quinta-feira, 26 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editorials / Opiniões

Apagão fiscal está mais próximo do que se imagina

O Globo

Sem medidas estruturais de controle de gastos, IFI prevê dificuldade para governo funcionar já em 2026

Com um governo que só quer saber de gastar e um Congresso que só defende a austeridade da boca para fora, não poderia ser diferente. A irresponsabilidade crônica cobrará um preço alto. O apagão fiscal está mais próximo do que se costuma imaginar. O risco de colapso da capacidade administrativa do governo é iminente, de acordo com os cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI). A persistirem as regras atuais de indexação de gastos, o contingenciamento necessário para cumprir a meta do arcabouço fiscal aumentará a ponto de, já no ano que vem, tornar inviáveis as despesas do governo com custeio da máquina pública e investimentos.

A perspectiva de paralisia do Estado serve de alerta: governo e Congresso devem tomar com urgência medidas de controle de gastos, sobretudo a desvinculação dos reajustes de benefícios previdenciários do salário mínimo e dos pisos constitucionais de gastos em saúde e educação da arrecadação. Já passou há muito o tempo para procrastinação. Apenas medidas estruturais poderão desarmar a bomba fiscal.

Negar o óbvio só retardará a solução do problema. Mantido o statu quo, a IFI prevê resultado negativo crescente nas contas públicas. Descontado o pagamento de juros da dívida, o déficit subirá de 0,66% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 para 2,7% daqui a dez anos. A dívida como proporção do PIB sairá dos já exorbitantes 77,6% para inacreditáveis 124,9% em 2035. Quanto maior o endividamento, vale lembrar, maior o gasto com sua manutenção e menos recursos sobram para facilitar o crescimento econômico, melhorar a qualidade dos empregos e promover a ampliação da renda.

Esse debate é inescapável e não pode ficar restrito às medidas de caráter circunstancial — como as necessárias para equilibrar as contas depois do vaivém em torno da desastrosa elevação do IOF pelo governo. A IFI reconhece que as metas para 2025 deverão ser cumpridas, mas apenas graças à margem de tolerância prevista no arcabouço. Provavelmente não serão necessários novos contingenciamentos, além dos R$ 20,7 bilhões já anunciados, ainda assim o déficit primário ficará em R$ 83,1 bilhões. A bomba fiscal explodirá em 2026, e não em 2027, já depois da eleição, como muitos supunham.

Depois de assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs — e o Congresso aprovou — regra prevendo aumento do salário mínimo acima da inflação. Como 70% dos benefícios da Previdência estão indexados ao mínimo, a medida se tornou um catalisador de gastos. Cada real de aumento eleva as despesas da Previdência em R$ 400 milhões. Somente o reajuste deste ano causou impacto de R$ 42,5 bilhões. Desfazer esse erro não condenará ninguém à miséria. O poder de compra estará garantido se os benefícios forem reajustados pela inflação, como antes.

Outro equívoco foi restaurar a vinculação de despesas com saúde e educação à arrecadação. Pela regra atual, quando a receita aumenta, o gasto com as duas áreas cresce obrigatoriamente. Por óbvio, saúde e educação são prioritárias, mas o certo seria corrigir pela inflação. A regra atual é insustentável, pois comprime o orçamento de outras áreas também essenciais. O inchaço de despesas obrigatórias inviabiliza investimentos e o custeio da máquina. Essas são apenas duas distorções, as mais óbvias, que governo e Congresso podem resolver com rapidez se quiserem parar de fazer jogo de cena.

Anac acertou ao suspender autorização para Voepass operar

O Globo

Depois do acidente que matou 62 pessoas, empresa fez quase 2.700 voos sem manutenção adequada

Foi sensata a decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de cassar o certificado de operação da Passaredo Transportes Aéreos, principal empresa do grupo Voepass. O cancelamento ocorre dez meses depois de um acidente que matou 58 passageiros e quatro tripulantes no interior de São Paulo. Em março, o registro já fora suspenso de forma cautelar. Agora não cabe mais recurso. A agência aplicou também multa de R$ 570 mil à empresa, em razão de “falhas graves e persistentes” nas inspeções obrigatórias.

Segundo a Anac, depois do acidente em agosto passado, a Voepass operou 2.687 voos com aeronaves sem manutenção adequada e sem condição de navegar. A empresa deixou de cumprir reiteradamente suas obrigações diante da agência, pondo em risco a segurança. Falhas do tipo não são incomuns nas empresas aéreas, mas precisam ser corrigidas. No caso da Voepass, diz a Anac, a estrutura da empresa deixou de oferecer garantias de que seriam tratadas antes de comprometer a segurança.

