Folha de S. Paulo
Trump comete internamente todos os abusos
possíveis e os americanos continuam inermes e inertes
Dia sim, dia não, Donald Trump revoga
o visto de um brasileiro honrado que ele não quer ver em suas fronteiras. Isso
inclui tanto imigrantes e turistas como pessoas que não têm a menor intenção de
morar lá, mas que, em visita, teriam ideias a trocar com os melhores
americanos. Uma troca que, segundo a revista "The Economist",
seria vantajosa para os EUA, hoje sujeitos a "aprender sobre democracia
com o Brasil".
Há uma tendência neste momento a se confundir os EUA com Donald Trump. E com motivo. Trump está cometendo internamente todos os abusos e absurdos que pratica contra outros países, e os americanos, inermes e inertes, parecem estatelados, com os olhos em forma de espiral. Para onde foram as instituições que, desde 1776, têm sido a inveja e a inspiração de tantos países? Onde estão os ativistas que não enchem todos os dias as ruas como nos anos 1960 contra a Guerra do Vietnã? Se Trump se faz de imperial e seus governados murcham as orelhas, é porque talvez ele seja mesmo.
Minha geração foi a última a se formar pela
cultura francesa antes de esta ser engolida pela americana, mas nem nós
escapamos. Inútil passar o ferrolho nas portas, calafetar as janelas, desligar
os aparelhos e mergulhar numa banheira cheia d’água –a cultura americana
penetrava do mesmo jeito, e achávamos ótimo. Entre 1972 e 1997, fui a Nova York
quase 20 vezes, a trabalho ou à toa. Nunca tive problema para renovar o visto e
sempre voltei carregado de livros, discos e filmes. Já passei 40 dias hospedado
no lendário hotel Algonquin e jantei em casas de famílias americanas sem ser
revistado na saída para ver se não estava surrupiando talheres.
Acabo de descobrir por acaso que meu visto
expirou. Que pena. Logo agora, que tinha decidido não voltar lá tão cedo por
vontade própria, serei impedido de entrar porque a embaixada americana, atenta
aos comentários sobre Trump, lê a Folha e sabe o que penso dele e de seu boneco
Bolsonaro.
Chuiff. Bem, sempre posso ir à querida rua do
Ouvidor.
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