Em uma fala na Fundação Getúlio Vargas, o ministro Luis Roberto Barroso , Presidente do Supremo Tribunal Federal(STF), de maneira irônica, afirmou que muita gente pensa que governar é subir num palanque e ficar esbravejando discursivamente. Quando Barroso terminou , Jair Bolsonaro, que tinha sido também convidado, e estava lá no auditório, levantou-se, pediu o microfone, e assinalou : Não, não é . O Ministro tem razão. É ir para as ruas ouvir as mães desesperadas com a segurança, as pessoas reclamando de não ter o que comer, a falta de emprego, de habitação, de medicamentos e, usando suas prerrogativas de chefes de estado, buscar soluções para os problemas que atormentam os cidadãos.
E aí , sem alarde, deu sua alfinetada: Não é se instalar atrás de paredes de vidro, em salas fechadas, olhando e decidindo encastelado, monocraticamente, questões pendentes sobre as contradições vividas pela população , e que alimentam a manutenção de castas de privilégios dentro do Estado. Acrescentou: O Judiciário fala para si mesmo; o Executivo ouve a população. Foi esse mais ou menos o tom dos dois depoimentos, que teve desdobramentos autocríticos e inusitados junto à opinião pública.
Luís Roberto Barroso preside, concomitantemente, o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, e tem sido questionado a dar explicações sobre um Judiciário politizado e, sobretudo, os "pendurucalhos" agregados, com frequência, aos salários do Judiciário, quase sempre "dando nós" nos acordos feitos entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo destinados a estabelecer uma política salarial comum . O último ocorreu no dia 1º de fevereiro de 2025, e o limite foi o teto das remunerações dos ministros do STF, de R$ 46.366,19 por mês. Alto, sim. Porém quase uma ficção, porque é mais alto ainda...
O Judiciário sempre estourou os limites , de cima para baixo - de ministro para juiz -, agregando , aos seus vencimentos diversos "pendurucalhos" fora desses acordo entre Poderes: direito a planos de saúde, a residência funcional "digna", a seguros e segurança pessoal e em família, a educação para os filhos, a alimentação , a polpudas diárias de viagem ( algumas em dólar), sem falar nas aposentadorias obrigatórias aos 70 anos, sem impedimentos para que os magistrados na compulsória retornem ao exercício pleno da advocacia, assessorando escritórios ou familiares credenciados para atuar junto ao próprio Supremo.
Mais recente, os juízes em exercício passaram a receber seis diárias por mês (no valor de R$ 10 mil) e tiveram o privilégio de requisitar aviões da Força Aérea Brasileira para deslocarem-se pelo País, sob a alegação de protegerem-se contra a ódio reinante na sociedade. Outros benefícios pairam silenciosos na mudez privativa dos holerites ou contra cheques nos quais são detalhados os rendimentos totais , descontos e outras informações relevantes sobre a remuneração do servidor, como a isenção do pagamento de imposto de renda.
Diante dessa extensa lista de privilégios, cheios de inflexões, que desequilibra os tetos acordados entre Poderes, o ministro Barroso, que em breve entregará a Presidência do STF ao ministro Edison Fachin e, por consequinte, do CNJ, decidiu estabelecer limites para o que ele mesmo reconheceu como "abusos" de juízes cobrando rescaldos de "pendurucalhos" vultuosos atrasados , embora na sua gestão no CNJ ele tenha aberto o caminho para a praticas se reproduzir pela Justiça em todo Brasil . Qualquer juiz podia acionar os segmentos administrativos por erros de cálculo , o que levou a gastos extras do Tesouro da ordem de R$ 300 milhões, no período que vai de 2020 a 2024.
Considera-se, entretanto, como o mais problemático, entre os "penduracalhos", a chamada "licença compensatória", aplicado, como benefício financeiro suplementar a juízes que acumulem funções administrativas ou outras "atividades processuais extraordinárias", o que lhes dá direito a um dia de folga, por no máximo dez dias . No caso de não desfrutar do privilégio, pode ser indenizado financeiramente. A vantagem chegou há tempos ao Ministério Público - este mesmo que se propõe a representar os interesse da sociedade - e apenas teria sido estendido pelo Conselho Nacional de Justiça para os tribunais superiores: Justiça, Trabalho, Militar , Tribunal de Contas e a Defensoria Pública. Como nem o Congresso Nacional, nem o Executivo reclamaram do privilégio ficou ali. Foi e continua se espraiando pelo Judiciário.
Na réplica ao Ministro Barroso, o ex-presidente da República, num puro estilo populista, ao tentar estabelecer uma analogia entre os ganhos do Judiciário e o dos cidadãos comuns, disse ter se inspirado numa pesquisa recente, sobre o salário do brasileiro, realizada pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístca , segundo a qual o rendimento médio do 1% da parcela mais abastada da população recebia R$ 21,8 mil por mês, enquanto a renda domiciliar média, per capita, de 5% dos mais pobres era de R$ 154 mil . Não dava para fazer frente sequer a uma cesta básica, cujo valor varia entre entre R$ 849,90, no Rio de Janeiro , a R$ 909, 25, em São Paulo.
Diante um cenário desses o brasileiro engasga-se todo dia com dados oficiais divulgados sistematicamente, informando que o desemprego está em declínio , embora um monte de empresas estejam fechando suas portas; ou que a inflação está contida. O PAC vai dar conta de tudo. Sobre a taxa de juros ninguém arrisca fazer uma previsão. Ela vem alimentando vagarosamente um grande calote. A solução oferecida é mais que técnica: "Não comprem! Resistam!.... A propaganda otimista aconselha a trocar a carne pelo ovo, mas o preço do ovo também subiu muito.
Está aí a origem da "Furiosa obsessão negativa contra o Judiciário", et caterva - frase de Barroso, ao defender os tais privilégios no Judiciário, que, nas licitações públicas, chega a incluir "lagosta" e - quem sabe -"ovas de esturjão russo", materialidades sem qualquer relação com as responsabilidades constitucionais. Atitudes como essas, introduzidas nas práticas governativas vão, aos poucos, minando a credibilidade das instituições e expandindo a indignação pública. Governo, políticos e empresário vem perdendo capacidade de fazer previsões . Daqui para frente não sabe mais o que esperar . Isso não pode terminar bem.
*Jornalista e professor.
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