O acidente aconteceu durante voo entre Cascavel (PR) e Guarulhos (SP). O turboélice ATR 72-500 caiu sobre o quintal de uma casa num condomínio de Vinhedo, interior de São Paulo, sem deixar sobreviventes. Foi o mais grave desastre aéreo no Brasil desde 2007, quando um avião da TAM se chocou contra um prédio e pegou fogo no Aeroporto de Congonhas (SP), matando 199 pessoas.

As causas ainda estão em investigação. Um relatório preliminar divulgado em setembro pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) mostrou, com base na análise das caixas-pretas, que em ao menos dois momentos piloto e copiloto comentaram sobre formação de gelo. Segundo investigadores, o avião voou seis minutos com aviso para gelo ligado sem que nenhum sistema tenha sido acionado para lidar com a situação. Não se sabe se foi esse o problema que levou à queda. Em nenhum momento a tripulação relatou emergência.

A decisão da Anac não está ligada ao acidente, mas se justifica pela necessidade de preservar a segurança da aviação. É assustadora a constatação de que aviões da companhia — que operava voos para 16 destinos — saíam do solo sem que fossem cumpridos os protocolos necessários. O passageiro que compra o bilhete de uma empresa certificada não pode imaginar que viajará numa aeronave com falhas de manutenção. Acidentes podem acontecer por uma série de fatores, mas é inaceitável que se criem condições favoráveis a que ocorram. A cassação definitiva do registro pode parecer medida severa, equivalente a uma “pena perpétua”, como alegou representante da Voepass. Mas, em aviação, segurança é requisito inegociável.

Estudos mostram tamanho do desafio ambiental do país

Valor Econômico

Queimadas e a exploração exaustiva dos solos está aniquilando a Amazônia e o Cerrado, no qual se concentram as nascentes das principais bacias hidrográficas brasileiras

Os rios dos principais biomas brasileiros perdem fluxo, a vegetação está mais seca e o fogo provocou destruição recorde em 2024, em um círculo vicioso que tende a se agravar e prenuncia tempos difíceis para a agricultura brasileira. Dois estudos, da Ambiente Media e do MapBiomas, mostram a interação das queimadas e da exploração exaustiva dos solos, que está aniquilando a Amazônia e o Cerrado, no qual se concentram as nascentes das principais bacias hidrográficas brasileiras. A conclusão de ambos é a mesma: o aquecimento global é uma parte importante, mas menor, diante da ação humana. A maior parte dos levantamentos que estão sendo divulgados no ano da COP30 mostra um panorama ecológico desolador para um país que se pretende vanguarda ambiental.

A destruição pelo fogo atingiu um pico no ano passado, com 30 milhões de hectares queimados, ou 62% acima da média histórica, revelou o primeiro Relatório Anual do Fogo, elaborado pelo MapBiomas. Mais da metade da área queimada (52%) se localiza na Amazônia, com 15,6 milhões de hectares atingidos. Não está sozinha — ela e o Cerrado concentram 86% dos territórios calcinados no país. “As áreas queimadas que marcaram o bioma em 2024 são resultado da ação humana, especialmente em um cenário agravado por dois anos consecutivos de seca severa”, diz o coordenador do mapeamento do bioma, Felipe Martenexen.

Chama a atenção, em primeiro lugar, a extensão dos incêndios ao longo dos anos. Um quarto do território nacional queimou pelo menos uma vez entre 1985 e 2024 — 206 milhões de hectares foram afetados nos seis biomas. Deles, o Cerrado foi a principal vítima recorrente do fogo, com 3,7 milhões de hectares atingidos 16 vezes em 40 anos. Proporcionalmente, porém, os danos foram maiores no Pantanal. O bioma teve 3 em cada 4 hectares queimados duas vezes ou mais no período. Quase todos os incêndios (93%) atacaram vegetação nativa, e o bioma teve a maior prevalência de queimadas superiores a 100 mil hectares (19,6%).

