sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Servilismo e escalada autoritária. Por Celso Ming

O Estado de S. Paulo

No século V a.C., Hieron, tirano de Siracusa, tinha um insuportável mau hálito, nos conta Plutarco, em sua obra Palavras de Reis e de Generais. Mas ninguém se atrevia a avisá-lo do problema porque, afinal, o maioral poderia se irritar e... Até que um dos de seu séquito tomou coragem: “Meu rei, tens um hálito terrível”. “Mas como? Minha mulher nunca me disse isso?”, questionou. Ela, que estava por perto, se defendeu: “Pensei que todos os homens tivessem esse cheiro”.

Ficou a dúvida entre certos comentaristas se ela era, de fato, uma mulher honesta ou se os homens com quem ela dividia intimidades também tivessem mau hálito, porque, enfim, a escova de dentes só foi inventada alguns milênios mais tarde. Mas esse pormenor está fora do foco desta Coluna.

Essa história mostra o que acontece com os caudilhos. Como adoram bajulações, afastam quem lhes possa dizer verdades que lhes são intoleráveis.

O comentarista Gideon Rachman, do Financial Times, de Londres, observou em artigo recente que Trump tem um “apetite insaciável para elogios” e que isso serve de base para o que decide em seguida.

Este é um traço comum aos autoritários, o que leva seus bajuladores a repetir que Trump é o Messias dos Estados Unidos e do mundo. Steve Witkoff, enviado especial dos Estados Unidos para o Oriente Médio, foi quem lhe soprou aos ouvidos que o Prêmio Nobel da Paz é favas contadas. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, alardeou: “O senhor salvou este país”.

Trump vai acreditando e, com base nesse servilismo, vai enfileirando decisões abusivas. Depois, os assessores se encarregam de exumar leis que justifiquem a escalada autoritária, como a do século passado usada para embasar o tarifaço.

O mais preocupante é que, com medo da vingança e do óbito político que Trump executa implacavelmente, os demais políticos ou responsáveis pelo futuro do país se mantêm agachados e catatônicos, incapazes de enfrentar o desmantelamento da ordem política global e das instituições democráticas.

Só agora se veem as primeiras manifestações em contrário pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário. Mas sabe-se lá se essas iniciativas, ainda tímidas, terão eficácia no processo que se destinasse a conter a progressão autoritária. Trump não se limita a demolir e a demitir. Usa a infantaria de que dispõe para tomar de assalto a direção das agências e dos organismos-chave para seu jogo.

Completou a tomada do Departamento de Estado, do FBI e do Pentágono; começou a operação de tomada do Federal Reserve (Fed, banco central); prepara-se para enfiar seus cúmplices na Suprema Corte; demitiu a encarregada das estatísticas de emprego porque não gostou do que viu; e passou a remanejar os distritos eleitorais para esvaziar o Partido Democrata.

Quem sobreviver verá no que isso vai dar. E será bem mais grave do que o efeito de um bafo.

 

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