da privacidade e
fere a dignidade humana. Para deputado do PL do Rio Grande do Sul, no entanto,
é uma “medida menos gravosa porque o ideal era a pena de morte”.
Lançamento de rapaz do alto de ponte, como um
saco de lixo, em ato gratuito de soldado com gosto pelo abuso de poder, revela
extrema malvadez. Senador de Santa Catarina se permitiu fazer gracinha diante
de ato tão violador da pessoa humana. Disse ele: “O erro dos policiais foi ter
jogado o meliante em um córrego? Não foi penhasco? (...) Tomar banho no córrego
é prêmio. Minha solidariedade aos PMs”.
A violência policial deflui em grande parte da autorização para tanto que a tropa recebe de seus superiores, sejam agentes políticos, sejam oficias da corporação, correspondendo, portanto, a uma linha política dos governos estaduais.
Diante desse quadro de permissão e aplauso da
violência, por membros da classe política, é importante saber se tal
posicionamento corresponde a uma convicção antidemocrática de nossa população.
A violência da Polícia Militar em vários Estados, como Rio de Janeiro, Amapá,
Bahia, Sergipe, São Paulo, denotaria uma tendência a se admitir também a
violência política e a aceitação de regime de extrema direita? Desse modo, a
democracia está sob ameaça?
A resposta pode ser melhor estudada com a
pesquisa realizada pelo conceituado Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e
Econômicas (Ipespe) acerca da opinião pública sobre democracia, em universo de
3 mil pessoas consultadas, homens e mulheres de diversos extratos sociais e
variada idade.
Para maioria significativa dos entrevistados,
a democracia é o melhor sistema de governo, pois permite resolver nossos
problemas, sendo preferível a qualquer outro. Adentrando mais a fundo, a
maioria considera que democracia significa liberdade, sendo a religiosa e a de
ir e vir as mais garantidas. Contudo, 55% das pessoas se dizem insatisfeitas
com a democracia, sendo que para 45% ela funciona mal ou muito mal.
Quanto à credibilidade que geram as
instituições, os dados são significativos: 55% não confiam no Supremo Tribunal
Federal e no governo federal, enquanto 78% não confiam no Congresso Nacional.
No sistema de Justiça, as polícias têm 52% de confiança, enquanto juízes apenas
47% e promotores ainda menos, 43%. As Forças Armadas são as mais críveis, no
porcentual de 58%, quase o mesmo das igrejas, 55%, enquanto os partidos
políticos têm credibilidade de apenas 13%.
Pequena é a participação política, pois
somente expressiva minoria participa de associações de moradores ou de campanha
política, e muito menos participa de manifestações públicas.
Curiosamente, para 69% as redes sociais
atrapalham e confundem muito as escolhas, razão pela qual deveriam ser
submetidas à regulação. Para a maioria houve em 8 de janeiro de 2023 risco de
golpe de Estado. Conforme 42%, o risco foi grande, sendo, todavia, pequeno para
17%; assim, para 59% houve risco. Nessa linha, julgase que a democracia está
ameaçada segundo opinam 70% dos entrevistados.
Podem ser cruzados alguns dados, tendo-se por
partida que grande maioria considera a democracia o melhor sistema, apto a
resolver nossos problemas. Todavia, não se confiam em duas instituições
essencialmente características da democracia: o Congresso e os partidos
políticos, sem os quais impera um regime autoritário. Essa desconfiança para
com esses dois pilares explica que haja insatisfação com a democracia, malgrado
se a considere positiva. Prefere-se o sistema democrático, mas que funciona mal
no Brasil. Em conclusão, admira-se a democracia, mas não a do nosso país.
Muito relevante é, de um lado, não se confiar
no Poder Legislativo e, menos ainda, nas agremiações políticas, e, em
contrapartida, atribuir maior credibilidade às Forças Armadas, instituição na
qual se confia bem mais que no Supremo Tribunal Federal. A segunda mais crível
é a polícia, superando o Ministério Público.
A política, de outra parte, não é assunto a
preocupar ou a engajar a população, que se mantém distante de envolvimento com
partidos políticos e alheia à reivindicação pública.
Em suma, o povo prefere a democracia, mas
rejeita a política e o debate. Quer a liberdade, mas não o ônus da vivência do
confronto de ideias. Assim, ganham a antipolítica e as Forças Armadas, e as
polícias surgem como instituições mais confiáveis.
Com a preferência pela democracia, teria sido
fácil aos políticos e suas agremiações ganharem admiração. Todavia, só geraram
descrença, abrindo brecha para o discurso golpista. Também o aplauso à
violência, por parlamentares e governadores, mostra um campo minado contra a
liberdade. Ameaça à democracia só distante, mas merecedora de cautela.
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