Não só o fogo devorou mais áreas, como mudou seu alvo, que migrou em 2024 para as formações florestais, as mais afetadas, com 7,7 milhões de hectares, com alta de 287% em relação à média. Pior ainda, até o ano passado, a maior parte das áreas queimadas (27%) possuía entre 10 e 250 hectares. Em 2024, 29%, ou quase um terço, foram atingidas por megaincêndios que se alastraram por mais de 100 mil hectares. A devastação se agravou nos últimos anos, com a ocorrência de fogo nos últimos 10 anos (2014-23) por 43% de toda a área queimada desde 1985.

O ano passado foi muito ruim para a Mata Atlântica, que teve o recorde de 1,2 milhão de hectares queimados, a maior perda em um ano desde 1985. Os números empalidecem perto do que ocorreu na Amazônia, com mudança qualitativa da destruição pelo fogo. A vegetação florestal, com 6,7 milhões de hectares, foi a mais afetada, superando a queima das pastagens, tradicionalmente mais extensas.

A destruição da vegetação nativa trouxe secas alarmantes à maior bacia fluvial do planeta, a amazônica. Da mesma forma, está reduzindo a vazão dos rios que dependem de nascentes no Cerrado, a caixa d’água dos biomas brasileiros. A Ambiente Media examinou meio século de dados para concluir que a vazão de segurança dos rios do Cerrado (seu volume mínimo em 90% do tempo) caiu 27% desde a década de 1970 (“Folha de S. Paulo”, 24 de junho). O bioma abastece 8 de 12 regiões hidrográficas e rios vitais como o Araguaia, Parnaíba, São Francisco, Paraná, Tocantins e Taquari. Metade da vegetação original da savana mais biodiversa do mundo, segundo o estudo, foi removida.

Os efeitos dos desequilíbrios ecológicos, com a expansão acelerada da soja na região, foram a redução de 21% das chuvas e aumento de 8% da evapotranspiração, em um ciclo nocivo que se realimenta. Para Yuri Salmona, cientista coordenador do relatório, a produção de commodities com base na irrigação (operam no bioma e 80% dos pivôs centrais em operação no país) é o ator principal das transformações. “Em segundo lugar vêm as mudanças climáticas”, afirma.

As consequências se espalham pelos biomas. O Pantanal depende totalmente da água dos rios com nascentes no Cerrado e sofre com secas bravas e fogo inclemente. A maior redução das vazões, de 50%, é a do rio São Francisco, com 93% das águas abastecidas pelo bioma. Nele, a situação se repete: as chuvas diminuíram 28% desde os anos 1970 até 2021 e a evapotranspiração aumentou 11%. A bacia do Rio Parnaíba (divisa Maranhão e Piauí) teve a maior redução da pluviosidade de todas, 38%.

Os estudos servem para reiterar o tamanho do desafio ambiental e orientar a resolução dos problemas. O relatório do MapBiomas constatou que há alta concentração do fogo — 72% da área é queimada de agosto a outubro, com 33% dos episódios ocorrendo em setembro. Isso torna previsíveis a época das ações de combate, que precisam de mais recursos e de esforço conjunto com os Estados, que se voltou a ser feita no atual governo, após a política de terra arrasada do governo Bolsonaro.

EUA e Israel buscam dividendos políticos do ataque ao Irã

Folha de S. Paulo

Trump se equilibra entre mostrar força e manter país fora do conflito; Netanyahu usa guerra para prolongar seu poder

Meses ou anos? Ainda não é possível saber o quanto a ofensiva israelo-americana contra instalações nucleares no Irã atrasou o programa bélico dos aiatolás.

O americano Donald Trump disse que suas superbombas haviam obliterado as fortalezas atômicas iranianas, o que quase certamente é uma avaliação mais que exagerada. O Estado-Maior das Forças Armadas americanas foi bem mais cauteloso.

Já o relatório secreto dos serviços de inteligência dos EUA que vazou para a imprensa aponta, com a ressalva de que se trata de uma avaliação preliminar, que o atraso imposto pelos bombardeios foi de apenas alguns meses. Antes dos ataques, o Irã estaria a três meses de uma bomba. Agora, estaria talvez a seis.

Alvejar o programa iraniano era o objetivo principal da ofensiva iniciada pelo premiê israelense, Binyamin Netanyahu, e terminada por Trump, que logo em seguida passou a exigir que israelenses e iranianos respeitassem um cessar-fogo. Mesmo que a meta principal não tenha sido alcançada, a ação trará enormes consequências para a região, tanto no plano militar como no político.

