quinta-feira, 26 de junho de 2025

O Congresso impede ajuste - Míriam Leitão

O Globo

O governo tenta cortar gastos e aumentar a arrecadação, mas esbarra em um Congresso que sabota medidas de ajuste fiscal

O Congresso atual criou despesas e derrubou propostas de redução de gastos. No caso específico do IOF, o Projeto de Decreto Legislativo aprovado ontem é inconstitucional, porque só cabe um PDL se o governo tivesse extrapolado de suas competências. Mas a alíquota de IOF é decisão do Executivo. O governo pode entrar no STF, porém teme o custo político. No mesmo dia, o Senado aprovou o projeto vergonhoso de aumento do número de deputados. Isso depois de uma revoltante coleção de jabutis para atender lobbies que eles dependuraram no projeto das eólicas no mar.

O Brasil tem que fazer um ajuste fiscal de pelo menos dois pontos percentuais do PIB se quiser equilibrar as contas no longo prazo. Em todos os países em que isso foi feito, envolveu esforços dos dois lados: corte nas despesas e aumento da arrecadação. Aqui, está impossível cortar gastos e muito difícil aumentar receita. Recentemente, o Congresso disse que concordava em reduzir 10% das despesas com benefícios fiscais e, na primeira reunião, adiantou que não aceitaria corte algum na Zona Franca de Manaus, nem no Simples, as duas maiores despesas.

Na visão do economista Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV Ibre, as Casas têm grande dificuldade de dizer “não” a pautas corporativas e a grupos de pressão:

— O Congresso renovou o Perse (programa para o setor de eventos, criado na pandemia) e prorrogou a desoneração da folha (de 17 setores). O ministro Fernando Haddad foi até bem-sucedido, porque conseguiu, pelo menos, colocar uma escadinha, um caminho de saída. Acho que dá para dividir as políticas públicas em dois grandes grupos: as dirigidas ao eleitor mediano e as que beneficiam grupos de pressão. No primeiro, estão as que atendem à coletividade, como o Bolsa Família. No segundo, estão as que atendem aos grupos de pressão — o velho patrimonialismo — como os gastos tributários. O Congresso representa os grupos de pressão e, o Executivo, o eleitor mediano.

O decreto do IOF, depois de reduzido pelo próprio governo, teria capacidade de arrecadar R$ 10 bilhões, em 2025, e R$ 20 bilhões, em 2026. Esses mesmos valores são os previstos na Medida Provisória que aumenta os tributos das bets, fintechs, criptomoedas e tributa os títulos isentos. A MP também está sob ataque do Congresso.

No fim de 2024, o governo apresentou uma proposta de ajuste que incluía medidas que foram desidratadas ou derrubadas. Um caso é o do Fundo Constitucional do Distrito Federal, que é reajustado pelo aumento da receita corrente líquida. Uma evidente distorção. A proposta foi corrigir apenas pela inflação e não foi aceita.

— O que a gente está assistindo é um cabo de guerra. O presidente aponta para o Congresso e diz “vocês têm que cortar na carne”. E faz uma lista de subsídios que precisam mesmo ser cortados. O Simples, por exemplo, é uma política construída para aumentar a formalização, mas não teve esse efeito e hoje produz elisão fiscal. O Congresso, por seu lado, diz para o governo “você tem que mexer no seu gasto”. As eleições serão daqui a 16, 17 meses, ninguém quer cortar despesas — diz Samuel Pessôa.

O governo propôs acabar com os supersalários, ou seja, respeitar a lei do teto salarial. O tema foi engavetado. Propôs mudar aposentadoria dos militares, e nem foi discutido. Propôs mudar o critério de elegibilidade para o Benefício de Prestação Continuada. O Congresso ignorou.

— O BPC é uma amostra dessa falta de comprometimento do Congresso com o corte de gastos. Não é grupo de pressão e a proposta de Haddad deveria ser atendida.

O BPC foi uma política desenhada para pessoas pobres idosas ou com deficiência incapacitante. Os mais vulneráveis. O problema é que o gasto tem aumentado muito por conta de decisões judiciais que estendem o benefício a quem tem deficiência não incapacitante ou doenças que não são permanentes. Em 2010, o gasto era R$ 50 bilhões (em valores atualizados em 2024). Em 2024, foi de R$ 111 bilhões. Saiu de 0,6% do PIB para 0,95% do PIB.

O discurso fiscalista do Congresso é pura demagogia. A oposição grita contra aumento de impostos, mesmo quando vai ser cobrado de quem deve pagar, como sites de apostas e as grandes fintechs. O parlamento aumenta a própria despesa. Ontem, após aprovar o absurdo projeto de elevar o número de deputados, o Senado derrubou o IOF assim que o PDL chegou da Câmara. O Congresso tem impedido o ajuste fiscal no Brasil.

 

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