Enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa é retrocesso
Por O Globo
Lula deve vetar mudança que dilui poder da
legislação criada para coibir a influência de criminosos na política
Com todas as atenções voltadas para o
julgamento da tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), o
Congresso aproveitou para enfraquecer a Lei da Ficha Limpa, em benefício de
políticos condenados pela Justiça. Por 50 votos a 24, o Senado referendou o
texto, já aprovado pela Câmara, reduzindo a eficácia da lei. Pela nova regra,
os oito anos de inelegibilidade impostos a políticos ficha-suja passam a ser
contados a partir de sua condenação por tribunal ou órgão colegiado — e não
mais do final do cumprimento da pena.
Também foi estabelecido o limite de 12 anos para o tempo que o político ficha-suja ficará proibido de disputar cargos eletivos. O novo texto ainda determina que, para a punição valer em casos de atos de improbidade, será preciso comprovar o dolo. E amplia de quatro para seis meses o período de desincompatibilização de candidatos oriundos de Ministério Público, Defensoria Pública, Forças Armadas e polícia. Todas essas medidas são nocivas. É sintomático que o projeto tenha tramitado em regime de urgência, sem passar por comissões nem ser discutido em audiências públicas.
De acordo com os defensores das mudanças, a
intenção é limitar ao máximo de oito anos o afastamento de políticos das urnas.
“Está no texto da lei: oito anos. Não pode ser nove, nem 20”, disse o
presidente do senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ao votar a favor. Na prática,
o Legislativo restringiu ao mínimo o poder de dissuasão da lei sobre políticos
condenados pela maioria dos crimes comuns.
Tome-se o caso do ex-presidente da Câmara
Eduardo Cunha, cassado em 2016 por quebra de decoro, pois mentiu à CPI da
Petrobras em 2015, ao garantir que não tinha contas bancárias secretas na
Suíça. Sua inelegibilidade, pelas regras anteriores, se estenderia até os anos
2040. Com o enfraquecimento da lei, ele tem chance de se candidatar já nas
eleições do ano que vem (o projeto aprovado pelo Senado foi apresentado à
Câmara pela deputada fluminense Dani Cunha, do União, filha de Eduardo Cunha).
Entre dezenas de outros beneficiados, estão também os ex-governadores Anthony
Garotinho (RJ) e José Roberto Arruda (DF).
A Lei da Ficha Limpa resultou de uma proposta
de iniciativa popular que coletou mais de 1,6 milhão de assinaturas. Sempre
esteve na mira dos políticos. Sua constitucionalidade foi garantida pelo STF em
2012 e, cinco anos depois, a Corte decidiu que os oito anos de inelegibilidade
seriam contados a partir do final do cumprimento da pena recebida na sentença
que enquadra o político na Lei da Ficha Limpa. Foi uma decisão correta, pois
não faz sentido que a segunda punição, de caráter eleitoral, seja absorvida pela
sentença que serviu de base ao enquadramento do condenado.
É certo que a mudança aprovada pelo Congresso
não se aplica a condenados por crimes hediondos ou graves, como lavagem de
dinheiro ou tráfico de drogas. Mas isso não atenua o erro do Parlamento. É
fundamental que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete as mudanças na
íntegra. É o mínimo que a população exige para que a política não se transforme
em porto seguro para criminosos condenados.
Obra do túnel Santos-Guarujá deve refletir
espírito republicano
Por O Globo
Leilão necessário só se tornou possível
porque governos federal e estadual souberam deixar desavenças de lado
Está marcado para hoje o leilão da parceria
público-privada para construir e gerir o túnel ligando Santos ao Guarujá, no
litoral de São Paulo. Não era sem tempo. O projeto se justifica há décadas.
Além de facilitar o acesso ao maior porto da América Latina, resolverá
dificuldades que há gerações penalizam a população de Santos (430 mil) e do
resto da Baixada Santista (1,44 milhão). A ideia do túnel foi registrada em
esboço do arquiteto Enéas Marini há quase cem anos, sob inspiração do túnel
Holland, que liga Manhattan a Nova Jersey, sob o Rio Hudson.
Aproximadamente 78 mil pessoas cruzam todo
dia o Canal de Santos. Embora a travessia pela balsa dure minutos, a espera
pode se tornar insuportável — nos períodos de maior movimento, é comum levar
mais de duas horas. Todas as ideias para facilitá-la já foram cogitadas.