Embora os aiatolás tenham se esforçado para gerar uma resposta aos ataques que tentarão vender internamente como uma vitória, o fato é que as Forças Armadas iranianas se saíram extremamente mal na batalha.

Israel não precisou mais do que de algumas horas para conquistar hegemonia aérea. Ainda impôs severos reveses à capacidade de Teerã de lançar mísseis, sem mencionar as perdas na cadeia de comando —vários generais foram assassinados.

O poderio militar iraniano tinha muito de tigre de papel. E os vários rivais de Teerã se deram perfeitamente conta disso.

No plano político, a teocracia, que já enfrentava revoltas populares, também fica ainda mais enfraquecida. Perder guerras é muitas vezes fatal para ditadores. Não parece, de todo modo, haver oposição suficientemente organizada para liderar um movimento de derrubada dos aiatolás.

Em Israel, Netanyahu ganha pontos. Logo depois dos ataques terroristas do Hamas, em outubro de 2023, o governo parecia estar com os dias contados. Os serviços de segurança, afinal, haviam falhado estrondosamente.

Netanyahu, porém, prolongou a guerra na Faixa Gaza e depois a expandiu para o Líbano, onde impôs severas perdas ao Hezbollah —e, agora, ao Irã. Com isso, foi se equilibrando no poder. Veremos nas próximas pesquisas se a ofensiva contra o Irã coloca o premiê e seu partido de volta no páreo eleitoral. O pleito precisa ocorrer até outubro de 2026.

Já nos EUA, Trump, tentando agradar tanto aos falcões do seu partido como à base mais isolacionista, inventou a fórmula de lançar meia dúzia de superbombas e exigir um cessar-fogo. Surpreendentemente, se a trégua se mantiver e não ocorrer nenhuma reviravolta política mais trágica, ele talvez tenha sucesso.

Reprodução assistida na letra da lei

Folha de S. Paulo

Regulação do procedimento integra reforma ampla do Código Civil; Congresso não deveria realizar mudanças no atacado

Em 25 de julho de 1978, na Inglaterra, nasceu Louise Joy Brown, o primeiro bebê de proveta do planeta. No Brasil, o primeiro bebê gerado por inseminação artificial, Anna Paula Caldeira, veio ao mundo no dia 7 de outubro de 1984.

Lá se vão mais de 40 anos e o Congresso Nacional ainda não regulamentou o uso dessa tecnologia que ajuda casais a realizarem o sonho de ter filhos.

Nesse vácuo legislativo, o procedimento segue normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) —entidade que, nos últimos anos, tem baseado suas resoluções mais em ideologia do que em técnica, principalmente quando trata de temas relacionados a drogas ou ao aborto.

Agora, após tal atraso inexplicável, parlamentares tentam recuperar o tempo perdido. Mas o fazem do modo mais complicado do que deveriam, ao inserir a inseminação artificial numa atualização do Código Civil que, de tão ampla, se assemelha mais a uma reescritura da peça normativa que disciplina as relações jurídicas de direito privado no país.

Assim, a regulação do setor, que poderia ser instituída de modo mais efetivo, por óbvio com o debate de pontos controversos, ficará atrelada à apreciação de 1.122 artigos num total de 2.046.

O projeto de reforma do Código Civil, protocolado no Senado em janeiro deste ano, transforma em lei normas do CFM, como a proibição de pagamento para gestação por substituição, conhecida como barriga de aluguel.

Mas também implementa algumas mudanças. Passa a ser permitido que pessoas nascidas por reprodução assistida possam solicitar autorização judicial para identificar o doador, e este pode ter acesso ao nome da criança.

O projeto autoriza ainda a barriga solidária (quando a mulher que engravida não é remunerada) em qualquer caso —atualmente, ela precisa pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau.

O tema é complexo, exige analise cuidadosa e deveria ser uma das mudanças pontuais no diploma, em vez de fazer parte de uma remodelação no atacado que predispõe à perda de rigor.

Não está em questão, portanto, a necessidade de atualização do Código Civil, que já nasceu ultrapassado quando foi reformado em 2002 para substituir a versão obsoleta de 1916.

Seria mais sensato se o Congresso fatiasse a montanha de artigos a serem alterados para permitir tanto o debate mais criterioso como maior agilidade. No caso da reprodução assistida, mais de quatro décadas já é tempo demais sem regulação por lei.

