Valor Econômico
Governo ficou de novo com a pecha de querer
ajustar as contas só com mais receitas
As despesas continuam crescendo, mas isso
segue como um “não assunto” no alto escalão do governo. Esse é o problema. Não
tem aumento de IOF ou taxação de bets que dê jeito nisso.
Divulgado na semana passada, o Relatório de
Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (Rardp) mais conhecido como
“bimestral”, informa que as despesas obrigatórias deste ano ficarão R$ 36,4
bilhões maiores do que o previsto quando o Orçamento do ano foi aprovado.
Para ter uma ideia: o orçamento do Ministério da Justiça este ano é de R$ 22 bilhões. O dos Transportes, R$ 30,8 bilhões. O da Cultura, R$ 4 bilhões. O do Povos Indígenas, R$ 1,3 bilhão. É dessa ordem de grandeza que estamos falando.
Dos acréscimos, o maior foi feito na conta de
benefícios previdenciários: R$ 16,7 bilhões. O bimestral informa que a revisão
foi feita com base nos dados observados de janeiro a abril deste ano.
Constatou-se, pelo andar da carruagem, a conta de benefícios “normais” ficaria
R$ 9 bilhões maior do que o previsto, e a de precatórios previdenciários, R$
7,7 bilhões mais elevada. Detalhe: há 2,7 milhões de pedidos na fila.
Outra despesa que está em alta e é alvo de
preocupação do governo é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a
idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Nesse caso, foi necessário
acrescentar R$ 2,8 bilhões. O motivo do crescimento é a concessão do benefício
por via judicial, o que ocorre a partir de uma legislação apontada por técnicos
como vaga. O governo tentou apertá-la no ano passado, mas o Congresso barrou a
iniciativa.
As transferências para o Fundeb foram
elevadas em mais R$ 2,1 bilhões porque são atreladas à arrecadação, e esta teve
bom desempenho neste início de ano.
Todas essas revisões para cima mostram como o
sofrido pacote de ajuste fiscal de novembro passado, cuja elaboração passou por
todos esses temas, foi insuficiente para conter o avanço das despesas.
Nem por isso as discussões foram retomadas.
Pelo contrário, estão sendo empacotados no Planalto novos programas que podem
ou não impactar as contas públicas.
Em reação ao avanço das despesas, o bimestral
trouxe uma contenção de R$ 31,3 bilhões. É um valor superior ao esperado pelo
mercado, mas incapaz de garantir que as contas públicas fecharão o ano no
centro da meta, que é o déficit zero. O resultado ficará na margem de
tolerância, que admite déficit de até R$ 30,9 bilhões.
Os bloqueios e contingenciamentos de gastos
anunciados na semana passada deveriam funcionar como um gesto de ajuste das
contas pelo lado das despesas.
Porém, veio no mesmo pacote o aumento do IOF.
De novo, o governo ficou com a pecha de querer ajustar as contas só com mais
receitas.
“É um programa novo hoje e um aumento de
imposto amanhã; não dá”, sentenciou o presidente da Federação das Indústrias de
Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, em conversa com a coluna. “É visão de
curto prazo, de fechar o Orçamento do ano para garantir medidas eleitorais de
urgência.”
O empresariado pressiona o Congresso a
reverter a alta do IOF. Há duas dezenas de propostas com esse objetivo em
tramitação.
“É evidente, neste caso, o uso do IOF com
viés puramente arrecadatório, descolado de sua função extrafiscal, o que
vulnera a segurança jurídica e compromete a confiança dos agentes econômicos”,
escreveu o deputado Valdir Cobalchini (MDB-SC), para justificar seu projeto. “O
decreto, portanto, ultrapassa os limites do poder regulamentar, ao criar
obrigações tributárias não previstas em lei e aumentar a carga tributária sem
respaldo legislativo, ferindo inclusive os princípios da anterioridade e da
noventena.”
Se a via legislativa não prosperar, como
parece ser a tendência, existe a possibilidade de recorrer à Justiça. A Fiemg é
uma das que estudam essa possibilidade.
O aumento é ruim para as empresas e para a
população, avaliou Roscoe. Com a nova taxação sobre operações de crédito, os
juros se aproximam dos 18,5% ao ano, calculou. “É surreal, tira a capacidade da
economia de reagir.”
Esse aumento nos custos será repassado,
comentou. Assim, o resultado deve ser mais inflação. “Vai trazer perda de renda
para a população.”
Toda a movimentação contra a alta do IOF
acentua as dúvidas sobre seu desempenho arrecadatório. Além do risco de
judicialização, existe o planejamento tributário. Empresas e as pessoas de alta
renda poderão encontrar alternativas para escapar do aumento.
“O que o governo fez, no final, trouxe mais
risco”, comentou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “O problema
geral é o regime fiscal, que precisa ser mudado porque as regras do arcabouço
são frágeis para o que precisamos atingir.” Ele, porém, é cético quanto a
qualquer alteração por agora. “Vamos ter que aguardar 2027.”
A falta de espaço político, em várias
dimensões, para discutir a redução das despesas resultou nisso: uma solução
pelo lado das receitas, puxada do fundo do baú e pouco discutida internamente.
Criticada por todos os lados, virou mais uma fonte de desgaste para o governo.
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