Chegou-se a pensar numa ponte elevatória, projeto descartado, pois afetaria
operações da base aérea do Guarujá. Hoje a única alternativa às balsas são 45
tortuosos quilômetros de estrada, percorridos em cerca de uma hora, mas também
sujeitos às vicissitudes do trânsito.
O túnel sob o Canal de Santos está orçado em
R$ 6,8 bilhões, R$ 5,14 bilhões dos quais serão divididos igualmente entre os
governos federal e estadual (o restante caberá à concessionária). No trajeto de
1,5km, permitirá a travessia por automóveis, ônibus, VLT ou bicicleta. Também
será possível cruzá-lo a pé. Será a primeira obra do tipo no Brasil, e há duas
propostas sobre a mesa do leilão: a primeira, da espanhola Acciona; a segunda,
da portuguesa Mota-Engil. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da
União (TCU) apresentou um requerimento para suspensão do certame, alegando que
os critérios adotados afastaram grupos nacionais — sobretudo dificuldades
impostas para obter financiamento junto ao BNDES (o TCU negou o pedido). Tal
argumento esquece que o governo já financiará três quartos da obra. O BNDES faz
bem, depois de todas as negociatas expostas pela Operação Lava-Jato, em impor
exigências mais rígidas.
Para o êxito do leilão, foi fundamental a
integração entre organismos federais e estaduais. No lugar de uma disputa
política sem sentido — como a suscitada pela operação recente contra a facção
criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) —, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) e o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), atuaram
para superar as divergências, imbuídos de espírito republicano. Fizeram bem. Só
a coordenação entre os palácios do Planalto e dos Bandeirantes seria capaz de
enfim pôr em marcha um projeto de infraestrutura necessário, concebido há um
século.
Felizmente foram superados os desentendimentos políticos e partidários que constituíam o maior obstáculo ao empreendimento. É crucial que o mesmo espírito de harmonia e entendimento se mantenha durante a execução da obra. E que tal atitude inspire outras iniciativas em nome do bem público. Assim o túnel se tornará não apenas mais uma façanha da engenharia, mas um monumento à maturidade institucional do Brasil.
População em queda exige ajuste das políticas
públicas
Por Valor Econômico
Os orçamentos de Previdência, Saúde e
Educação terão de dar conta do envelhecimento da população e da redução do
número de jovens na escola
O Brasil tinha uma população de 213,42
milhões de pessoas em julho, informou o IBGE, confirmando a desaceleração do
crescimento populacional que provavelmente antecipará o momento em que o número
de habitantes começará a decair, no início da década de 2040. Os dados influem
no presente e no futuro das contas públicas. O Tribunal de Contas da União
(TCU) os utiliza para calcular a distribuição dos recursos da União para os
fundos de participações de Estados e municípios. Os orçamentos de Previdência,
Saúde e Educação terão de dar conta do envelhecimento da população e da redução
do número de jovens na escola. Há vários desafios a enfrentar.
Houve um aumento de 0,39% na comparação com a
estimativa de 2024, e de 5,1% em relação ao Censo de 2022, baseado na contagem
de pessoas e domicílios. Dos 5.571 municípios brasileiros, 37,3% viram a
população encolher, inclusive capitais como Salvador, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Belém e Natal. A queda da taxa da fecundidade é a razão da
desaceleração. A taxa caiu para 1,6 filho por mulher, a menor em 62 anos. Em
1960 era de 6,3 filho por mulher e, no Censo de 2010, de 1,9.
A fecundidade já está abaixo da necessária
para a reposição da população, de 2,1 filhos por mulher, o que levará ao
decréscimo populacional no futuro. Estimava-se que a população iria parar de
crescer na segunda metade da década de 2040, por volta de 2048. Agora, a
perspectiva é que isso ocorra mais perto da virada da década, provavelmente em
2041. A população passará então a decrescer, tendência prevista até 2070,
quando deverá estar abaixo de 200 milhões.
Por outro lado, está aumentando a expectativa
de vida do brasileiro. Depois da pandemia do coronavírus, aumentou quase um
ano, para 76,4 anos em 2023, sendo de 73,1 anos para homens e 79,7 anos para
mulheres. Segundo o analista Bruno Martins, do BTG Pactual, a idade média do
brasileiro chegou a 36,2 anos no segundo trimestre deste ano, acima dos 31,9
anos no primeiro trimestre de 2012. As pessoas com 65 anos ou mais eram 11,5%
da população no segundo trimestre, em comparação com 7,6% no primeiro trimestre
de 2012. O percentual de jovens de até 24 anos diminuiu de 41,3% para 33,8% na
mesma base de comparação (Valor, 25/8).