O Supremo precisa ouvir a advocacia

O Estado de S. Paulo

Trabalho de comissão formada pela OAB-SP é um apelo para que os ministros do STF ouçam críticas de boa-fé e reavaliem atitudes que têm resultado na perda da credibilidade da instituição

A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) formou uma comissão para estudar uma reforma do Judiciário, em particular do Supremo Tribunal Federal (STF). É uma iniciativa mais que oportuna com vistas a restaurar a credibilidade de uma das instituições mais importantes da República. A composição da comissão, que conta com advogados, professores de Direito e dois ex-presidentes do próprio Supremo, Ellen Gracie e Cezar Peluso, confere densidade técnica e legitimidade para a faina que se avizinha.

O Estadão se une a uma das mais importantes organizações da sociedade civil neste louvável esforço republicano para não só chamar a atenção para os reiterados desvios de conduta de alguns ministros do STF, como para, de boa-fé, propor saídas para a crise de credibilidade da Corte. A negligência com os imperativos éticos e legais da magistratura tem contribuído decisivamente para conspurcar a imagem do Supremo e do Judiciário como um todo perante parcela expressiva da sociedade.

O objetivo da comissão, como destacou a advogada Patricia Vanzolini, ex-presidente da OAB-SP e integrante do grupo de trabalho, é “corrigir rumos”. Há tempos o STF tem se desviado daquilo que se espera de uma Corte constitucional em qualquer democracia: discrição, sobriedade e respeito ao devido processo legal e à separação de Poderes. Infelizmente, o Supremo arrogou para si o papel de protagonista numa pletora de questões que nem remotamente lhe dizem respeito.

Como é notório, o STF acumula um passivo considerável de decisões controvertidas, para dizer o mínimo, que se contrapõem à letra da Constituição. A falta de decoro, em muitos casos, afronta a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e oblitera os limites éticos aos quais estão submetidos os ministros de uma Corte que deveria se pautar por uma autocontenção que, há demasiado tempo, parece ter-se perdido. O problema, portanto, não é apenas jurídico, mas político e institucional.

Em razão de seus próprios desvios, o STF tornou-se objeto de contestação inaudita em sua história republicana. É verdade que algumas das manifestações contrárias à Corte nem de “críticas” podem ser chamadas, pois partem de liberticidas que vituperam contra a instituição com propósitos nitidamente antidemocráticos. Mas há setores da sociedade civil genuinamente preocupados com o mau funcionamento da Justiça. É o caso da OAB-SP e, certamente, deste jornal, que não poucas vezes tem apontado neste espaço os caminhos pelos quais o Supremo tem se perdido no afã de “recivilizar” o País, seja lá o que isso signifique.

Algumas ideias já discutidas na reunião inicial da comissão da OAB-SP são boas e bem-vindas. Outras representam retrocessos. Mas isso não tem importância no momento. Afinal, o grupo de trabalho aí está justamente para escrutinar as sugestões apresentadas por seus integrantes. O busílis é que, por melhores que sejam as propostas, não é por vácuo normativo que os ministros do STF têm errado tanto ao transmitir à sociedade a percepção de que muitas de suas decisões são politicamente motivadas. O que parece ter afrouxado foi a consciência e o decoro de juízes que, precisamente pelo poder que têm, deveriam ser mais prudentes.

Eis o ponto fundamental: em que pese a louvável iniciativa da OAB-SP, inclusive por seu valor simbólico, a crise de credibilidade do Supremo não decorre de ausência de normas para disciplinar a atuação dos juízes. O que tem faltado, em muitos casos, é o cumprimento rigoroso de preceitos éticos da magistratura por ministros que parecem convencidos de que o poder de que dispõem lhes confere licença para agir como melhor lhes aprouver, às vezes em flagrante violação da lei, por incrível que isso pareça.

Nesse sentido, o trabalho da comissão não resolverá por si só os problemas de um STF que parece fazer ouvidos moucos para críticas insuspeitas da sociedade à qual deve servir. Porém, pode oferecer ao Congresso subsídios importantes para uma reforma que busque resgatar os princípios de equilíbrio, respeito à Constituição e responsabilidade institucional. Se servir para despertar a humildade adormecida de alguns ministros e trazê-los de volta ao leito da normalidade institucional, será lucro.

