segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Boas e más ideias para o crédito imobiliário - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Governo prepara medidas para revitalizar o sistema de crédito habitacional


 O dinheiro barato da caderneta de poupança para o financiamento imobiliário está acabando, e o governo prepara medidas para revitalizar o sistema de crédito habitacional. Há uma má ideia circulando: fazer a liberação dos depósitos compulsórios para turbinar os empréstimos no curto prazo, às custas de riscos à estabilidade.

Clientes que, ultimamente, buscaram crédito conseguiram financiar apenas metade do valor do imóvel. É um racionamento. Os bancos captam dinheiro para emprestar na poupança, mas o depositante está sumindo.

A caderneta paga cerca de 8,5% ao ano, apesar da isenção de impostos. É um mau negócio e, graças à maior educação financeira, as pessoas estão percebendo. Com a Selic a 15% ao ano, outras aplicações rendem pelo menos 11,5% ao ano, depois de pagar o imposto.

De janeiro a julho, os saques na caderneta de poupança superaram os depósitos em R$ 52 bilhões. O rendimento creditado pelos bancos aos clientes - R$ 32 bilhões - não foi suficiente para cobrir essa sangria. Assim, os depósitos na caderneta encolheram de R$ 773 bilhões para R$ 762 bilhões, de dezembro para cá.

Pelas regras em vigor, os bancos têm que fazer crédito imobiliário com 65% dos saldos de poupança. Outros 15% podem ser aplicados livremente. E 20% devem ficar retidos no BC, sob a forma de depósitos compulsórios.

Com o encolhimento da poupança, os bancos basicamente reemprestam o que recebem de volta nas prestações dos empréstimos velhos. É daí que surgiu a proposta de liberar os compulsórios do BC, que somam R$ 199 bilhões, para novos empréstimos.

Só que essa é a válvula de segurança do sistema. Os depósitos na caderneta são de curto prazo, enquanto financiamentos imobiliários duram décadas. Quando a Selic sobe muito, os saques da poupança se intensificam, e os bancos têm que arrumar dinheiro para honrá-los. Fazem uma parada brusca na concessão de empréstimos e tomam dinheiro mais caro em outras fontes. Nessas circunstâncias, o BC libera o compulsório para manter o fluxo do crédito e evitar uma quebradeira de bancos.

Em 2019, o BC estudou a ideia de reduzir os compulsórios. Fez vários testes de estresse, que foram publicados num estudo, e concluiu que poderia dar muito ruim. Desde então, foi criado o sistema de assistência de liquidez. Mas, por definição, ele é focado no curto prazo e não serve para resgatar uma crise que tenha como lastro operações de 35 anos.

Qual é a solução avaliada? O subsídio cruzado. A ideia é que o banco capte pagando caro numa Letra de Crédito Imobiliário (LCI), por exemplo, e empreste dinheiro cobrando mais barato para quem vai comprar uma casa própria. Nessa operação, tem um prejuízo. Mas, de outro lado, o banco ganha o direito de captar mais barato na caderneta e aplicar todo o dinheiro em coisas mais rentáveis. Nessa operação, o banco lucra mais. Uma coisa compensa a outra.

Há duas críticas principais a essa proposta. Uma delas é que, nesse sistema, acabaria o direcionamento da poupança para o financiamento imobiliário, e isso deixaria o setor com menos dinheiro. De fato, o direcionamento como conhecemos acabaria. Mas, para liberar o dinheiro da poupança, o banco precisa captar em LCIs e de fato aplicar em financiamento imobiliário.

E vai aplicar mais. Deve-se lembrar que, hoje, quando capta em poupança, o banco direciona 65% para o crédito imobiliário, 20% viram compulsório e 15% são faixa livre. Com a nova regra, o banco tem que aplicar 100% do que captou em LCI em crédito imobiliário para liberar 100% do dinheiro captado na poupança. Então, só por essa regra, a aplicação sobe de 65% para 100%. E tem outro detalhe: cada nova aplicação de recursos captados com LCI libera dinheiro na caderneta por cinco anos. Passado esse período, o banco tem que captar de novo em LCI para destinar tudo mais uma vez para crédito imobiliário. As simulações apresentadas no governo mostram que, tudo considerado, a aplicação em crédito imobiliário dobra.

Outro receio é que, no meio de toda essa engenharia financeira, o banco ganhe dos dois lados. Ou seja, capte caro na LCI e cobre caro no crédito imobiliário; e capte barato na poupança e aplique em operações de alto rendimento.

No fundo, o medo é que não haja competição e os bancos exerçam seu poder de mercado para lucrar mais. Não parece ser o caso. Em 2018, na gestão Ilan Goldfajn, o BC acabou com o teto de juro de 12% no crédito imobiliário com recursos da poupança, e as taxas não dispararam. Os bancos atuam no crédito imobiliário porque o produto fideliza o cliente. O BC pode sempre adotar uma remuneração punitiva para quem exagera na taxa e não empresta. E o governo tem um participante gigante nesse mercado - a Caixa - que opera com um olho no lucro e outro no seu papel social.

Talvez a principal vantagem seja empurrar os bancos a buscar fontes de recursos de mercado para o crédito imobiliário. Serão adotadas medidas para incentivar a securitização, como reduzir o risco dos financiamentos corrigidos pela inflação. Liberar o compulsório daria um gás no crédito no curto prazo, mas o dinheiro acabaria mais adiante e o problema voltaria.

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