A combinação da menor taxa de fecundidade com
a maior expectativa de vida produz efeitos significativos na economia e
influencia um total de despesas do governo equivalente a 22% do Produto Interno
Bruto (PIB) — 12% da Previdência Social, 5% da Saúde e 5% da Educação. Além
disso, afeta o mercado de trabalho, consumo e investimentos entre outros.
No caso da Previdência, a maior dessas
contas, o envelhecimento da população reduz as contribuições e aumenta a
demanda por benefícios. Nesse caso, a demografia reforça a necessidade de uma
nova reforma. O especialista Fabio Giambiagi salienta, além da necessidade de
análise da expansão das despesas assistenciais do Benefício de Prestação
Continuada (BPC-Loas), a importância de nova rodada de mudanças paramétricas
adequadas às novas tendências demográficas (O Globo, 22/8). Giambiagi sugere
também a redução do diferencial de idade para homens e mulheres, além de
mudanças nas regras da aposentadoria rural e das condições de elegibilidade
para o Loas.
O impacto da transição demográfica na Saúde é
evidente. Populações mais velhas demandam mais serviços de saúde e tratamentos
de doenças crônicas. Há ainda mudança no padrão das doenças mais frequentes.
Além disso, como apontou a economista Zeina Latif (O Globo, 30/7), a inflação
da saúde tem sido mais elevada do que a média em consequência do
desenvolvimento de novas tecnologias, mais caras.
Ana Maria Diniz, fundadora do Instituto
Península, que atua na formação de professores, vê na nova estrutura
demográfica que está tomando forma “uma oportunidade única para reformular o
sistema educacional brasileiro” (Valor, 16/6). Nos próximos 25 anos, diminuirá
o número de matrículas de jovens em idade escolar, e, para ela, em lugar de
mais escolas e mais professores, será necessário melhorar o ensino e superar
deficiências estruturais que mantêm elevados os índices de 29% de analfabetos
funcionais e de 35% dos que não concluíram o ensino fundamental. A rede escolar
poderá ser reduzida e o foco curricular, dirigido para o aumento da
produtividade.
Em relação ao mercado de trabalho, Bruno
Martins vê influência positiva da estrutura demográfica nos números atuais
(Valor, 25/8). De acordo com seu estudo, se a estrutura demográfica de
2012/2013 persistisse até os dias de hoje e as taxas de participação de cada
grupo demográfico fossem constantes, a taxa de desemprego seria cerca de 2,1
pontos percentuais maior do que os 5,8% do segundo trimestre deste ano, e o
rendimento médio nominal seria 18% inferior ao atual.
Cerca de 70 países também estão com taxa de fecundidade inferior à necessária para manter a população estável. A redução não impede o crescimento econômico da China e da Coreia do Sul, por exemplo. Mas o Brasil tem um velho desafio que não consegue superar, o da produtividade. Será preciso produzir mais e melhor, com menos gente. Melhorar radicalmente a educação seria um enorme salto à frente.
Veto à compra do Master é marco para BC
autônomo
Por Folha de S. Paulo
Autoridade monetária precisará demonstrar
resistência a pressões do mundo político e clareza de propósitos
Dias antes da decisão, lideranças do centrão
apoiaram um projeto que daria poderes ao Congresso Nacional para demitir
dirigentes do BC
A autonomia do Banco Central,
adotada no Brasil há apenas cinco anos, tem sido bem-sucedida em manter a
definição dos juros sob critérios exclusivamente técnicos, mesmo quando sofreu
ataques do presidente da República e seu partido.
As atribuições da instituição, no entanto,
vão além da política monetária, incluindo, entre outras, supervisionar o
sistema bancário e zelar por sua solidez. Nesse sentido, o veto à
compra do Banco Master pelo BRB, pertencente ao governo do Distrito
Federal, pode ser mais um teste de resistência a pressões políticas
e de clareza de propósitos.
Parece sintomático que, nos dias anteriores à
decisão, tomada na quarta-feira (3), lideranças do centrão levaram adiante uma
ofensiva em favor de um projeto que daria poderes ao Congresso
Nacional para demitir dirigentes do BC —pelas normas atuais,
essa prerrogativa é do presidente da República, condicionada à aprovação do
Senado, se o motivo for mau desempenho.
De tão extemporânea e mal fundamentada, a
proposta só faz sentido como ameaça. São conhecidas as conexões do controlador
do Master, Daniel Vorcaro, com o mundo da política.
