O Estado de S. Paulo
Passar um ano com taxa real de 9% é crer que
a violência do instrumento é um fim em si mesmo, não contra a inflação, mas
contra a própria economia
O País foi brindado com um novo aumento da
taxa de juros básica da economia, na semana passada. O Copom alterou a taxa
Selic, base das operações financeiras da economia, de 14,75% para 15% ao ano.
Lógico que há uma inflexão ante aumentos que foram de 1% e de 0,5% nos momentos
mais duros do ciclo de elevação da taxa, vividos a partir de setembro de 2024.
Vale compreender o que isso significa. Como a
política monetária persegue uma meta de inflação, medida pelo IPCA, de 3% ao
ano, com uma banda que pode atingir 4,5%, a inflação anual medida até maio de
2025, de 5,32% ao ano, é excessiva. Essa diferença expressa a tão falada e
pouco demonstrada desancoragem das expectativas.
Perguntar sobre a eficácia da Selic no
ancoramento da inflação contém seus riscos. Segundo a mediana das expectativas
dos analistas econômicos, capturadas e expressas no Relatório Focus (do Banco
Central), acredita-se que a inflação, medida pelo IPCA, terminará 2025 em
5,24%, portanto ainda acima do teto da meta de inflação (4,5% ao ano).
A mesma fonte de impressões dos analistas de mercado aponta que a inflação de 2026 finalmente trará uma convergência para o limite superior da meta de inflação, em 4,5%. Portanto, um movimento discreto de convergência das expectativas terá sido conseguido por meio de uma violenta restrição monetária.
Outro aspecto crucial na análise deste
movimento da política monetária é a taxa de juros real. Se a expectativa para o
final de ano é de inflação de 5,24%, a taxa de juros nominal de 15% ao ano
representa uma taxa de juros real de cerca de 9,3% ao ano. Na prática, é uma
abominação.
Não se trata de dizer que a taxa de juros não
seja um instrumento importante da política econômica. De fato, é. No entanto, é
um instrumento de curto prazo. Passar um ano com uma taxa real de 9% ao ano não
é fazer política econômica, mas acreditar que a violência do instrumento é um
fim em si mesmo, não contra a inflação, mas contra a própria economia.
A taxa de juros atua sobre preços de produtos
transacionados em mercados concorrenciais e sobre o nível de atividade. No caso
deste último, como manter estoques fica mais caro, por causa da elevação do
custo do dinheiro, espera-se a retração do nível de atividade, com impactos sobre
toda a economia.
Vale observar a realidade, grande parte do
índice de inflação é indexada ao passado, são contratos reajustados para repor
a desvalorização dos preços. Diferentemente de outros países, como os EUA, onde
o efeito dos juros sobre a estrutura de preços é rápido, no Brasil a inflação
demora a ceder. Justamente porque os juros atuam apenas sobre uma parte do
índice de preços.
O uso do instrumento da elevação da taxa de
juros num ambiente como este coloca para o País a inevitabilidade da
estagnação. Os investimentos privados, que poderiam ampliar o PIB potencial,
ficam limitados àqueles com expectativa de altos lucros. Lógico, em razão da
mendicância de nossa política fiscal e da destruição do investimento público,
só se Deus for mesmo brasileiro teremos alguma chance de ver o investimento
crescer.
A questão da dívida pública merece uma
reflexão à parte. Todos os agentes de mercado colocam a descrença sobre a
gestão da dívida pública como elemento de ruptura da capacidade de
financiamento do Estado e mesmo da estabilidade financeira.
Só que uma dívida que cresce 9% reais ao ano
em largo espaço de tempo é uma confissão de moratória. E, pior que isso, uma
Selic tão elevada leva a uma tendência de que todas as posições ativas
convirjam para o curto prazo. Por que comprar títulos longos do Tesouro a IPCA
mais 7% ao ano, se o curtíssimo prazo paga IPCA mais 9% ao ano?
Talvez a doença da taxa de juros alta que
assola o Brasil há tanto tempo deva ser associada a algo de mais estrutural da
realidade do País e de sua economia. O relatório Global Wealth Report de 2025,
divulgado pela instituição financeira UBS, indica duas faces da economia
brasileira.
A primeira face, uma desastrosa distribuição
de renda. O Brasil é apontado como líder mundial em desigualdade de riqueza,
com um índice de Gini de 0,82. Outros três países acompanham o Brasil em marcas
acima de 0,80: Rússia, África do Sul e Emirados Árabes.
A segunda face, a da riqueza. O País lidera a
América Latina em número de milionários. Ao mesmo tempo, o que chama a atenção
é que a riqueza é mais financeira, representando mais que 60% da riqueza do
País. Não é a mesma situação de Índia, Espanha e Turquia, onde a riqueza não
financeira (ou seja, real) é predominante.
Não tenho dúvidas de que o descalabro
produtivo, a perversidade da distribuição de riquezas e a taxa de juros sejam
extremamente coligadas. Uma taxa de juros do tamanho da brasileira alavanca as
riquezas existentes e barra a criação de riquezas e rendas novas, assim como
anula o ativismo empreendedor e a geração de nova capacidade produtiva. Aí está
a chave de um país que valoriza cada vez menos o trabalho e premia absurdamente
a velha riqueza.
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