Valor
Econômico
Dados
revelam que líderes bolsonaristas na insurreição da semana passada preocupam-se
mais em tumultuar do que em propor soluções
"Sinceramente, Bruno, as
métricas que você utiliza para avaliar o quão ruim é o Congresso atual
comparado com os anteriores, para dizer que não é tão mau assim, depois de
ontem foram para o vinagre!”
Recebi a mensagem acima na
quinta, vinda do meu amigo Leandro Novais, professor de direito econômico da
Faculdade de Direito da UFMG. Obviamente, ele se referia à tomada do controle
do Congresso Nacional à força pelos bolsonaristas em reação à decretação da
prisão domiciliar de Jair Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal.
A agitação durou trinta horas e ligou o sinal de alerta sobre o grau de ameaça que paira sobre a democracia brasileira no momento em que um Poder se mobiliza para colocar outro contra a parede.
A subversão da ordem é um prenúncio do que pode acontecer na
política brasileira diante da perspectiva bastante real de os bolsonaristas
fazerem a maioria das cadeiras no Senado nas eleições do ano que vem. Assim,
eles terão a possibilidade real de destituir ministros do Supremo - como
apontei na coluna “Nikolas e a matemática contra o STF” (07/04/2025).
O motim no plenário da Câmara foi
liderado por 14 deputados bolsonaristas que agora são alvo de uma apuração na
Corregedoria, aberta a pedido do presidente da Casa, Hugo Motta
(Republicanos-PB). Agrupados em três blocos, eles representam bem como o bolsonarismo
se organiza e atua no Parlamento.
Os deputados Marco Feliciano,
Sóstenes Cavalcante, Domingos Sávio e Marcel van Hattem iniciaram carreira
parlamentar antes do surgimento do bolsonarismo. Os dois primeiros eram
expoentes da bancada da Bíblia, enquanto os dois últimos são típicos exemplos
de como o PSDB (partido original de Sávio) e o Novo (agremiação à qual ainda
pertence Van Hattem) se radicalizaram à direita. Seja por afinidade ideológica
ou oportunismo político, os quatro aderiram ao pelotão de frente de defesa do
ex-presidente.
Um segundo grupo chegou a
Brasília na onda que levou Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto em 2018. Bia
Kicis, Carlos Jordy e Caroline de Toni já estrearam assumindo posições de
destaque do bolsonarismo na Câmara, acompanhando o ex-presidente em todos os
seus passos, inclusive na migração do PSL ao PL.
Por fim, temos a segunda geração
de bolsonaristas no Congresso: Nikolas Ferreira, Zé Trovão, Paulo Bilynskyj,
Zucco, Júlia Zanatta e Marcos Pollon, além de Allan Garcês, são fenômenos das
redes sociais e se caracterizam pelo discurso agressivo, não raro incitando a
violência.
De forma geral, os líderes do
motim parlamentar são bastante ativos na Câmara. Oito deles estão na lista dos
50 deputados que mais apresentaram proposições na atual legislatura,
considerando todos os tipos de expedientes: Bilynskyj (4º), Sóstenes (10º), Zucco
(11º), Van Hattem (22º), Pollon (28º), Júlia Zanatta (39º), Bia Kicis (47º) e
Nikolas (49º).
Isto não quer dizer, porém, que essa intensidade é utilizada de modo
construtivo. Quando se considera o ranking dos deputados que mais apresentaram
as principais proposições legislativas (PECs e projetos de lei ordinária e
complementar), apenas três dos amotinados figuram entre os “50 mais”, e em
posições bem piores: Pollon (14º), Bilynskyj (28º) e Zé Trovão (45º).
A diferença está no fato de que
os bolsonaristas gastam muito mais energia no embate do que na apresentação de
propostas. Nikolas Ferreira, a grande estrela do bolsonarismo nas redes
sociais, está na distante posição de número 229 entre os que mais apresentaram
PLs e PECs, que constituem apenas 3,8% de sua produção (menos da metade da
média geral, que é de 8,2%). A explicação está no fato de que o deputado mais
votado do país passa a maior parte do tempo no Congresso manobrando a
tramitação de projetos, com requerimentos de inclusão, reversão ou exclusão de
pautas, convocação de autoridades e pedidos de informações.
Levando em consideração a
classificação de proposições elaborada pelo Centro de Documentação e Informação
da Câmara, foi possível identificar o que interessa e sobre quais temas
pretendem incidir os chefes da insurreição bolsonarista. De uma maneira geral,
suas propostas legislativas versam prioritariamente sobre Administração Pública
em primeiro lugar (34,4% dos projetos, sendo que 67% deles são requerimentos de
informação a Ministérios e outros órgãos públicos), e na sequência vêm Defesa e
Segurança Pública (13,5%) e assuntos ligados a Direitos Humanos e Minorias
(7,7% do total de iniciativas).
Trata-se de uma divisão muito
mais aguda do que a da média dos 513 deputados, que nesta legislatura se
dividem de forma bastante equilibrada entre Administração Pública (11,9% do
total), Direitos Humanos e Minorias (11,6%), Saúde (9,1%), Finanças Públicas e
Orçamento (6,7%), Defesa e Segurança Pública (5,8%) e Educação (5,5%).
Mais preocupados em fustigar do
que em propor, e concentrados na pauta de segurança pública e de perseguição às
minorias - é essa a elite parlamentar do bolsonarismo, que está a prestes a
tomar o poder do Congresso Nacional, à força ou pelo voto.
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