quarta-feira, 28 de maio de 2025

"Furiosa obsessão negativa contra os ganhos do Judiciário" - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Em uma fala na Fundação Getúlio Vargas, o ministro  Luis Roberto Barroso , Presidente do Supremo Tribunal Federal(STF), de maneira irônica, afirmou  que muita gente pensa que governar é subir num palanque  e ficar  esbravejando discursivamente. Quando Barroso terminou ,  Jair Bolsonaro, que  tinha sido também convidado, e estava lá no auditório, levantou-se,  pediu o microfone, e  assinalou : Não, não é . O Ministro tem razão. É ir para as ruas ouvir as mães desesperadas com a segurança, as pessoas  reclamando de não ter o que comer, a falta de emprego, de habitação, de medicamentos e, usando  suas prerrogativas de chefes de estado,  buscar soluções para os  problemas que atormentam os cidadãos. 

E aí , sem alarde, deu sua alfinetada: Não é se instalar atrás de  paredes de vidro, em salas fechadas,  olhando e decidindo encastelado,  monocraticamente, questões pendentes sobre  as contradições vividas pela população , e que alimentam a manutenção de castas de privilégios dentro do Estado. Acrescentou: O Judiciário fala para si mesmo; o Executivo  ouve a população.  Foi esse mais ou menos o tom  dos dois depoimentos, que teve   desdobramentos  autocríticos  e inusitados junto à opinião pública.

Luís  Roberto Barroso  preside,  concomitantemente, o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, e tem sido questionado  a dar explicações sobre um Judiciário politizado e, sobretudo, os  "pendurucalhos"  agregados, com frequência, aos salários do Judiciário,  quase sempre  "dando nós"  nos acordos feitos entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo destinados a  estabelecer uma política salarial comum . O último ocorreu no dia  1º de fevereiro de 2025, e o limite   foi o teto das remunerações dos ministros do STF, de  R$ 46.366,19 por mês. Alto, sim. Porém  quase uma ficção, porque é mais alto ainda...

O Judiciário  sempre estourou os limites , de cima para baixo - de ministro para  juiz -, agregando , aos seus vencimentos  diversos  "pendurucalhos" fora desses acordo entre Poderes:  direito a planos de saúde, a residência funcional "digna", a seguros  e segurança pessoal e em família, a educação para os filhos, a alimentação , a  polpudas diárias de viagem ( algumas em dólar), sem falar nas aposentadorias obrigatórias  aos 70 anos, sem impedimentos para que os magistrados  na compulsória  retornem    ao exercício pleno da  advocacia,  assessorando  escritórios ou  familiares credenciados para atuar junto ao próprio Supremo.

Mais recente, os juízes  em exercício passaram  a receber   seis diárias por mês (no valor de R$ 10 mil) e tiveram o privilégio de requisitar aviões  da Força Aérea Brasileira para deslocarem-se pelo País, sob a alegação de protegerem-se contra a ódio reinante na sociedade. Outros benefícios  pairam silenciosos  na mudez privativa   dos  holerites ou contra cheques nos quais são detalhados os rendimentos totais , descontos e outras informações relevantes sobre a remuneração do servidor, como a isenção do pagamento de imposto de renda.

Diante dessa  extensa lista de privilégios, cheios de inflexões, que desequilibra  os tetos  acordados entre Poderes,  o ministro Barroso, que em breve  entregará a  Presidência do STF  ao ministro Edison Fachin e, por consequinte, do CNJ, decidiu estabelecer limites para o que ele mesmo reconheceu como "abusos"  de juízes cobrando  rescaldos de  "pendurucalhos" vultuosos  atrasados , embora   na sua gestão no CNJ ele tenha aberto o caminho  para a praticas  se  reproduzir pela Justiça em todo Brasil . Qualquer juiz podia acionar os segmentos administrativos por erros de cálculo , o que levou a gastos extras do Tesouro da ordem de R$ 300 milhões, no período que vai de  2020 a 2024. 

Considera-se, entretanto,  como  o mais problemático, entre os "penduracalhos", a chamada  "licença compensatória",  aplicado, como benefício financeiro suplementar   a juízes  que acumulem funções administrativas  ou outras "atividades processuais extraordinárias", o que  lhes dá  direito  a um dia de folga, por no máximo dez dias . No caso de não desfrutar do  privilégio, pode ser indenizado financeiramente.  A vantagem   chegou  há tempos ao Ministério Público - este mesmo que se propõe a representar os  interesse da sociedade -  e apenas teria sido estendido pelo Conselho Nacional de Justiça para os tribunais superiores: Justiça, Trabalho, Militar , Tribunal de Contas e a Defensoria Pública.  Como nem o Congresso Nacional, nem o Executivo reclamaram do privilégio ficou ali. Foi e continua se  espraiando pelo Judiciário.

Na réplica ao Ministro Barroso, o ex-presidente da República, num puro estilo populista,  ao tentar estabelecer uma analogia  entre os ganhos do Judiciário e o dos cidadãos comuns, disse ter se inspirado numa pesquisa recente,   sobre o salário do brasileiro,  realizada pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístca , segundo a qual  o rendimento médio do 1% da parcela mais abastada  da população recebia R$ 21,8 mil por mês, enquanto  a renda domiciliar  média, per capita, de  5% dos mais pobres  era de R$ 154 mil . Não  dava para fazer frente sequer  a uma cesta básica, cujo valor varia entre  entre  R$ 849,90, no Rio de Janeiro , a R$ 909, 25, em São Paulo. 

Diante um cenário desses o brasileiro  engasga-se todo dia  com  dados  oficiais divulgados sistematicamente, informando que o desemprego está em declínio , embora um monte  de empresas estejam fechando suas portas; ou que a inflação está contida. O PAC vai dar conta de tudo.  Sobre a taxa de juros ninguém arrisca fazer uma previsão. Ela vem alimentando  vagarosamente um grande calote. A solução oferecida é mais que técnica: "Não comprem! Resistam!....  A propaganda  otimista aconselha a trocar a carne pelo ovo, mas o preço do ovo também subiu muito. 

Está aí a origem da "Furiosa obsessão negativa contra o Judiciário", et caterva - frase de Barroso, ao defender os tais privilégios no Judiciário, que, nas licitações públicas,  chega a incluir  "lagosta"  e - quem sabe -"ovas de esturjão  russo", materialidades sem qualquer relação com as responsabilidades constitucionais. Atitudes como essas,   introduzidas nas práticas governativas vão, aos poucos, minando a credibilidade das instituições  e expandindo a indignação pública. Governo, políticos e empresário  vem perdendo  capacidade de fazer previsões .  Daqui para frente não sabe mais o que esperar . Isso não pode terminar bem.
 
*Jornalista e professor.

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