sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa é retrocesso

Por O Globo

Lula deve vetar mudança que dilui poder da legislação criada para coibir a influência de criminosos na política

Com todas as atenções voltadas para o julgamento da tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso aproveitou para enfraquecer a Lei da Ficha Limpa, em benefício de políticos condenados pela Justiça. Por 50 votos a 24, o Senado referendou o texto, já aprovado pela Câmara, reduzindo a eficácia da lei. Pela nova regra, os oito anos de inelegibilidade impostos a políticos ficha-suja passam a ser contados a partir de sua condenação por tribunal ou órgão colegiado — e não mais do final do cumprimento da pena.

Também foi estabelecido o limite de 12 anos para o tempo que o político ficha-suja ficará proibido de disputar cargos eletivos. O novo texto ainda determina que, para a punição valer em casos de atos de improbidade, será preciso comprovar o dolo. E amplia de quatro para seis meses o período de desincompatibilização de candidatos oriundos de Ministério Público, Defensoria Pública, Forças Armadas e polícia. Todas essas medidas são nocivas. É sintomático que o projeto tenha tramitado em regime de urgência, sem passar por comissões nem ser discutido em audiências públicas.

De acordo com os defensores das mudanças, a intenção é limitar ao máximo de oito anos o afastamento de políticos das urnas. “Está no texto da lei: oito anos. Não pode ser nove, nem 20”, disse o presidente do senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ao votar a favor. Na prática, o Legislativo restringiu ao mínimo o poder de dissuasão da lei sobre políticos condenados pela maioria dos crimes comuns.

Tome-se o caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, cassado em 2016 por quebra de decoro, pois mentiu à CPI da Petrobras em 2015, ao garantir que não tinha contas bancárias secretas na Suíça. Sua inelegibilidade, pelas regras anteriores, se estenderia até os anos 2040. Com o enfraquecimento da lei, ele tem chance de se candidatar já nas eleições do ano que vem (o projeto aprovado pelo Senado foi apresentado à Câmara pela deputada fluminense Dani Cunha, do União, filha de Eduardo Cunha). Entre dezenas de outros beneficiados, estão também os ex-governadores Anthony Garotinho (RJ) e José Roberto Arruda (DF).

A Lei da Ficha Limpa resultou de uma proposta de iniciativa popular que coletou mais de 1,6 milhão de assinaturas. Sempre esteve na mira dos políticos. Sua constitucionalidade foi garantida pelo STF em 2012 e, cinco anos depois, a Corte decidiu que os oito anos de inelegibilidade seriam contados a partir do final do cumprimento da pena recebida na sentença que enquadra o político na Lei da Ficha Limpa. Foi uma decisão correta, pois não faz sentido que a segunda punição, de caráter eleitoral, seja absorvida pela sentença que serviu de base ao enquadramento do condenado.

É certo que a mudança aprovada pelo Congresso não se aplica a condenados por crimes hediondos ou graves, como lavagem de dinheiro ou tráfico de drogas. Mas isso não atenua o erro do Parlamento. É fundamental que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete as mudanças na íntegra. É o mínimo que a população exige para que a política não se transforme em porto seguro para criminosos condenados.

Obra do túnel Santos-Guarujá deve refletir espírito republicano

Por O Globo

Leilão necessário só se tornou possível porque governos federal e estadual souberam deixar desavenças de lado

Está marcado para hoje o leilão da parceria público-privada para construir e gerir o túnel ligando Santos ao Guarujá, no litoral de São Paulo. Não era sem tempo. O projeto se justifica há décadas. Além de facilitar o acesso ao maior porto da América Latina, resolverá dificuldades que há gerações penalizam a população de Santos (430 mil) e do resto da Baixada Santista (1,44 milhão). A ideia do túnel foi registrada em esboço do arquiteto Enéas Marini há quase cem anos, sob inspiração do túnel Holland, que liga Manhattan a Nova Jersey, sob o Rio Hudson.

Aproximadamente 78 mil pessoas cruzam todo dia o Canal de Santos. Embora a travessia pela balsa dure minutos, a espera pode se tornar insuportável — nos períodos de maior movimento, é comum levar mais de duas horas. Todas as ideias para facilitá-la já foram cogitadas. Chegou-se a pensar numa ponte elevatória, projeto descartado, pois afetaria operações da base aérea do Guarujá. Hoje a única alternativa às balsas são 45 tortuosos quilômetros de estrada, percorridos em cerca de uma hora, mas também sujeitos às vicissitudes do trânsito.

