O Globo
E saberemos quem são os burros
Nossa Câmara assinará atestado de burrice se
pautar e aprovar a anistia a Bolsonaro e outros mandantes do golpe de Estado
antes que o Supremo termine o julgamento. Julgar anistia antes de julgar crime
é confissão precoce de culpa.
Esses deputados da direita agem
atabalhoadamente, como vândalos. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado
(CCJ) já disse que não vai pautar essa discussão por ser inconstitucional. Ou
seja, a tal anistia ampla, geral e irrestrita para os golpistas não teria como
chegar a ser votada no Senado. O adulto no parquinho acabará sendo Alcolumbre.
Além de agir contra os interesses da população – o que já se tornou um hábito –, a Câmara também seria desmoralizada pelo Supremo se aprovasse essa anistia, por atentar contra a Constituição. Não temos como exigir do Centrão um compromisso com a democracia, só com a blindagem e o fisiologismo.
Nem se pode exigir coerência do governador de
SP, Tarcísio de Freitas, que joga todas as fichas e seu futuro político numa
lealdade oportunista a Bolsonaro. O tal “Punhal verde e amarelo” pode virar
bumerangue. Um haraquiri. Tarcísio buscava o disfarce da moderação, mas acabou
rasgando as vestes.
Se existe um mérito na cruzada de Tarcísio, é
revelar ao Brasil quem é quem. Ao deixar São Paulo para trás e correr a
Brasília, alardeando que seu primeiro ato como eventual presidente da República
seria perdoar o atual réu, o governador compra o apoio da família Bolsonaro. E
se coloca como cúmplice de uma tentativa de golpe. Quem votar nele em 2026 já
sabe o que pode esperar. Não tem isentão aí.
Procuro encarar o alvoroço por esse ângulo
positivo. Hugo Motta ganhou um presentão. Está nas suas mãos colocar o Poder
Legislativo no lado certo da História. Caso ceda à pressão, recue de sua
posição anterior e coloque em votação a anistia, simultaneamente ao julgamento
no Supremo, a Câmara se arrisca a afundar junto.
Porque até as defesas dos generais confirmam
a tentativa de golpe. A estratégia dos advogados dos réus é culpar o mensageiro
Cid, anular a delação e se desvencilhar de Bolsonaro. O ex-presidente se tornou
uma companhia tóxica para militares e ministros.
Ninguém tem nada a ver com medidas de exceção
nem minutas golpistas nem planos para assassinar Lula e Moraes. Tudo não teria
passado de desejos íntimos expressos em mensagens entre camaradas. Foram só
conjecturas, pensamentos, estudos. E Bolsonaro foi “dragado” para a trama,
segundo seu advogado.
A turba acampada em Brasília estava ali só
para desfrutar de churrascos gratuitos e do ar seco da Capital. Os extremistas
aproveitaram as viagens aos EUA, de Bolsonaro e do ministro da Justiça, para
fazer uma farra na Praça dos Três Poderes. Depredaram os Palácios do Planalto,
do Supremo e do Congresso.
Tinham sido convencidos por Bolsonaro de que
a eleição de Lula era uma fraude. Um bolsonarista acampado disse a um coronel
que “os extraterrestres iriam ajudar o Exército a tomar o poder”. Esses
descerebrados devem se beneficiar da redução de penas, um projeto que está no
Senado, e não é a anistia.
Quem diz que “tentativa de golpe não é crime”
ignora deliberadamente um fato. Se o golpe de estado tivesse acontecido, não
estaríamos aqui falando nada, escrevendo nada, julgando nada. Os golpes bem
sucedidos instalam ditaduras que censuram, silenciam, torturam, matam, exilam.
O Poder Legislativo não legisla nada em
ditaduras. Motta e Alcolumbre não vão querer essa mancha na biografia. A
tentativa de aprovar em regime de urgência uma anistia ampla e irrestrita na
Câmara, confrontando o Judiciário antes do fim do julgamento no STF, vai dar
com os burros n’água. E saberemos quem são os burros.
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