O Globo
Qualquer eleição pode ser influenciada por
diversos fatores que desvirtuam a vontade real da maioria
Já escrevi diversas vezes que não considero
correta a tese de que a composição do Congresso represente o povo brasileiro.
Equivaleria a dizer que críticas a decisões dos parlamentares seriam críticas
aos cidadãos que os colocaram lá. Como se não houvesse manipulação na lista
apresentada pelos partidos aos eleitores, ou se os votos de cabresto não
existissem mais.
A cada indício de que as máquinas governamentais são usadas na captura de votos; a cada indicação de que milícias ou facções criminosas aumentam seus interesses nas decisões políticas, escolhendo candidatos; sempre que o aumento da influência das religiões na política se evidencia; quando os lobbies econômicos interferem nas votações — tudo isso deixa claro que o resultado da composição da Câmara dos Deputados, do Senado, das Assembleias Legislativas e das Câmaras dos Vereadores tem mais a ver com interferências externas do que com a representação da sociedade.
A prévia do Partido Democrata de Nova York
chamou a atenção para o ranked choice voting, ou “voto ranqueado”, em teste em
diversos lugares dos Estados Unidos. Um candidato que se define como
“progressista e muçulmano”, Zohran Mamdani, venceu o ex-governador do estado
Andrew Cuomo, que tinha o apoio de várias grandes figuras dos democratas. O
vencedor teve o apoio maciço de eleitores jovens, e sua vitória foi vista por
integrantes conservadores como indicação de que o Partido Democrata está indo
mais longe para a esquerda, em resposta à gestão Trump.
Há diversos experimentos, especialmente lá,
para tentar superar a polarização política e fazer com que o resultado das
urnas espelhe realmente o desejo amplo dos eleitores. Ronaldo Lemos,
especialista em tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio),
lembrou que a mudança nos critérios de votação para o Big Brother Brasil (BBB),
acontecida há alguns anos, mostra que qualquer eleição pode ser influenciada
por diversos fatores que desvirtuam a vontade real da maioria.
Um desses experimentos é o voto ranqueado, já
usado em 18 localidades nos Estados Unidos, para definição de orçamento público
ou mesmo escolha de candidatos, a exemplo de países como Austrália, Nova
Zelândia, Malta ou Irlanda. Ele permite que os eleitores escolham quantos
candidatos quiserem, atribuindo-lhes uma ordem de preferência. Candidatos que
obtêm mais primeiras escolhas, mas também aparecem como segunda ou terceira
opção dos eleitores, têm melhor pontuação, maior chance de se eleger.
Se um candidato receber a maioria de votos na
primeira escolha, está eleito. Caso contrário, o candidato com menor número de
primeiras escolhas é descartado, e seus votos redistribuídos. O processo
continua até que algum candidato obtenha maioria, como ocorreu agora em Nova
York. O resultado oficial ainda não saiu porque o sistema prevê a eliminação
dos menos votados e a recontagem de votos. O vencedor já está definido, porque
Mamdani já superou 50% dos votos, mas as demais colocações ainda estão sendo apuradas.
Os defensores do voto ranqueado acham que ele
muda as campanhas e a própria eleição em várias medidas, além de incentivar a
alternância de poder. Os eleitores também têm menos estímulo para não votar,
pois podem dar a primeira escolha a seu candidato preferido, mesmo que ele
tenha pouca chance de ganhar, mas distribuir os demais votos estrategicamente
para barrar um candidato ou fazer com que sua segunda escolha saia beneficiada.
Outra vantagem é desencorajar a campanha negativa, pois os candidatos pretendem
obter o segundo ou terceiro votos do eleitor.
Várias cidades dos Estados Unidos, como
Minneapolis, San Francisco e Santa Fé, já adotam o ranqueamento, permitindo que
os eleitores, em vez de votar contra alguém, possam votar naqueles que
realmente refletem seu desejo, acabando com o voto útil, a escolha do “mal
menor” tão em voga no Brasil.
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