O BC parece ter ignorado tais movimentos em
seu ato, cujo arrazoado técnico ainda é desconhecido. De todo modo, o episódio
está longe de resolvido.
Não se sabe que destino terá o Master.
Analistas apontam as dificuldades da instituição, que ficaram ainda mais
evidentes depois do anúncio da transação com o BRB, no final de março.
O banco tem passivos caros e de curto prazo,
com grande volume de CDBs, além de ativos de rentabilidade incerta e de longo
prazo, como precatórios. Suas captações caíram, e chegou ao ponto de receber
empréstimo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
Soluções possíveis seriam nova tentativa de
venda do banco, obviamente difícil no momento; o fim ordenado e paulatino da
instituição, com novo financiamento do FGC sustentando a operação de venda de
ativos; ou a simples liquidação pelo BC, custosa.
Ademais, cumpre questionar como um banco foi
capaz se realizar tantos negócios arriscados valendo-se de modo temerário do
apoio do FGC —o Master
chegou ao descrédito sem ação mais incisiva do BC. Ou as autoridades
não dispunham de meios técnicos, legais ou administrativos de intervir ou não o
fizeram, no mínimo, por má avaliação.
Por fim, o movimento do centrão mostra que a
autonomia do BC ainda não é ideia consolidada na política nacional. Será
desastroso se um aperfeiçoamento institucional tão importante para a política
econômica se vir ameaçado casuisticamente por interesses particulares
contrariados.
O fortalecimento dos órgãos de fiscalização e
supervisão se tornou ainda mais importante e urgente com a constatação de
avanço do crime organizado sobre o setor financeiro. Esse seria um debate muito
mais proveitoso para os parlamentares.
Tecnologia no ensino de SP exige cuidados
Por Folha de S. Paulo
Ataque hacker realizado por alunos expõe
questões sobre expansão de plataformas e segurança digital
O ludíbrio pode ser generalizado: há links
para Tarefa SP e Prova Paulista; estado também precisa melhorar indicadores de
aprendizagem
Desde o início do governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos-SP),
em 2023, o secretário da Educação,
Renato Feder, se notabilizou por ser um entusiasta do uso de ferramentas
digitais em variados campos do ecossistema pedagógico.
Estudantes, professores e diretores das
escolas estaduais paulistas acessam cotidianamente, de forma obrigatória, uma
série de plataformas para, entre outras atividades, fazer redações, registrar
faltas e entregar lições.
Nesta última, onde as tarefas escolares são
cumpridas, a educação de São Paulo foi
alvo de uma espécie de "cola high tech": alunos estão hackeando os
programas para que as atividades sejam feitas automaticamente, em segundos;
livrando-os, assim, da exigência de usar esses sistemas.
Como noticiou a Folha, o embuste já
virou negócio. Há casos em que se cobram de R$ 2,50 a R$ 10 para compartilhar
links de "scripts" (comandos escritos em linguagem de programação).
A reportagem
acompanhou um aluno em ação: ele selecionou as lições da semana e,
em instantes, elas já constavam como realizadas na plataforma digital —e com as
respostas corretas.
O ludíbrio pode ser generalizado: há links
para o Tarefa SP (onde há exercícios diários para todas as disciplinas) e
outros para plataformas com lições de matemática, inglês, leitura, redação e
até a Prova Paulista, que promove avaliações bimestrais.
O secretário Feder já deixou claro que a
digitalização dos processos é um dos nortes da sua gestão. Só no ano passado, o
governo Tarcísio gastou quase R$ 500 milhões com a política. "O foco é a
aprendizagem, e não apenas o cumprimento de tarefas ou metas
automatizadas", afirma a pasta. Espera-se que assim seja.
A expansão de tais tecnologias, incluindo
a inteligência
artificial, é irrefreável em múltiplos setores e atividades. Não
seria diferente na educação pública, onde sem dúvida tende a render bons
frutos. Há sempre que avaliar o ritmo da transformação e de que forma os atores
da comunidade escolar vão absorvê-la —suas impressões podem e devem ser
aplicadas nesse processo.
Estado mais rico do país, São Paulo tem
amargado no Ideb,
o principal indicador da educação básica, desempenho
muito aquém do esperado, sendo ultrapassado de forma vexatória por
unidades federativas com menos recursos orçamentários.
Novas políticas nesse campo decerto precisam de algum tempo para mostrar resultados. A burla ao sistema digital ao menos mostra que cuidados são necessários na experiência paulista.