Eduardo Bolsonaro, Donald e Pateta

O Estado de S. Paulo

Filho de Bolsonaro amarga ‘exílio’ nos EUA que inclui passeio na Disney, participação em rodeio e hospedagem luxuosa. É assim que ele pretende denunciar uma suposta ditadura no Brasil

Pateta é aquele personagem abobalhado da Disney, e é também todo aquele que acredita que Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, foi aos EUA para, dali, “resgatar liberdades perdidas” no Brasil. Há poucos dias, este jornal mostrou o dolce far niente do deputado federal licenciado em sua rotina de “exilado político” – que incluiu um passeio com a família num parque da Disney, onde certamente estavam o Pateta e Donald, o famoso pato.

Donald – não o pato, mas o presidente dos EUA, que de pato não tem nada – vem até agora ignorando olimpicamente os esforços de Eduardo Bolsonaro para parecer um exilado político. Deveríamos fazer o mesmo, mas é irresistível constatar quão rapidamente a farsa bolsonarista de perseguição política se converteu numa fantasia típica da Disneylândia.

As maquinações internacionais do deputado licenciado se resumem a manifestações de cunho político por meio de postagens nas redes sociais, gravações de vídeos, entrevistas concedidas a sites e canais bolsonaristas e, ora vejam, um roteiro festivo com cara de férias familiares prolongadas: desde março, momento em que se afastou oficialmente da Câmara dos Deputados, seu roteiro incluiu, além da diversão na Disney, uma participação num campeonato de rodeio da Professional Bull Riders, realizado em Arlington, no Texas, onde Eduardo mora, além de vídeos exibindo uma casa de alto padrão onde ele e a família se hospedaram, em Orlando, na Flórida, ou apresentando a rotina doméstica no Texas. É, em resumo, um doce exílio – oficialmente bancado pelo pai, que disse ter enviado ao desafortunado pimpolho cerca de R$ 2 milhões.

É assim que Eduardo Bolsonaro pretende mobilizar o “amigo” Donald Trump e os porta-vozes da extrema direita internacional para liderar uma campanha contra o Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal, instituições tidas como algozes de seu pai e aliados – réus em ação penal por suspeita de envolvimento até o último fio de cabelo numa tentativa de golpe de Estado.

A permanência de Eduardo em solo norte-americano tem sido adornada por alguns encontros e gestos políticos, como as visitas que o parlamentar fez à Casa Branca ao lado do youtuber bolsonarista Paulo Figueiredo Filho – foram ao menos duas, e uma delas registrada por um ex-assessor de Trump; viagens obscuras a Washington e encontro com os deputados Brian Mast, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, e Cory Mills – o mesmo que já questionou publicamente o secretário de Estado, Marco Rubio, sobre possíveis sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Mas isso nem de longe revela uma rotina de um perseguido político que conspira contra o Brasil – o que, inclusive, desabona o inquérito policial aberto a pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e autorizado por Alexandre de Moraes, sob o argumento de que o parlamentar estaria em “enérgica” campanha para que o governo dos EUA imponha sanções a autoridades brasileiras.

Ainda que o clã Bolsonaro tente mobilizar mundos e fundos sempre que seus interesses estão ameaçados – e isso significa dar vazão ao golpismo que corre nas veias da família –, o fato é que a agenda norte-americana do deputado licenciado se mostra incapaz de dar sequência à longa trajetória de desrespeito do bolsonarismo à ordem democrática brasileira. O Brasil ganha quando Eduardo Bolsonaro dedica suas muitas horas livres nos EUA à rotina de rodeios, parques temáticos e exibicionismos domésticos. Não é à toa que Trump não pareça particularmente comovido com o tal “exílio” do deputado – não por qualquer vocação do presidente dos EUA para o respeito institucional e diplomático, mas porque Trump certamente tem mais o que fazer.

Enquanto Eduardo estiver confundindo férias com exílio, o Brasil estará mais protegido dos delírios dos Bolsonaros. E é melhor ainda que o faça financiado não por verbas públicas, mas pelo dinheiro do papai – arrecadado entre os apatetados devotos que acreditam que Bolsonaro e sua família são campeões da democracia.

Um balanço frustrante

O Estado de S. Paulo

Três anos após a privatização, valor das ações da Eletrobras permanece abaixo de seu potencial

O presidente da Eletrobras, Ivan de Souza Monteiro, parece satisfeito com os resultados que a empresa tem colhido desde a privatização, concluída em junho de 2022. Em três anos, a empresa conseguiu cortar custos operacionais em 18%, diminuir o número de funcionários em 27%, reduzir os passivos relacionados a empréstimos compulsórios em R$ 13 bilhões e elevar o ritmo de investimentos, de R$ 4,6 bilhões em 2021 para R$ 7,7 bilhões em 2024. Apesar disso, o valor da ação da companhia permanece não só ligeiramente abaixo dos R$ 42 precificados na desestatização, como em patamar muito distante das expectativas das casas de análise, que, à época, giravam em torno de R$ 60 e R$ 70.