O túnel sob o Canal de Santos está orçado em R$ 6,8 bilhões, R$ 5,14 bilhões dos quais serão divididos igualmente entre os governos federal e estadual (o restante caberá à concessionária). No trajeto de 1,5km, permitirá a travessia por automóveis, ônibus, VLT ou bicicleta. Também será possível cruzá-lo a pé. Será a primeira obra do tipo no Brasil, e há duas propostas sobre a mesa do leilão: a primeira, da espanhola Acciona; a segunda, da portuguesa Mota-Engil. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou um requerimento para suspensão do certame, alegando que os critérios adotados afastaram grupos nacionais — sobretudo dificuldades impostas para obter financiamento junto ao BNDES (o TCU negou o pedido). Tal argumento esquece que o governo já financiará três quartos da obra. O BNDES faz bem, depois de todas as negociatas expostas pela Operação Lava-Jato, em impor exigências mais rígidas.

Para o êxito do leilão, foi fundamental a integração entre organismos federais e estaduais. No lugar de uma disputa política sem sentido — como a suscitada pela operação recente contra a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) —, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), atuaram para superar as divergências, imbuídos de espírito republicano. Fizeram bem. Só a coordenação entre os palácios do Planalto e dos Bandeirantes seria capaz de enfim pôr em marcha um projeto de infraestrutura necessário, concebido há um século.

Felizmente foram superados os desentendimentos políticos e partidários que constituíam o maior obstáculo ao empreendimento. É crucial que o mesmo espírito de harmonia e entendimento se mantenha durante a execução da obra. E que tal atitude inspire outras iniciativas em nome do bem público. Assim o túnel se tornará não apenas mais uma façanha da engenharia, mas um monumento à maturidade institucional do Brasil.

População em queda exige ajuste das políticas públicas

Por Valor Econômico

Os orçamentos de Previdência, Saúde e Educação terão de dar conta do envelhecimento da população e da redução do número de jovens na escola

O Brasil tinha uma população de 213,42 milhões de pessoas em julho, informou o IBGE, confirmando a desaceleração do crescimento populacional que provavelmente antecipará o momento em que o número de habitantes começará a decair, no início da década de 2040. Os dados influem no presente e no futuro das contas públicas. O Tribunal de Contas da União (TCU) os utiliza para calcular a distribuição dos recursos da União para os fundos de participações de Estados e municípios. Os orçamentos de Previdência, Saúde e Educação terão de dar conta do envelhecimento da população e da redução do número de jovens na escola. Há vários desafios a enfrentar.

Houve um aumento de 0,39% na comparação com a estimativa de 2024, e de 5,1% em relação ao Censo de 2022, baseado na contagem de pessoas e domicílios. Dos 5.571 municípios brasileiros, 37,3% viram a população encolher, inclusive capitais como Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém e Natal. A queda da taxa da fecundidade é a razão da desaceleração. A taxa caiu para 1,6 filho por mulher, a menor em 62 anos. Em 1960 era de 6,3 filho por mulher e, no Censo de 2010, de 1,9.

A fecundidade já está abaixo da necessária para a reposição da população, de 2,1 filhos por mulher, o que levará ao decréscimo populacional no futuro. Estimava-se que a população iria parar de crescer na segunda metade da década de 2040, por volta de 2048. Agora, a perspectiva é que isso ocorra mais perto da virada da década, provavelmente em 2041. A população passará então a decrescer, tendência prevista até 2070, quando deverá estar abaixo de 200 milhões.

Por outro lado, está aumentando a expectativa de vida do brasileiro. Depois da pandemia do coronavírus, aumentou quase um ano, para 76,4 anos em 2023, sendo de 73,1 anos para homens e 79,7 anos para mulheres. Segundo o analista Bruno Martins, do BTG Pactual, a idade média do brasileiro chegou a 36,2 anos no segundo trimestre deste ano, acima dos 31,9 anos no primeiro trimestre de 2012. As pessoas com 65 anos ou mais eram 11,5% da população no segundo trimestre, em comparação com 7,6% no primeiro trimestre de 2012. O percentual de jovens de até 24 anos diminuiu de 41,3% para 33,8% na mesma base de comparação (Valor, 25/8).

