Folha de S. Paulo
Proposta restaura o statu
quo pelo qual a Câmara controlará a licença e estenderá no tempo os processos
Antes do início do julgamento da denúncia do PGR sobre Bolsonaro, escrevi aqui neste espaço que o saldo líquido para a corte seria negativo em qualquer cenário. "O julgamento será fatalmente percebido como hiperpolitizado —seu custo proibitivo— em um momento crítico para a democracia brasileira". O pior cenário materializou-se. E a intervenção de Trump no processo representa um choque no sistema. Ela altera o equilíbrio perverso entre parlamentares e juízes no qual há interdependência: a ameaça de impeachment é a contrapartida de ameaças de condenação em ações penais.
Mas ela tem duas
consequências que se movem em direção contrária, e que em parte se neutralizam.
A primeira é que aumentou os incentivos para a base bolsonarista de tentar
aprovar o impeachment de Alexandre de Moraes, recolocar a anistia na agenda e
eliminar o foro por prerrogativa de função. O segundo é que o efeito de união
nacional contra a interferência externa extravagante e inédita. A mudança no
foro, no entanto, poderá prosperar porque ela incorpora à aliança um bloco de
deputados para além do PL envolvidos em ações pouco republicanas.
O foro é a base da
jurisdição criminal do STF —que não
tem paralelo em outros países, mas tratei
disso aqui—, mas foi instrumental para a resiliência democrática
malgrado as patologias da corte. A ascensão de Bolsonaro inaugurou uma era de
confronto aberto. E aqui há um fato novo crucial: a arbitragem constitucional
mudou de chave. Não se trata de conter os excessos do Executivo ou de conflitos
interpoderes envolvendo o Legislativo, mas de responder os ataques à própria
corte; o que é inédito e deflagrou respostas hiperbólicas num crescendo. O ovo
da serpente.
O perfil de agente passivo
de arbitragem não dá mais conta face às investidas virulentas (que passaram a
incluir planos de assassinato de juízes). Mas esta resposta —concentrada em
decisões monocráticas controversas para dizer o mínimo— tem acarretado custos
muito elevados para o STF. Gerou perplexidade a participação de membro da corte
como parte interessada e julgador. O hiperprotagonismo individual cobrou um
preço quanto à legitimidade da corte.
Se o impeachment ou anistia
tem baixa probabilidade de sucesso, o foro é diferente: era letra morta porque
os membros nunca concediam licença prévia para seus membros serem julgados. A
mudança institucional ocorre por choques, como argumentei aqui. O escândalo Hildebrando Paschoal, em
2001, deflagrou a eliminação da licença. O ônus da impunidade passou ao STF
desde então. Mas o caso Ronaldo Cunha Lima expôs a manipulação estratégica de
foros para garantir impunidade. A resposta do STF foi restringi-lo a ações
ligadas ao cargo. Nova mudança em 2025 com o atual julgamento: o foro passa a
ser perpétuo, independente do mandato.
A proposta de mudança
restaura o statu quo pre Pascoal pelo qual a Câmara controlará a licença (para
roubar e matar) e/ou estenderá no tempo os processos, aumentando riscos de
impunidade. Eis o dilema. O problema é sistêmico e envolve degradação institucional
em virtude, entre outras coisas, do padrão hiperpolitizado e personalístico de
nomeações para a corte.
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