A privatização da Eletrobras prometia ser um marco na história da companhia. Embora fosse líder nos segmentos de geração e transmissão de energia no País e a maior empresa do setor elétrico na América Latina, a Eletrobras vivia tempos difíceis desde o fim de 2012, quando o governo Dilma Rousseff, ávido por uma bandeira eleitoral, lançou a infame Medida Provisória 579 e reduziu a conta de luz em 16%.

Controlada pela União, a Eletrobras aceitou as condições estabelecidas pelo Executivo, e os resultados não demoraram a aparecer. A combinação entre perda de receitas, investimentos duvidosos e endividamento recorde por pouco não levou a empresa à insolvência. Foram anos de prejuízos bilionários, que só começaram a ser revertidos quando a companhia começou a se livrar de suas deficitárias distribuidoras.

A privatização, concebida na gestão Michel Temer e concluída na administração Jair Bolsonaro, parecia a maneira definitiva de blindar a companhia da ingerência estatal. Mas o governo Lula da Silva conseguiu driblar essas amarras ao apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação para resgatar seu poder de mando na empresa. Ao fim das negociações, o governo conquistou três de dez assentos no Conselho de Administração da Eletrobras, colegiado responsável por nortear decisões estratégicas na companhia.

Ivan Monteiro atribuiu o atual valor da ação da Eletrobras à conjuntura do setor elétrico, que hoje conta com sobreoferta de energia, e ao cenário macroeconômico adverso, com a taxa básica de juros a 15% ao ano. Segundo ele, o mercado tem horizonte curto e é complicado vincular o desempenho dos papéis às mudanças que a empresa promoveu desde a privatização. Mas é óbvio que o retorno do governo ao coração da empresa elevou a percepção de risco sobre a Eletrobras.

É compreensível a frustração dos acionistas, muitos dos quais trabalhadores que utilizaram recursos do FGTS para adquirir ações da companhia e que nem sequer recuperaram o investimento inicial. São cerca de 300 mil pessoas físicas que, segundo Ivan Monteiro declarou ao Estadão/Broadcast, lhe “tiram o sono”. Na expectativa de compensá-los, a empresa pagou em 2024 R$ 4 bilhões em dividendos, maior valor de sua história. Mas, tanto para os trabalhadores quanto para o mercado financeiro, o que importa é o valor das ações da companhia, que, três anos depois, permanece – com razão – muito aquém de seu potencial.

Lixões ainda predominam no Brasil

Correio Braziliense

Os lixões são nocivos aos humanos, tanto por afetar os ecossistemas, quanto pela proliferação doenças, como leptospirose, dengue, febre tifóide, cólera, disenteria entre outras, que proliferam na água e por aninharem vetores de outras moléstias

Adiar decisões e o cumprimento de leis é uma triste rotina no Brasil. Em 2 de agosto de 2024, todos os lixões do país deveriam estar extintos, como determinou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010). Hoje, 15 anos depois, há mais de 3 mil lixões em operação, ou seja mais de 50% dos municípios brasileiros ainda praticam o descarte incorreto de resíduos a céu aberto.

O impacto dos lixões não se restringe ao meio ambiente — solo e corpos hídricos. Os lixões são nocivos aos humanos, tanto por afetar os ecossistemas, quanto pela proliferação de doenças, como leptospirose, dengue, febre tifoide, cólera, disenteria entre outras, que proliferam na água e por aninharem vetores de outras moléstias.Para o biólogo Antonio Aguiar, professor da Universidade de Brasília, quem paga pelo descumprimento das leis, no fim, são as comunidades próximas aos depósitos inadequados de resíduos ou atingidas por algum desastre que comprometa o ambiente onde residem.

Geralmente são comunidades de baixíssima renda, desprovidas de serviços públicos adequados, como rede de saúde, entre outros equipamentos necessários ao seu bem-estar. Foi assim, com a tragédia de Brumadinho, com o rompimento da barragem de uma mineradora e, mais recente, com o Rio Descoberto, afetado pelo colapso do Aterro Sanitário Ouro Verde, no município goiano de Padre Bernardo, vizinho do Distrito Federal.