A combinação da menor taxa de fecundidade com a maior expectativa de vida produz efeitos significativos na economia e influencia um total de despesas do governo equivalente a 22% do Produto Interno Bruto (PIB) — 12% da Previdência Social, 5% da Saúde e 5% da Educação. Além disso, afeta o mercado de trabalho, consumo e investimentos entre outros.

No caso da Previdência, a maior dessas contas, o envelhecimento da população reduz as contribuições e aumenta a demanda por benefícios. Nesse caso, a demografia reforça a necessidade de uma nova reforma. O especialista Fabio Giambiagi salienta, além da necessidade de análise da expansão das despesas assistenciais do Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), a importância de nova rodada de mudanças paramétricas adequadas às novas tendências demográficas (O Globo, 22/8). Giambiagi sugere também a redução do diferencial de idade para homens e mulheres, além de mudanças nas regras da aposentadoria rural e das condições de elegibilidade para o Loas.

O impacto da transição demográfica na Saúde é evidente. Populações mais velhas demandam mais serviços de saúde e tratamentos de doenças crônicas. Há ainda mudança no padrão das doenças mais frequentes. Além disso, como apontou a economista Zeina Latif (O Globo, 30/7), a inflação da saúde tem sido mais elevada do que a média em consequência do desenvolvimento de novas tecnologias, mais caras.

Ana Maria Diniz, fundadora do Instituto Península, que atua na formação de professores, vê na nova estrutura demográfica que está tomando forma “uma oportunidade única para reformular o sistema educacional brasileiro” (Valor, 16/6). Nos próximos 25 anos, diminuirá o número de matrículas de jovens em idade escolar, e, para ela, em lugar de mais escolas e mais professores, será necessário melhorar o ensino e superar deficiências estruturais que mantêm elevados os índices de 29% de analfabetos funcionais e de 35% dos que não concluíram o ensino fundamental. A rede escolar poderá ser reduzida e o foco curricular, dirigido para o aumento da produtividade.

Em relação ao mercado de trabalho, Bruno Martins vê influência positiva da estrutura demográfica nos números atuais (Valor, 25/8). De acordo com seu estudo, se a estrutura demográfica de 2012/2013 persistisse até os dias de hoje e as taxas de participação de cada grupo demográfico fossem constantes, a taxa de desemprego seria cerca de 2,1 pontos percentuais maior do que os 5,8% do segundo trimestre deste ano, e o rendimento médio nominal seria 18% inferior ao atual.

Cerca de 70 países também estão com taxa de fecundidade inferior à necessária para manter a população estável. A redução não impede o crescimento econômico da China e da Coreia do Sul, por exemplo. Mas o Brasil tem um velho desafio que não consegue superar, o da produtividade. Será preciso produzir mais e melhor, com menos gente. Melhorar radicalmente a educação seria um enorme salto à frente.

Veto à compra do Master é marco para BC autônomo

Por Folha de S. Paulo

Autoridade monetária precisará demonstrar resistência a pressões do mundo político e clareza de propósitos

Dias antes da decisão, lideranças do centrão apoiaram um projeto que daria poderes ao Congresso Nacional para demitir dirigentes do BC

A autonomia do Banco Central, adotada no Brasil há apenas cinco anos, tem sido bem-sucedida em manter a definição dos juros sob critérios exclusivamente técnicos, mesmo quando sofreu ataques do presidente da República e seu partido.

As atribuições da instituição, no entanto, vão além da política monetária, incluindo, entre outras, supervisionar o sistema bancário e zelar por sua solidez. Nesse sentido, o veto à compra do Banco Master pelo BRB, pertencente ao governo do Distrito Federal, pode ser mais um teste de resistência a pressões políticas e de clareza de propósitos.

Parece sintomático que, nos dias anteriores à decisão, tomada na quarta-feira (3), lideranças do centrão levaram adiante uma ofensiva em favor de um projeto que daria poderes ao Congresso Nacional para demitir dirigentes do BC —pelas normas atuais, essa prerrogativa é do presidente da República, condicionada à aprovação do Senado, se o motivo for mau desempenho.

