O Globo
Todos os países fazem um
jogo de perdedor: protecionismo contra protecionismo. Fica tudo mais caro
No dia em que entraram em
vigor as tarifas globais, Donald
Trump escreveu em sua rede social:
— Bilhões de dólares estão
agora fluindo para os Estados Unidos.
Ele acredita que o país
exportador de algum modo paga as tarifas. Repete essa tese, digamos, toda vez
que anuncia uma nova taxa. Por exemplo:
— A Suíça vai
ter de nos pagar 39%.
É bem o contrário. O nome da
coisa é tarifa de importação, logo, e caminhando pelo óbvio, quem paga é o
importador americano, que passará esse custo adicional ao consumidor local. O
hambúrguer e o suco de laranja ficam mais caros.
Digamos que o importador absorva todo esse custo, tirando de sua margem de lucro. Mesmo assim, quem paga é o próprio importador americano. O fluxo de bilhões de dólares vai do bolso americano para os cofres do Tesouro americano, do setor privado para o governo. Tanto é assim que Trump não perde oportunidade de comemorar os dados sobre o aumento de receita das importações. É contraditório, mas quem diz que Trump se importa com isso? Na verdade, ele nem percebe a contradição — como têm dito os analistas com um mínimo de noção.
Comentei o assunto na CBN, e muitos
ouvintes escreveram para perguntar se o objetivo não seria apenas esse,
aumentar a arrecadação. Mas, se for isso, Trump está mentindo: quem paga o
aumento de arrecadação são os próprios americanos, e não os estrangeiros
exportadores, os pretensos exploradores.
Os Estados Unidos têm
déficit comercial porque formam um país muito rico, que ainda assim gasta mais
do que tem nos mercados mundiais. Trump costuma dizer que os Estados Unidos têm
sido roubados pelos exportadores.
Roubados?
Imagine o seguinte: você vai
ao shopping, torra uma grana e fica no vermelho no cartão de crédito. Faz
sentido você dizer que foi roubado pelos lojistas? Simplesmente, você tornou-se
devedor na praça e precisará financiar essa dívida de algum modo.
No caso dos Estados Unidos,
como o país financia seu déficit global? Vendendo títulos do Tesouro e outros
papéis aos superavitários. Funciona assim: a China vende seus produtos ao
consumidor americano, embolsa os dólares e compra títulos do governo americano.
E investe nos Estados Unidos. Em dólares, claro, a moeda internacional que
todos compram e todos aceitam.
Trump tem a equivocada visão
mercantilista e protecionista. A ideia é colocar tarifas elevadas e barreiras
não tarifárias à importação, de modo a encarecer o produto externo e, portanto,
estimular a produção nacional. O consumidor compra o carro nacional porque o
importado é muito mais caro. Trata-se, portanto, de favorecer a indústria
local. Esta oferece produtos de pior qualidade, mas tem mercado cativo. Trump
tem razão nesse ponto. Muitos países, inclusive o Brasil, praticam essas
políticas protecionistas. E ele quer que os americanos só comprem produtos
fabricados nos Estados Unidos.
Vai na direção contrária à
globalização, que espalhou a produção pelos diversos países, conforme sua
competência e capacidade. Os Estados Unidos não são perdedores nessa história.
Se países asiáticos são especialistas na produção de chips, os americanos dominam
o projeto, o design, a tecnologia. O iPhone é
projetado nos Estados Unidos e montado em partes, em diversos países. A Apple paga
a esses fornecedores e, no final, fica com a maior parte do preço de venda ao
consumidor do mundo todo.
Trump quer que a Apple
fabrique nos Estados Unidos. A empresa, para agradar a Trump, diz que investirá
nisso, promessa já feita outras vezes. Se tem engenheiro para projetar, não tem
mão de obra capaz e suficiente para montar celulares nos Estados Unidos. Para
formá-la, custará um dinheirão, os produtos ficarão mais caros para o
consumidor americano e mundial. Vendas cairão no mundo todo.
Já aconteceu na História.
Todos os países fazem um jogo de perdedor: protecionismo contra protecionismo.
Fica tudo mais caro, o comércio global despenca. Quem sabe essas loucuras de
Trump sirvam para mostrar aos demais países as vantagens do multilateralismo,
do comércio aberto? Da globalização, numa palavra.
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