Entre as cidades que não dispõem de aterro sanitário, como estabelecido em lei, está Belém do Pará, que, em novembro próximo, sediará a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP30. No início desta semana, a Câmara Municipal da capital paraense instalou uma CPI para apurar um possível superfaturamento no contrato da prefeitura e do consórcio Ciclus Amazônia. A prefeitura alega dificuldades para encontrar um local adequado à destinação do lixo, uma vez que a coleta seletiva é baixa na cidade — só 2% dos resíduos recicláveis chegam às cooperativas.

Por sua vez, o Congresso Nacional tende a flexibilizar as regras do licenciamento ambiental, a fim de unificar e facilitar as intervenções no meio ambiente. Não mantém nenhuma barreira de proteção às áreas ocupadas pelos povos originários, tradicionais, de preservação ambiental, o que facilita invasões de territórios e desmatamentos. Para o Ministério do Meio Ambiente, a proposta representa "desestruturação significativa" da atual legislação e confronta o artigo 225 da Constituição Federal, que garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais.

A mudança na legislação até agora vigente não impedirá, portanto, a instalação de lixões em quaisquer locais, comprometendo seriamente a qualidade de vida dos cidadãos. Essa possibilidade, ainda que não esteja explícita, pode prevalecer, uma vez que não haverá necessidade de estudo prévio nem restrições à instalação de lixões ou aterros sanitários. Trata-se de ações conflitantes com qualidade de vida da população, quando o poder público tem como missão precípua garantir o bem-estar da sociedade em todos os sentidos.

O rigor da lei

O Povo (CE)

É importante que as autoridades sejam firmes — e trabalhem conjuntamente —, de modo a coibir a violência e para bloquear a atuação das facções criminosas, antes que chegue ao ponto de não retorno

Duas decisões anunciadas ontem demonstram que os tribunais do Ceará vêm adotando o necessário rigor ao julgar casos de abuso de poder e de violência política. As sentenças judiciais, além do aspecto punitivo, são pedagógicas, pela severidade — que a lei permite.

O primeiro caso se refere ao prefeito eleito de Potiretama, Luan Dantas (PP), e de sua vice, Solange Campelo (PT), cassados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) por abuso de poder e a utilização indevida dos meios de comunicação na eleição de 2024.

Luan encontra-se preso preventivamente, desde o início de abril, devido a uma investigação da Polícia Civil, suspeito de ser o mandante de um incêndio que atingiu a fazenda de um desafeto político. O crime teria sido cometido supostamente com a colaboração de uma organização criminosa atuante no Ceará, segundo a investigação.

Por sua vez, a Justiça do Ceará sentenciou Edmilson Freire da Silva a 12 anos e seis meses de prisão, pena que será cumprida inicialmente em regime fechado. Eleitor de Jair Bolsonaro, ele foi condenado por assassinar a facadas um homem que se identificou como simpático a Luiz Inácio Lula da Silva. O crime aconteceu em 2022, antes do primeiro turno das eleições presidenciais.

Dois outros prefeitos, eleitos no ano passado, também estão afastados do cargo, acusados de abuso de poder e de ligação com o crime organizado. José Braga Barrozo, o "Braguinha", de Santa Quitéria (PSB) — preso antes de assumir o cargo —, e Bebeto Queiroz (PSB), de Choró, que está foragido.

Este jornal vem, repetidamente, alertando sobre a influência que as facções criminosas buscam exercer na política cearense. A maioria das ocorrências acontece em cidades interioranas onde, supostamente, seria mais fácil a infiltração criminosa.

O mesmo cuidado deve ser tomado quanto aos episódios de violência. É preciso cortar o mal pela raiz, punindo-se, sem tolerância, nos limites da lei, a quem apelar para esse recurso.

É inaceitável que, em uma democracia, pessoas individualmente ou grupos políticos apelem para agressões físicas e até para o assassinato com o intento de impor suas ideias — sejam elas quais forem —, a quem pensa de modo diferente.

Portanto, é necessário voltar agora ao assunto, pois o País está às vésperas de uma nova eleição, que será muito acirrada, ao que tudo indica. É importante que as autoridades — Ministério Público, polícias e Justiça — sejam firmes, e trabalhem conjuntamente, de modo a coibir a violência, e para bloquear a atuação das facções criminosas, antes que chegue ao ponto de não retorno.

 

 

 

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