De tão extemporânea e mal fundamentada, a proposta só faz sentido como ameaça. São conhecidas as conexões do controlador do Master, Daniel Vorcaro, com o mundo da política.

O BC parece ter ignorado tais movimentos em seu ato, cujo arrazoado técnico ainda é desconhecido. De todo modo, o episódio está longe de resolvido.

Não se sabe que destino terá o Master. Analistas apontam as dificuldades da instituição, que ficaram ainda mais evidentes depois do anúncio da transação com o BRB, no final de março.

O banco tem passivos caros e de curto prazo, com grande volume de CDBs, além de ativos de rentabilidade incerta e de longo prazo, como precatórios. Suas captações caíram, e chegou ao ponto de receber empréstimo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Soluções possíveis seriam nova tentativa de venda do banco, obviamente difícil no momento; o fim ordenado e paulatino da instituição, com novo financiamento do FGC sustentando a operação de venda de ativos; ou a simples liquidação pelo BC, custosa.

Ademais, cumpre questionar como um banco foi capaz se realizar tantos negócios arriscados valendo-se de modo temerário do apoio do FGC —o Master chegou ao descrédito sem ação mais incisiva do BC. Ou as autoridades não dispunham de meios técnicos, legais ou administrativos de intervir ou não o fizeram, no mínimo, por má avaliação.

Por fim, o movimento do centrão mostra que a autonomia do BC ainda não é ideia consolidada na política nacional. Será desastroso se um aperfeiçoamento institucional tão importante para a política econômica se vir ameaçado casuisticamente por interesses particulares contrariados.

O fortalecimento dos órgãos de fiscalização e supervisão se tornou ainda mais importante e urgente com a constatação de avanço do crime organizado sobre o setor financeiro. Esse seria um debate muito mais proveitoso para os parlamentares.

Tecnologia no ensino de SP exige cuidados

Por Folha de S. Paulo

Ataque hacker realizado por alunos expõe questões sobre expansão de plataformas e segurança digital

O ludíbrio pode ser generalizado: há links para Tarefa SP e Prova Paulista; estado também precisa melhorar indicadores de aprendizagem

Desde o início do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), em 2023, o secretário da Educação, Renato Feder, se notabilizou por ser um entusiasta do uso de ferramentas digitais em variados campos do ecossistema pedagógico.

Estudantes, professores e diretores das escolas estaduais paulistas acessam cotidianamente, de forma obrigatória, uma série de plataformas para, entre outras atividades, fazer redações, registrar faltas e entregar lições.

Nesta última, onde as tarefas escolares são cumpridas, a educação de São Paulo foi alvo de uma espécie de "cola high tech": alunos estão hackeando os programas para que as atividades sejam feitas automaticamente, em segundos; livrando-os, assim, da exigência de usar esses sistemas.

Como noticiou a Folha, o embuste já virou negócio. Há casos em que se cobram de R$ 2,50 a R$ 10 para compartilhar links de "scripts" (comandos escritos em linguagem de programação).

A reportagem acompanhou um aluno em ação: ele selecionou as lições da semana e, em instantes, elas já constavam como realizadas na plataforma digital —e com as respostas corretas.

O ludíbrio pode ser generalizado: há links para o Tarefa SP (onde há exercícios diários para todas as disciplinas) e outros para plataformas com lições de matemática, inglês, leitura, redação e até a Prova Paulista, que promove avaliações bimestrais.

O secretário Feder já deixou claro que a digitalização dos processos é um dos nortes da sua gestão. Só no ano passado, o governo Tarcísio gastou quase R$ 500 milhões com a política. "O foco é a aprendizagem, e não apenas o cumprimento de tarefas ou metas automatizadas", afirma a pasta. Espera-se que assim seja.

A expansão de tais tecnologias, incluindo a inteligência artificial, é irrefreável em múltiplos setores e atividades. Não seria diferente na educação pública, onde sem dúvida tende a render bons frutos. Há sempre que avaliar o ritmo da transformação e de que forma os atores da comunidade escolar vão absorvê-la —suas impressões podem e devem ser aplicadas nesse processo.

Estado mais rico do país, São Paulo tem amargado no Ideb, o principal indicador da educação básica, desempenho muito aquém do esperado, sendo ultrapassado de forma vexatória por unidades federativas com menos recursos orçamentários.

