segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O STF e o foro - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Proposta restaura o statu quo pelo qual a Câmara controlará a licença e estenderá no tempo os processos

Antes do início do julgamento da denúncia do PGR sobre Bolsonaro, escrevi aqui neste espaço que o saldo líquido para a corte seria negativo em qualquer cenário. "O julgamento será fatalmente percebido como hiperpolitizado —seu custo proibitivo— em um momento crítico para a democracia brasileira". O pior cenário materializou-se. E a intervenção de Trump no processo representa um choque no sistema. Ela altera o equilíbrio perverso entre parlamentares e juízes no qual há interdependência: a ameaça de impeachment é a contrapartida de ameaças de condenação em ações penais.

Mas ela tem duas consequências que se movem em direção contrária, e que em parte se neutralizam. A primeira é que aumentou os incentivos para a base bolsonarista de tentar aprovar o impeachment de Alexandre de Moraes, recolocar a anistia na agenda e eliminar o foro por prerrogativa de função. O segundo é que o efeito de união nacional contra a interferência externa extravagante e inédita. A mudança no foro, no entanto, poderá prosperar porque ela incorpora à aliança um bloco de deputados para além do PL envolvidos em ações pouco republicanas.

O foro é a base da jurisdição criminal do STF —que não tem paralelo em outros países, mas tratei disso aqui—, mas foi instrumental para a resiliência democrática malgrado as patologias da corte. A ascensão de Bolsonaro inaugurou uma era de confronto aberto. E aqui há um fato novo crucial: a arbitragem constitucional mudou de chave. Não se trata de conter os excessos do Executivo ou de conflitos interpoderes envolvendo o Legislativo, mas de responder os ataques à própria corte; o que é inédito e deflagrou respostas hiperbólicas num crescendo. O ovo da serpente.

O perfil de agente passivo de arbitragem não dá mais conta face às investidas virulentas (que passaram a incluir planos de assassinato de juízes). Mas esta resposta —concentrada em decisões monocráticas controversas para dizer o mínimo— tem acarretado custos muito elevados para o STF. Gerou perplexidade a participação de membro da corte como parte interessada e julgador. O hiperprotagonismo individual cobrou um preço quanto à legitimidade da corte.

Se o impeachment ou anistia tem baixa probabilidade de sucesso, o foro é diferente: era letra morta porque os membros nunca concediam licença prévia para seus membros serem julgados. A mudança institucional ocorre por choques, como argumentei aqui. O escândalo Hildebrando Paschoal, em 2001, deflagrou a eliminação da licença. O ônus da impunidade passou ao STF desde então. Mas o caso Ronaldo Cunha Lima expôs a manipulação estratégica de foros para garantir impunidade. A resposta do STF foi restringi-lo a ações ligadas ao cargo. Nova mudança em 2025 com o atual julgamento: o foro passa a ser perpétuo, independente do mandato.

A proposta de mudança restaura o statu quo pre Pascoal pelo qual a Câmara controlará a licença (para roubar e matar) e/ou estenderá no tempo os processos, aumentando riscos de impunidade. Eis o dilema. O problema é sistêmico e envolve degradação institucional em virtude, entre outras coisas, do padrão hiperpolitizado e personalístico de nomeações para a corte.

 

Nenhum comentário: