Correio Braziliense
Logo no primeiro dia, os números apresentados
pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, ajudam a dimensionar
a envergadura do processo. Das 1.630 ações penais relativas ao 8 de janeiro de
2023, 683 resultaram em condenações. Mas é o dado das 11 absolvições que merece
reflexão
O Brasil começou a acompanhar nesta semana um dos julgamentos mais relevantes da nossa história: o do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus acusados de liderar uma trama golpista para subverter a ordem constitucional após as eleições de 2022. Não é apenas um evento jurídico. Como vivemos um momento em que a informação é frequentemente manipulada, com profusão de notícias falsas e vídeos fakes, o Supremo Tribunal Federal está sob os olhares de todo o mundo por tudo que a ação penal nº 2.668 representa. Não só apenas pelo peso político dos acusados, que ocupavam a cúpula do antigo governo, mas pela repercussão de que o resultado do julgamento terá, desde a reação do Congresso até os efeitos na eleição presidencial do ano que vem.
Logo no primeiro dia, os números apresentados
pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, durante a abertura
dos trabalhos, ajudam a dimensionar a envergadura do processo. Das 1.630 ações
penais relativas ao 8 de Janeiro de 2023, 683 resultaram em condenações. Mas é
o dado das 11 absolvições que merece reflexão. Em sua maioria, trata-se de
pessoas consideradas inimputáveis por transtornos mentais ou em situação de rua
que foram atraídas por promessas tão elementares quanto um prato de comida, como detalhou reportagem publicada ontem por Aline Gouveia, no
site do Correio.
Esse recorte lança luz sobre um ponto
fundamental, principalmente em relação ao acampamento montado ao redor da Praça
dos Cristais, na frente do QG do Exército, no Setor Militar Urbano. Além dos
organizadores do movimento, havia cidadãos vulneráveis usados como massa de
manobra em um enredo que lhes era alheio. Essa constatação não reduz a
gravidade dos atos, mas reforça a necessidade de distinguir culpados de
inocentes, líderes de seguidores, e a manipulação de realidade concreta.
E é justamente na manipulação que reside um
risco ainda mais profundo para democracias: as notícias falsas. Desde
segunda-feira, um vídeo falso de Donald Trump circulou pelas redes como se o
presidente dos Estados Unidos estivesse criticando o Supremo em português por
conta do julgamento de Bolsonaro. Trata-se de um deepfake, fabricado com
inteligência artificial, desmentido por checagens independentes. O original,
uma coletiva sobre investimentos da Apple, nada tinha a ver com o nosso país.
O episódio é carregado de simbolismo. Mostra
que a desinformação não se limita a memes ou boatos. Com o avanço contínuo da
inteligência artificial, assume formas cada vez mais sofisticadas, capaz de
iludir milhões em horas. Uma única postagem no Facebook com o vídeo falso de
Trump teve 28 mil compartilhamentos e 14,7 mil comentários em menos de 24
horas. Imagine a proporção em outras redes de difícil rastreio, como o
Telegram, WhatsApp e Discord?
Por isso, é fundamental sempre lembrar que as
notícias falsas são, sim, uma ameaça direta à democracia. São capazes de mudar
a percepção pública da realidade. É aí que está o perigo.
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