O Banco Central sob ataque dos abutres
Por O Estado de S. Paulo
Só um BC independente pode tomar decisões que
contrariam poderosos interesses, como a que impediu a compra do Master pelo
BRB, motivo pelo qual o Centrão quer subjugar a autarquia
A diretoria do Banco Central (BC) reprovou a
compra de parte do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB) por entender,
conforme apurou o Estadão, que a aquisição poderia contaminar o BRB, um banco
público, com ativos “podres” do Master.
A sustentabilidade do modelo de negócios do
Master há muito era causa de inquietação no mercado financeiro. O banco cresceu
vertiginosamente usando recursos que os clientes investiam em CDBs, remunerados
com taxas bem acima das de mercado, para aplicar em ativos de risco elevado,
como precatórios.
Anunciada no final de março, a compra do
Master pelo BRB era, portanto, de interesse de muita gente poderosa. Com
exceção do BC, que passou mais de cinco meses analisando o negócio, a venda foi
aprovada de forma relâmpago em outras instâncias envolvidas no negócio.
O governo do Distrito Federal, controlador do
BRB, só enviou projeto de lei buscando aprovação do Legislativo local para a
compra do Master após ser obrigado pela Justiça. Mas a Câmara Legislativa do DF
levou apenas uma tarde para dar sinal verde à transação.
Já parte do mercado financeiro, mesmo
incomodada com o Master, entendia que a solução via BRB era uma saída menos
traumática para a questão. Com o negócio vetado, pode haver impacto em outras
instituições financeiras. Ademais, uma intervenção do BC no Master torna-se
cada vez mais provável, o que sempre pode resultar na revelação de mais
problemas.
Veio do Congresso, porém, o sinal inequívoco
de que o acordo BRB-Master atenderia a desejos inconfessáveis. Sabe-se que o
dono do Master, Daniel Vorcaro, tem excelente trânsito em Brasília, sobretudo
com parlamentares, com destaque para o senador Ciro Nogueira (PP-PI), estrela
do Centrão.
Diante das notícias de que havia resistência
ao negócio no BC – resistência essa que acabou personificada pelo diretor de
Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, Renato Dias Gomes –, o
Congresso partiu para a intimidação desbragada. No início da semana, lideranças
de partidos do Centrão assinaram pedido de urgência para a tramitação de um
projeto de lei que permite ao Congresso destituir presidentes e diretores do
BC, prerrogativa que hoje compete única e exclusivamente ao presidente da
República. O alvo evidente era o diretor Gomes, responsável pelo parecer que baseou
a decisão do BC e que resistia a recomendar o negócio, em razão de evidente
falta de garantias.
“Se o Congresso pode afastar o presidente da
República, por que não poderia afastar um diretor do Banco Central?”,
questionou o deputado Doutor Luizinho (RJ), líder do PP na Câmara. Ora, não
poderia porque, como bem resumiu o ex-presidente do BC Arminio Fraga, isso
seria coisa de “republiqueta”.
Graças à independência operacional do BC,
conquistada há apenas quatro anos, é que a diretoria da autarquia pode barrar
negócios como o que envolve o Master e o BRB, mesmo sob forte pressão. Agora,
parte do mesmo Congresso que aprovou a Lei Complementar n.º 179, que
transformou o Banco Central em autarquia de natureza especial justamente para
protegê-lo de interferências político-partidárias, quer acabar com essa
blindagem fundamental.
Conforme o projeto de lei que está sendo
articulado na Câmara, os parlamentares podem votar a demissão de diretores do
BC “quando a condução das atividades do Banco Central for incompatível com os
interesses nacionais”. Obviamente, não houve preocupação de detalhar que
interesses seriam esses nem que atividades seriam consideradas incompatíveis,
abrindo espaço para o arbítrio.
Mesmo com o veto à aquisição do Master pelo
BRB, a novela sobre o banco de Vorcaro está longe de acabar, porque ainda cabe
recurso e, claro, os parlamentares contrariados não deverão se conformar.
Ao recusar a compra do Master pelo BRB, o
Banco Central deixou evidente ao mercado que se orienta por posicionamento técnico,
o que é essencial para que novos casos como esse não voltem a ocorrer.
Mas a elite política de Brasília não gosta
muito dos técnicos, aqueles que normalmente são funcionários públicos de
carreira que não fazem as vontades dos chefes de partidos. A esses abnegados
servidores o Brasil agradece.
