Folha de S. Paulo
BC tem atuado, usando a Selic, para tentar
tornar esse crescimento mais sustentável
Editorial recente da Folha apontou,
logo no título, que uma "desaceleração
do PIB é necessária neste momento". Muitas pessoas reagiram
negativamente a essa opinião, como se o jornal estivesse "torcendo
contra" o país e o governo atual. Mas uma análise
"desapaixonada" do quadro macroeconômico de fato sugere que o
crescimento atual brasileiro é desbalanceado, com vários sinais de
superaquecimento.
Temos hoje uma taxa de desemprego perto dos 6% da força de trabalho, quando boa parte das estimativas indica que a taxa de equilíbrio para a economia brasileira está em algo entre 7% e 7,5%. O déficit das contas externas brasileiras se elevou consideravelmente desde meados do ano passado, passando de cerca de 1,5% do PIB para 3,5% nesse ínterim. Se até o final do ano passado esse déficit vinha sendo financiado, com alguma folga, pelos investimentos diretos no país, isso mudou em 2025, com o déficit externo correndo quase 0,5% do PIB acima dos investimentos estrangeiros no Brasil.
Com a economia superaquecida, emerge uma
pressão sobre a inflação doméstica. Obviamente, a inflação não depende somente
do desempenho da atividade local, também sendo afetada pela cotação cambial,
pelos preços de commodities e por questões climáticas (2025 está sendo um ano
ainda mais seco do que os anteriores), entre outros aspectos.
O que nos trouxe a esse quadro de
superaquecimento? Desde 2021, o PIB brasileiro tem surpreendido as
expectativas, crescendo mais do que os analistas esperavam. Isso significa
dizer que o "mercado" estava torcendo contra? Não.
O principal fator por detrás disso foi a
surpresa, também para cima, nos gastos públicos: a diferença entre a despesa
primária do governo federal que era projetada pelo consenso dos analistas no
final de 2020 para o período 2021-24 e a despesa efetivamente observada nesse
período foi positiva em cerca de R$ 1,27 trilhão. E isso apenas para o governo
federal –sabemos que o gasto nos governos regionais tem crescido muito mais do
que a despesa federal.
Se até meados de 2024 um impulso fiscal
positivo era defensável, por representar uma postura anticíclica —a economia
brasileira vinha operando com excesso de ociosidade desde meados de 2015—, isso
já não é mais verdade há pouco mais de um ano. Outro fator por detrás da
surpresa para a atividade tem sido o mercado de
crédito: as fintechs vêm aumentando a concorrência nesse mercado,
reduzindo os custos e ampliando o acesso aos empréstimos.
Também é importante destacar que não foi
somente uma aceleração da demanda que gerou essas surpresas favoráveis do PIB
brasileiro: minhas estimativas apontam que o crescimento potencial brasileiro
passou de cerca de 1% a.a. em 2020-22 para algo um pouco acima de 2% a.a. nos
últimos anos. Isso, por sua vez, refletiu o amadurecimento de diversas reformas
implementadas nos últimos anos, assim como uma retomada dos investimentos
públicos no governo atual.
A reforma da tributação indireta, aprovada no
final de 2023 —a reforma pró-eficiência mais importante aprovada em décadas no
Brasil—, deverá dar um impulso adicional ao PIB potencial na segunda metade
desta década.
Ainda assim, o saldo entre a forte expansão
da demanda agregada e o aumento da capacidade de oferta nos levou a um quadro
de algum superaquecimento desde o final do ano passado. O Banco Central tem
atuado praticamente sozinho, e usando apenas um instrumento (Selic), para
tentar tornar esse crescimento mais sustentável.
Uma maior coordenação entre as políticas
fiscal, parafiscal e creditícia poderia exigir menos Selic do que os 15% a.a.
atuais. Uma meta de inflação realista também ajudaria.
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