Novas políticas nesse campo decerto precisam de algum tempo para mostrar resultados. A burla ao sistema digital ao menos mostra que cuidados são necessários na experiência paulista.

O Banco Central sob ataque dos abutres

Por O Estado de S. Paulo

Só um BC independente pode tomar decisões que contrariam poderosos interesses, como a que impediu a compra do Master pelo BRB, motivo pelo qual o Centrão quer subjugar a autarquia

A diretoria do Banco Central (BC) reprovou a compra de parte do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB) por entender, conforme apurou o Estadão, que a aquisição poderia contaminar o BRB, um banco público, com ativos “podres” do Master.

A sustentabilidade do modelo de negócios do Master há muito era causa de inquietação no mercado financeiro. O banco cresceu vertiginosamente usando recursos que os clientes investiam em CDBs, remunerados com taxas bem acima das de mercado, para aplicar em ativos de risco elevado, como precatórios.

Anunciada no final de março, a compra do Master pelo BRB era, portanto, de interesse de muita gente poderosa. Com exceção do BC, que passou mais de cinco meses analisando o negócio, a venda foi aprovada de forma relâmpago em outras instâncias envolvidas no negócio.

O governo do Distrito Federal, controlador do BRB, só enviou projeto de lei buscando aprovação do Legislativo local para a compra do Master após ser obrigado pela Justiça. Mas a Câmara Legislativa do DF levou apenas uma tarde para dar sinal verde à transação.

Já parte do mercado financeiro, mesmo incomodada com o Master, entendia que a solução via BRB era uma saída menos traumática para a questão. Com o negócio vetado, pode haver impacto em outras instituições financeiras. Ademais, uma intervenção do BC no Master torna-se cada vez mais provável, o que sempre pode resultar na revelação de mais problemas.

Veio do Congresso, porém, o sinal inequívoco de que o acordo BRB-Master atenderia a desejos inconfessáveis. Sabe-se que o dono do Master, Daniel Vorcaro, tem excelente trânsito em Brasília, sobretudo com parlamentares, com destaque para o senador Ciro Nogueira (PP-PI), estrela do Centrão.

Diante das notícias de que havia resistência ao negócio no BC – resistência essa que acabou personificada pelo diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, Renato Dias Gomes –, o Congresso partiu para a intimidação desbragada. No início da semana, lideranças de partidos do Centrão assinaram pedido de urgência para a tramitação de um projeto de lei que permite ao Congresso destituir presidentes e diretores do BC, prerrogativa que hoje compete única e exclusivamente ao presidente da República. O alvo evidente era o diretor Gomes, responsável pelo parecer que baseou a decisão do BC e que resistia a recomendar o negócio, em razão de evidente falta de garantias.

“Se o Congresso pode afastar o presidente da República, por que não poderia afastar um diretor do Banco Central?”, questionou o deputado Doutor Luizinho (RJ), líder do PP na Câmara. Ora, não poderia porque, como bem resumiu o ex-presidente do BC Arminio Fraga, isso seria coisa de “republiqueta”.

Graças à independência operacional do BC, conquistada há apenas quatro anos, é que a diretoria da autarquia pode barrar negócios como o que envolve o Master e o BRB, mesmo sob forte pressão. Agora, parte do mesmo Congresso que aprovou a Lei Complementar n.º 179, que transformou o Banco Central em autarquia de natureza especial justamente para protegê-lo de interferências político-partidárias, quer acabar com essa blindagem fundamental.

Conforme o projeto de lei que está sendo articulado na Câmara, os parlamentares podem votar a demissão de diretores do BC “quando a condução das atividades do Banco Central for incompatível com os interesses nacionais”. Obviamente, não houve preocupação de detalhar que interesses seriam esses nem que atividades seriam consideradas incompatíveis, abrindo espaço para o arbítrio.

Mesmo com o veto à aquisição do Master pelo BRB, a novela sobre o banco de Vorcaro está longe de acabar, porque ainda cabe recurso e, claro, os parlamentares contrariados não deverão se conformar.

Ao recusar a compra do Master pelo BRB, o Banco Central deixou evidente ao mercado que se orienta por posicionamento técnico, o que é essencial para que novos casos como esse não voltem a ocorrer.

Mas a elite política de Brasília não gosta muito dos técnicos, aqueles que normalmente são funcionários públicos de carreira que não fazem as vontades dos chefes de partidos. A esses abnegados servidores o Brasil agradece.

O privilégio de ser advogado da União

Por O Estado de S. Paulo

Honorários pagos a membros da AGU chegam a R$ 5 bi, mostram a força do corporativismo da elite do funcionalismo público e desmoralizam discurso do governo Lula contra supersalários

Vale a pena seguir a carreira de advogado-geral da União, e as informações disponíveis no Portal da Transparência são prova disso. Cerca de 12 mil servidores públicos da área em todo o País receberam, em média, R$ 192 mil cada em honorários advocatícios em julho, valor que se soma aos R$ 134 mil que já haviam sido pagos em janeiro. Somente neste ano, o Executivo já gastou R$ 5 bilhões em remunerações extras a esses servidores, segundo a Folha de S.Paulo.

Se a média já é bastante elevada, há quem tem recebido ainda mais, como é o caso do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, que embolsou R$ 307,9 mil em honorários em julho deste ano e R$ 193,2 mil em janeiro, valores que se somam ao seu salário. As informações referentes à bolada de julho só vieram a público nesta semana, talvez na expectativa de que todas as atenções estivessem completamente voltadas para o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Até então, o pouco que se sabia sobre os honorários foi revelado pela imprensa, que mostrou que os repasses vinham acontecendo mensalmente por meio do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA). Embora seja abastecida com recursos arrecadados pelo poder público, tal entidade se valia de um alegado status privado para realizar os pagamentos sem qualquer transparência.

Diante do escândalo, o governo decidiu reagir. Assim, instituiu um “modelo de governança pública” para acompanhar as informações do tal conselho curador e, segundo a própria AGU, “assegurar que os recursos relativos aos honorários de sucumbência, recebidos pelos advogados públicos federais, sejam administrados pelo CCHA com transparência, legalidade, eficiência e integridade, e sejam objeto de prestação de contas”.

Parece algo para inglês ver, e tudo indica que seja isso mesmo. Segundo nota divulgada pela AGU, Messias acaba de enviar as primeiras “recomendações” ao conselho curador. Sugere, e não determina, “que não sejam instituídos novos direitos e vantagens reconhecidos e pagos com efeitos retroativos”. Orienta, e não ordena, “que a criação de novas rubricas de natureza indenizatória seja condicionada à prévia deliberação do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União”, instância máxima de deliberação institucional presidida por si mesmo.

Difícil de acreditar que a intenção seja mesmo moralizar o pagamento dos tais honorários. Na mesma nota divulgada pela AGU, Messias cita a necessidade de assegurar o alinhamento entre a política institucional da AGU e a gestão dos honorários advocatícios, “cuja adequada administração impacta diretamente a valorização e a retenção de membros da carreira e, por consequência, a qualidade da atuação jurídica do órgão”.

Não se tem notícia de que haja uma evasão de servidores da AGU em razão de baixos salários, mesmo porque a remuneração inicial da carreira é de quase R$ 20 mil. Por outro lado, não deixa de ser interessante que o argumento de Messias seja exatamente o mesmo utilizado por integrantes da Justiça e do Ministério Público para justificar seus próprios penduricalhos.

Em junho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o Congresso deveria começar a reforma administrativa enfrentando os chamados supersalários. Em julho, foi a vez de a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, repetir a ladainha. No mesmo mês, em linha com o discurso da justiça social que o presidente Lula da Silva retomou, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), apresentou um projeto de lei para assegurar a aplicação do teto remuneratório mensal de R$ 46.366,19.

Logo, é preciso saber se o governo Lula concorda com o oneroso comportamento corporativista da AGU. Curioso observar que os honorários de sucumbência – que, em sua maioria, são uma parcela dos valores pagos por devedores que tiveram débitos inscritos na dívida ativa da União – só servem para um lado: o do bônus. Os advogados públicos não têm de arcar com o custo das derrotas que o governo acumula na Justiça. E elas são muitas, haja vista o volume de precatórios com os quais a União tem de arcar todos os anos.

Ceticismo na reforma administrativa

Por O Estado de S. Paulo

Divulgação de textos da reforma pelo relator é condição necessária e urgente para início dos debates

O entusiasmo que o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) tem demonstrado na liderança das discussões sobre a reforma administrativa precisa estar acompanhado de alguma substância para que possa ser levado a sério. Até agora, os textos que ele teria elaborado – uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar e um projeto de lei ordinária – não vieram a público, e o pouco que se sabe sobre o tema tem como base as palavras do parlamentar.