O privilégio de ser advogado da União
Por O Estado de S. Paulo
Honorários pagos a membros da AGU chegam a R$
5 bi, mostram a força do corporativismo da elite do funcionalismo público e
desmoralizam discurso do governo Lula contra supersalários
Vale a pena seguir a carreira de advogado-geral da União, e as informações disponíveis no Portal da Transparência são prova disso. Cerca de 12 mil servidores públicos da área em todo o País receberam, em média, R$ 192 mil cada em honorários advocatícios em julho, valor que se soma aos R$ 134 mil que já haviam sido pagos em janeiro. Somente neste ano, o Executivo já gastou R$ 5 bilhões em remunerações extras a esses servidores, segundo a Folha de S.Paulo.
Se a média já é bastante elevada, há quem tem
recebido ainda mais, como é o caso do ministro-chefe da Advocacia-Geral da
União (AGU), Jorge Messias, que embolsou R$ 307,9 mil em honorários em julho
deste ano e R$ 193,2 mil em janeiro, valores que se somam ao seu salário. As
informações referentes à bolada de julho só vieram a público nesta semana,
talvez na expectativa de que todas as atenções estivessem completamente
voltadas para o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
Até então, o pouco que se sabia sobre os
honorários foi revelado pela imprensa, que mostrou que os repasses vinham
acontecendo mensalmente por meio do Conselho Curador dos Honorários
Advocatícios (CCHA). Embora seja abastecida com recursos arrecadados pelo poder
público, tal entidade se valia de um alegado status privado para realizar os
pagamentos sem qualquer transparência.
Diante do escândalo, o governo decidiu
reagir. Assim, instituiu um “modelo de governança pública” para acompanhar as
informações do tal conselho curador e, segundo a própria AGU, “assegurar que os
recursos relativos aos honorários de sucumbência, recebidos pelos advogados
públicos federais, sejam administrados pelo CCHA com transparência, legalidade,
eficiência e integridade, e sejam objeto de prestação de contas”.
Parece algo para inglês ver, e tudo indica
que seja isso mesmo. Segundo nota divulgada pela AGU, Messias acaba de enviar
as primeiras “recomendações” ao conselho curador. Sugere, e não determina, “que
não sejam instituídos novos direitos e vantagens reconhecidos e pagos com
efeitos retroativos”. Orienta, e não ordena, “que a criação de novas rubricas
de natureza indenizatória seja condicionada à prévia deliberação do Conselho
Superior da Advocacia-Geral da União”, instância máxima de deliberação
institucional presidida por si mesmo.
Difícil de acreditar que a intenção seja
mesmo moralizar o pagamento dos tais honorários. Na mesma nota divulgada pela
AGU, Messias cita a necessidade de assegurar o alinhamento entre a política
institucional da AGU e a gestão dos honorários advocatícios, “cuja adequada
administração impacta diretamente a valorização e a retenção de membros da
carreira e, por consequência, a qualidade da atuação jurídica do órgão”.
Não se tem notícia de que haja uma evasão de
servidores da AGU em razão de baixos salários, mesmo porque a remuneração
inicial da carreira é de quase R$ 20 mil. Por outro lado, não deixa de ser
interessante que o argumento de Messias seja exatamente o mesmo utilizado por
integrantes da Justiça e do Ministério Público para justificar seus próprios
penduricalhos.
Em junho, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, disse que o Congresso deveria começar a reforma administrativa
enfrentando os chamados supersalários. Em julho, foi a vez de a ministra da
Gestão e da Inovação, Esther Dweck, repetir a ladainha. No mesmo mês, em linha
com o discurso da justiça social que o presidente Lula da Silva retomou, o
líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), apresentou um projeto de lei para
assegurar a aplicação do teto remuneratório mensal de R$ 46.366,19.
Logo, é preciso saber se o governo Lula
concorda com o oneroso comportamento corporativista da AGU. Curioso observar
que os honorários de sucumbência – que, em sua maioria, são uma parcela dos
valores pagos por devedores que tiveram débitos inscritos na dívida ativa da
União – só servem para um lado: o do bônus. Os advogados públicos não têm de
arcar com o custo das derrotas que o governo acumula na Justiça. E elas são
muitas, haja vista o volume de precatórios com os quais a União tem de arcar
todos os anos.
Ceticismo na reforma administrativa
Por O Estado de S. Paulo
Divulgação de textos da reforma pelo relator
é condição necessária e urgente para início dos debates
O entusiasmo que o deputado Pedro Paulo
(PSD-RJ) tem demonstrado na liderança das discussões sobre a reforma
administrativa precisa estar acompanhado de alguma substância para que possa
ser levado a sério. Até agora, os textos que ele teria elaborado – uma Proposta
de Emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar e um projeto de
lei ordinária – não vieram a público, e o pouco que se sabe sobre o tema tem
como base as palavras do parlamentar.
Tal estratégia teria sido sugestão do
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para quem é preciso
discutir a ideia central da reforma com lideranças partidárias para garantir
apoio antes de publicá-la. Mas o risco está justamente na possibilidade de que
a construção desse consenso resulte numa proposta que promete mais do que
entrega ou que oferece algo ainda pior do que se tinha até então.
É o caso do pagamento de um 14.º salário para
servidores a título de produtividade, uma das sugestões defendidas por Pedro
Paulo. A ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, diz que o governo
federal não tem condições de arcar com essa despesa. Já Pedro Paulo afirma que
a medida não terá grande impacto na folha, pois somente os funcionários que
atingirem determinadas metas de avaliação e desempenho fariam jus ao benefício.
Mas, para além da questão fiscal, o 14.º
salário por mérito, embora pareça uma boa ideia para estimular os funcionários
públicos, tem uma chance nada desprezível de ser completamente desvirtuado. A
possibilidade de que essas metas sejam mera formalidade e de que o benefício
acabe por ser pago a todos os servidores de maneira indiscriminada, inclusive a
aposentados, não é remota. O bônus dos auditores da Receita Federal e os
honorários dos membros da Advocacia-Geral da União (AGU) são exemplos práticos
desse fenômeno.
É louvável a ambição do relator de incluir
todos os Poderes e todos os entes federativos na reforma. Mas, se é essa a
intenção, há que considerar o custo que o 14.º salário vai impor ao caixa das
prefeituras. O mais recente Censo do IBGE mostrou que 70% dos municípios têm
até 20 mil habitantes, o que indica uma capacidade de arrecadação bastante
limitada para fazer frente às suas despesas. Segundo a Confederação Nacional de
Municípios (CNM), 54% das prefeituras fecharam as contas no vermelho no ano
passado. Importante lembrar que o socorro, quando necessário, sempre sobra para
a União.
Os penduricalhos, aparentemente, não serão
atacados de maneira estrutural pelo deputado, ao menos segundo avaliação do
Centro de Liderança Pública (CLP). De acordo com a entidade, o cumprimento
desse objetivo requer o estabelecimento de travas efetivas, como um limite
agregado anual por servidor e por órgão, não compensável nos meses seguintes e
com abatimento automático caso o teto seja ultrapassado.
Mais que palavras, a divulgação dos textos da reforma é a melhor maneira de vencer esse ceticismo em relação à reforma administrativa. Só assim a sociedade saberá se a disposição do Congresso em enfrentar os privilégios garantidos à elite do funcionalismo público é real ou simulada.
Saúde mental tem que ser prioridade pública
Por Correio Braziliense
Dados oficiais derrubam a ideia de que a
saúde mental é "problema de rico" e reforçam a necessidade de
envolver políticas intersetoriais
Nos últimos anos, o tema saúde mental tem
sido assíduo no front político. Mês passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei
5.015/2023, que institucionaliza o Setembro Amarelo, uma campanha nacional
permanente contra a automutilação e o suicídio, fixando datas oficiais de
mobilização para a causa. O texto aguarda sanção presidencial.
Na quarta-feira, a Comissão de Direitos
Humanos (CDH) aprovou o PL 1.773/2022, criando a Política Nacional de Combate
ao Suicídio de Crianças e Adolescentes — com ênfase em pós-venção
(cuidados aos familiares de um suicida) —, que seguirá para a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Também avançou o PL 5.195/2020, que
ajusta a política de prevenção com foco em pessoas com deficiência e grupos
mais vulneráveis.
São textos que deslocam o foco do Setembro
Amarelo para o "ano inteiro", com ênfase em outras datas importantes
para a temática, como o Janeiro Branco e o Dia Mundial da Saúde Mental, em 10
de outubro. Embora movimentos como esses sejam importantes, as estatísticas
exigem medidas mais drásticas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS)
contabilizou 727 mil mortes por suicídio em 2021. O autoextermínio é a terceira
causa de óbito entre jovens de 15 a 29 anos, sendo que 73% dos casos se dão em
países de baixa e média renda, como o Brasil. Dados da agência das Nações
Unidas indicam que o país registra em média 32 casos por dia.
