O Estado de S. Paulo
No século V a.C., Hieron, tirano de Siracusa, tinha um insuportável mau hálito, nos conta Plutarco, em sua obra Palavras de Reis e de Generais. Mas ninguém se atrevia a avisá-lo do problema porque, afinal, o maioral poderia se irritar e... Até que um dos de seu séquito tomou coragem: “Meu rei, tens um hálito terrível”. “Mas como? Minha mulher nunca me disse isso?”, questionou. Ela, que estava por perto, se defendeu: “Pensei que todos os homens tivessem esse cheiro”.
Ficou a dúvida entre certos comentaristas se
ela era, de fato, uma mulher honesta ou se os homens com quem ela dividia
intimidades também tivessem mau hálito, porque, enfim, a escova de dentes só
foi inventada alguns milênios mais tarde. Mas esse pormenor está fora do foco
desta Coluna.
Essa história mostra o que acontece com os
caudilhos. Como adoram bajulações, afastam quem lhes possa dizer verdades que
lhes são intoleráveis.
O comentarista Gideon Rachman, do Financial
Times, de Londres, observou em artigo recente que Trump tem um “apetite
insaciável para elogios” e que isso serve de base para o que decide em seguida.
Este é um traço comum aos autoritários, o que
leva seus bajuladores a repetir que Trump é o Messias dos Estados Unidos e do
mundo. Steve Witkoff, enviado especial dos Estados Unidos para o Oriente Médio,
foi quem lhe soprou aos ouvidos que o Prêmio Nobel da Paz é favas contadas. O
secretário do Tesouro, Scott Bessent, alardeou: “O senhor salvou este país”.
Trump vai acreditando e, com base nesse
servilismo, vai enfileirando decisões abusivas. Depois, os assessores se
encarregam de exumar leis que justifiquem a escalada autoritária, como a do
século passado usada para embasar o tarifaço.
O mais preocupante é que, com medo da
vingança e do óbito político que Trump executa implacavelmente, os demais
políticos ou responsáveis pelo futuro do país se mantêm agachados e
catatônicos, incapazes de enfrentar o desmantelamento da ordem política global
e das instituições democráticas.
Só agora se veem as primeiras manifestações
em contrário pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário. Mas sabe-se lá se
essas iniciativas, ainda tímidas, terão eficácia no processo que se destinasse
a conter a progressão autoritária. Trump não se limita a demolir e a demitir.
Usa a infantaria de que dispõe para tomar de assalto a direção das agências e
dos organismos-chave para seu jogo.
Completou a tomada do Departamento de Estado,
do FBI e do Pentágono; começou a operação de tomada do Federal Reserve (Fed,
banco central); prepara-se para enfiar seus cúmplices na Suprema Corte; demitiu
a encarregada das estatísticas de emprego porque não gostou do que viu; e
passou a remanejar os distritos eleitorais para esvaziar o Partido Democrata.
Quem sobreviver verá no que isso vai dar. E
será bem mais grave do que o efeito de um bafo.
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