Tal estratégia teria sido sugestão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para quem é preciso discutir a ideia central da reforma com lideranças partidárias para garantir apoio antes de publicá-la. Mas o risco está justamente na possibilidade de que a construção desse consenso resulte numa proposta que promete mais do que entrega ou que oferece algo ainda pior do que se tinha até então.

É o caso do pagamento de um 14.º salário para servidores a título de produtividade, uma das sugestões defendidas por Pedro Paulo. A ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, diz que o governo federal não tem condições de arcar com essa despesa. Já Pedro Paulo afirma que a medida não terá grande impacto na folha, pois somente os funcionários que atingirem determinadas metas de avaliação e desempenho fariam jus ao benefício.

Mas, para além da questão fiscal, o 14.º salário por mérito, embora pareça uma boa ideia para estimular os funcionários públicos, tem uma chance nada desprezível de ser completamente desvirtuado. A possibilidade de que essas metas sejam mera formalidade e de que o benefício acabe por ser pago a todos os servidores de maneira indiscriminada, inclusive a aposentados, não é remota. O bônus dos auditores da Receita Federal e os honorários dos membros da Advocacia-Geral da União (AGU) são exemplos práticos desse fenômeno.

É louvável a ambição do relator de incluir todos os Poderes e todos os entes federativos na reforma. Mas, se é essa a intenção, há que considerar o custo que o 14.º salário vai impor ao caixa das prefeituras. O mais recente Censo do IBGE mostrou que 70% dos municípios têm até 20 mil habitantes, o que indica uma capacidade de arrecadação bastante limitada para fazer frente às suas despesas. Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), 54% das prefeituras fecharam as contas no vermelho no ano passado. Importante lembrar que o socorro, quando necessário, sempre sobra para a União.

Os penduricalhos, aparentemente, não serão atacados de maneira estrutural pelo deputado, ao menos segundo avaliação do Centro de Liderança Pública (CLP). De acordo com a entidade, o cumprimento desse objetivo requer o estabelecimento de travas efetivas, como um limite agregado anual por servidor e por órgão, não compensável nos meses seguintes e com abatimento automático caso o teto seja ultrapassado.

Mais que palavras, a divulgação dos textos da reforma é a melhor maneira de vencer esse ceticismo em relação à reforma administrativa. Só assim a sociedade saberá se a disposição do Congresso em enfrentar os privilégios garantidos à elite do funcionalismo público é real ou simulada.

Saúde mental tem que ser prioridade pública

Por Correio Braziliense

Dados oficiais derrubam a ideia de que a saúde mental é "problema de rico" e reforçam a necessidade de envolver políticas intersetoriais

Nos últimos anos, o tema saúde mental tem sido assíduo no front político. Mês passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei 5.015/2023, que institucionaliza o Setembro Amarelo, uma campanha nacional permanente contra a automutilação e o suicídio, fixando datas oficiais de mobilização para a causa. O texto aguarda sanção presidencial.

Na quarta-feira, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou o PL 1.773/2022, criando a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes  — com ênfase em pós-venção (cuidados aos familiares de um suicida) —, que seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Também avançou o PL 5.195/2020, que ajusta a política de prevenção com foco em pessoas com deficiência e grupos mais vulneráveis. 

São textos que deslocam o foco do Setembro Amarelo para o "ano inteiro", com ênfase em outras datas importantes para a temática, como o Janeiro Branco e o Dia Mundial da Saúde Mental, em 10 de outubro. Embora movimentos como esses sejam importantes, as estatísticas exigem medidas mais drásticas.

 A Organização Mundial da Saúde (OMS) contabilizou 727 mil mortes por suicídio em 2021. O autoextermínio é a terceira causa de óbito entre jovens de 15 a 29 anos, sendo que 73% dos casos se dão em países de baixa e média renda, como o Brasil. Dados da agência das Nações Unidas indicam que o país registra em média 32 casos por dia.

Os números derrubam a ideia de que a saúde mental é "problema de rico" e reforçam a necessidade de envolver políticas intersetoriais, como educação, trabalho e proteção social, e um envolvimento de diferentes instâncias de poder, para o enfrentamento do problema. O Executivo também tem feito sua contribuição.