Os números derrubam a ideia de que a saúde
mental é "problema de rico" e reforçam a necessidade de envolver
políticas intersetoriais, como educação, trabalho e proteção social, e um
envolvimento de diferentes instâncias de poder, para o enfrentamento do
problema. O Executivo também tem feito sua contribuição.
Em 2024, o Ministério da Saúde regulamentou
os Centros de Convivência — espaços comunitários de cuidado e inclusão — com
previsão de abertura de 216 unidades e investimentos da ordem de mais de R$ 80
milhões; também seguiu habilitando novos Centros de Atenção Psicossocial
(Caps), a espinha dorsal do conjunto de serviços de saúde mental que integra o
SUS.
Essas ações apontam na direção certa: tirar
os doentes do isolamento e trazer a sociedade para a discussão. Mas essa
expansão depende, ainda, de fatores como a garantia de equipes completas nos
centros de convivência, intervenções efetivas e retaguarda hospitalar para atendimento
a esses pacientes, combinada com a atenção primária capacitada para rastrear
riscos e manejar sobretudo os transtornos com maior incidência, como depressão,
ansiedade e dependência química.
Por fim, vale lembrar a origem da própria campanha no Brasil — articulada pela Associação Brasileira de Psiquiatria e parceiros, com 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. Reconhecer esse legado é importante, mas o amadurecimento das políticas exige que o "amarelo" ilumine o ano inteiro: do piso de financiamento da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) à formação das equipes, da escola ao posto de saúde, da regulação de plataformas à restrição de meios letais. Só assim trocamos visibilidade por vidas preservadas.
A violência que atinge os servidores públicos
Por O Povo (CE)
As agressões não se limitam ao serviço
público, mas atingem também outros tipos de atividade que dependem do contato
interpessoal.
O Mapeamento das Defensoras e
Defensores Públicos do Ceará, realizado pela primeira vez no Estado, detectou
alto índice de agressões, físicas e verbais, sofridas por esses profissionais
no exercício de seu trabalho.
O levantamento foi realizado pela Cuali
Pesquisa, a pedido da Associação dos Defensores e Defensoras Públicas do Estado
do Ceará (Adpec). Foram realizadas 170 entrevistas, 91 em Fortaleza e 79 em
cidades do interior. A maioria desses defensores atua nas áreas criminal
(41,2%) e cível geral (35,3%). No total, a categoria é composta por cerca
de 360 defensores, atuando em 102 dos 184 municípios cearenses.
Os dados levantados mostram que 61,8% dos
defensores relataram ter sofrido algum tipo de violência, física ou moral,
durante o trabalho. Outros 31,2% foram vítimas de ameaça direta ou a alguém da
família, devido às suas atividades. Apenas 34,1% disseram que sentem
segurança no ambiente de trabalho.
Não existem pesquisas específicas que revelem
mais a fundo os motivos que levam a essas agressões, mas algumas causas — que
não justificam a violência contra aos servidores públicos —, podem
ser levantadas, como a falta de profissionais e de estrutura para receber quem
precisa de algum serviço, gerando filas e demora no atendimento.
Registre-se ainda o inegável aumento da tensão
social que atinge a sociedade brasileira, levando a que as pessoas se
tornem cada vez mais intolerantes a qualquer frustração, explodindo por
qualquer motivo. Normalmente, sofre quem está na ponta do serviço, que é
responsabilizado indevidamente por um problema que ele não pode resolver.
Observe-se que o mapeamento aponta fragilidades na
estrutura de apoio ao trabalho dos defensores, com 72,9% considerando
insuficiente o número de profissionais. Ademais, 54,7% precisam compartilhar as
salas de atendimento com outros colegas, comprometendo a privacidade do
serviço.
Recentemente o programa Fantástico, da
Rede Globo, revelou uma escalada de agressões contra profissionais de saúde.
Pesquisa mostra que 80% deles reclamam já terem sido vítimas de algum tipo de
agressão no local de trabalho: xingamentos, violência física e até ameaças de
morte.
E a violência não se restringe ao serviço
público, mas atinge também outros tipos de atividade que dependem do contato
interpessoal, como os entregadores de aplicativo, por exemplo. É assustadora a
quantidade de agressões gratuitas que se pode observar nas redes sociais e no
noticiário, atingindo profissionais das mais diversas áreas.
A situação está a merecer um olhar mais cuidadoso das autoridades. No mínimo, torna-se necessário criar uma rede de apoio aos profissionais que sofrem a violência e buscar formas de minimizar os problemas estruturais, de modo que prevaleça a convivência pacífica entre profissionais e usuários do serviço público.
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