Valor Econômico
Governo prepara medidas para revitalizar o sistema de crédito habitacional
Clientes que, ultimamente,
buscaram crédito conseguiram financiar apenas metade do valor do imóvel. É um
racionamento. Os bancos captam dinheiro para emprestar na poupança, mas o
depositante está sumindo.
A caderneta paga cerca de 8,5% ao ano, apesar da isenção de impostos. É um mau negócio e, graças à maior educação financeira, as pessoas estão percebendo. Com a Selic a 15% ao ano, outras aplicações rendem pelo menos 11,5% ao ano, depois de pagar o imposto.
De janeiro a julho, os saques na caderneta de poupança superaram os
depósitos em R$ 52 bilhões. O rendimento creditado pelos bancos aos clientes -
R$ 32 bilhões - não foi suficiente para cobrir essa sangria. Assim, os
depósitos na caderneta encolheram de R$ 773 bilhões para R$ 762 bilhões, de
dezembro para cá.
Pelas regras em vigor, os bancos
têm que fazer crédito imobiliário com 65% dos saldos de poupança. Outros 15%
podem ser aplicados livremente. E 20% devem ficar retidos no BC, sob a forma de
depósitos compulsórios.
Com o encolhimento da poupança,
os bancos basicamente reemprestam o que recebem de volta nas prestações dos
empréstimos velhos. É daí que surgiu a proposta de liberar os compulsórios do
BC, que somam R$ 199 bilhões, para novos empréstimos.
Só que essa é a válvula de
segurança do sistema. Os depósitos na caderneta são de curto prazo, enquanto
financiamentos imobiliários duram décadas. Quando a Selic sobe muito, os saques
da poupança se intensificam, e os bancos têm que arrumar dinheiro para
honrá-los. Fazem uma parada brusca na concessão de empréstimos e tomam dinheiro
mais caro em outras fontes. Nessas circunstâncias, o BC libera o compulsório
para manter o fluxo do crédito e evitar uma quebradeira de bancos.
Em 2019, o BC estudou a ideia de
reduzir os compulsórios. Fez vários testes de estresse, que foram publicados
num estudo, e concluiu que poderia dar muito ruim. Desde então, foi criado o
sistema de assistência de liquidez. Mas, por definição, ele é focado no curto
prazo e não serve para resgatar uma crise que tenha como lastro operações de 35
anos.
Qual é a solução avaliada? O
subsídio cruzado. A ideia é que o banco capte pagando caro numa Letra de
Crédito Imobiliário (LCI), por exemplo, e empreste dinheiro cobrando mais
barato para quem vai comprar uma casa própria. Nessa operação, tem um prejuízo.
Mas, de outro lado, o banco ganha o direito de captar mais barato na caderneta
e aplicar todo o dinheiro em coisas mais rentáveis. Nessa operação, o banco
lucra mais. Uma coisa compensa a outra.
Há duas críticas principais a essa proposta. Uma delas é que, nesse sistema,
acabaria o direcionamento da poupança para o financiamento imobiliário, e isso
deixaria o setor com menos dinheiro. De fato, o direcionamento como conhecemos
acabaria. Mas, para liberar o dinheiro da poupança, o banco precisa captar em
LCIs e de fato aplicar em financiamento imobiliário.
E vai aplicar mais. Deve-se
lembrar que, hoje, quando capta em poupança, o banco direciona 65% para o
crédito imobiliário, 20% viram compulsório e 15% são faixa livre. Com a nova
regra, o banco tem que aplicar 100% do que captou em LCI em crédito imobiliário
para liberar 100% do dinheiro captado na poupança. Então, só por essa regra, a
aplicação sobe de 65% para 100%. E tem outro detalhe: cada nova aplicação de
recursos captados com LCI libera dinheiro na caderneta por cinco anos. Passado
esse período, o banco tem que captar de novo em LCI para destinar tudo mais uma
vez para crédito imobiliário. As simulações apresentadas no governo mostram
que, tudo considerado, a aplicação em crédito imobiliário dobra.
Outro receio é que, no meio de
toda essa engenharia financeira, o banco ganhe dos dois lados. Ou seja, capte
caro na LCI e cobre caro no crédito imobiliário; e capte barato na poupança e
aplique em operações de alto rendimento.
No fundo, o medo é que não haja
competição e os bancos exerçam seu poder de mercado para lucrar mais. Não
parece ser o caso. Em 2018, na gestão Ilan Goldfajn, o BC acabou com o teto de
juro de 12% no crédito imobiliário com recursos da poupança, e as taxas não
dispararam. Os bancos atuam no crédito imobiliário porque o produto fideliza o
cliente. O BC pode sempre adotar uma remuneração punitiva para quem exagera na
taxa e não empresta. E o governo tem um participante gigante nesse mercado - a
Caixa - que opera com um olho no lucro e outro no seu papel social.
Talvez a principal vantagem seja empurrar os bancos a buscar fontes de recursos de mercado para o crédito imobiliário. Serão adotadas medidas para incentivar a securitização, como reduzir o risco dos financiamentos corrigidos pela inflação. Liberar o compulsório daria um gás no crédito no curto prazo, mas o dinheiro acabaria mais adiante e o problema voltaria.
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