Em 2024, o Ministério da Saúde regulamentou os Centros de Convivência — espaços comunitários de cuidado e inclusão — com previsão de abertura de 216 unidades e investimentos da ordem de mais de R$ 80 milhões; também seguiu habilitando novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), a espinha dorsal do conjunto de serviços de saúde mental que integra o SUS. 

Essas ações apontam na direção certa: tirar os doentes do isolamento e trazer a sociedade para a discussão. Mas essa expansão depende, ainda, de fatores como a garantia de equipes completas nos centros de convivência, intervenções efetivas e retaguarda hospitalar para atendimento a esses pacientes, combinada com a atenção primária capacitada para rastrear riscos e manejar sobretudo os transtornos com maior incidência, como depressão, ansiedade e dependência química. 

Por fim, vale lembrar a origem da própria campanha no Brasil — articulada pela Associação Brasileira de Psiquiatria e parceiros, com 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. Reconhecer esse legado é importante, mas o amadurecimento das políticas exige que o "amarelo" ilumine o ano inteiro: do piso de financiamento da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) à formação das equipes, da escola ao posto de saúde, da regulação de plataformas à restrição de meios letais. Só assim trocamos visibilidade por vidas preservadas. 

A violência que atinge os servidores públicos

Por O Povo (CE)

As agressões não se limitam ao serviço público, mas atingem também outros tipos de atividade que dependem do contato interpessoal.

O Mapeamento das Defensoras e Defensores Públicos do Ceará, realizado pela primeira vez no Estado, detectou alto índice de agressões, físicas e verbais, sofridas por esses profissionais no exercício de seu trabalho.

O levantamento foi realizado pela Cuali Pesquisa, a pedido da Associação dos Defensores e Defensoras Públicas do Estado do Ceará (Adpec). Foram realizadas 170 entrevistas, 91 em Fortaleza e 79 em cidades do interior. A maioria desses defensores atua nas áreas criminal (41,2%) e cível geral (35,3%). No total, a categoria é composta por cerca de 360 defensores, atuando em 102 dos 184 municípios cearenses.

Os dados levantados mostram que 61,8% dos defensores relataram ter sofrido algum tipo de violência, física ou moral, durante o trabalho. Outros 31,2% foram vítimas de ameaça direta ou a alguém da família, devido às suas atividades. Apenas 34,1% disseram que sentem segurança no ambiente de trabalho.

Não existem pesquisas específicas que revelem mais a fundo os motivos que levam a essas agressões, mas algumas causas — que não justificam a violência contra aos servidores públicos —, podem ser levantadas, como a falta de profissionais e de estrutura para receber quem precisa de algum serviço, gerando filas e demora no atendimento.

Registre-se ainda o inegável aumento da tensão social que atinge a sociedade brasileira, levando a que as pessoas se tornem cada vez mais intolerantes a qualquer frustração, explodindo por qualquer motivo. Normalmente, sofre quem está na ponta do serviço, que é responsabilizado indevidamente por um problema que ele não pode resolver.

Observe-se que o mapeamento aponta fragilidades na estrutura de apoio ao trabalho dos defensores, com 72,9% considerando insuficiente o número de profissionais. Ademais, 54,7% precisam compartilhar as salas de atendimento com outros colegas, comprometendo a privacidade do serviço.

Recentemente o programa Fantástico, da Rede Globo, revelou uma escalada de agressões contra profissionais de saúde. Pesquisa mostra que 80% deles reclamam já terem sido vítimas de algum tipo de agressão no local de trabalho: xingamentos, violência física e até ameaças de morte.

E a violência não se restringe ao serviço público, mas atinge também outros tipos de atividade que dependem do contato interpessoal, como os entregadores de aplicativo, por exemplo. É assustadora a quantidade de agressões gratuitas que se pode observar nas redes sociais e no noticiário, atingindo profissionais das mais diversas áreas.

A situação está a merecer um olhar mais cuidadoso das autoridades. No mínimo, torna-se necessário criar uma rede de apoio aos profissionais que sofrem a violência e buscar formas de minimizar os problemas estruturais, de modo que prevaleça a convivência pacífica entre profissionais e usuários do serviço público.

Nenhum comentário: