sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Anistia deve dar com os burros n'água. Por Ruth de Aquino

O Globo

E saberemos quem são os burros

Nossa Câmara assinará atestado de burrice se pautar e aprovar a anistia a Bolsonaro e outros mandantes do golpe de Estado antes que o Supremo termine o julgamento. Julgar anistia antes de julgar crime é confissão precoce de culpa.

Esses deputados da direita agem atabalhoadamente, como vândalos. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) já disse que não vai pautar essa discussão por ser inconstitucional. Ou seja, a tal anistia ampla, geral e irrestrita para os golpistas não teria como chegar a ser votada no Senado. O adulto no parquinho acabará sendo Alcolumbre.

Além de agir contra os interesses da população – o que já se tornou um hábito –, a Câmara também seria desmoralizada pelo Supremo se aprovasse essa anistia, por atentar contra a Constituição. Não temos como exigir do Centrão um compromisso com a democracia, só com a blindagem e o fisiologismo.

Nem se pode exigir coerência do governador de SP, Tarcísio de Freitas, que joga todas as fichas e seu futuro político numa lealdade oportunista a Bolsonaro. O tal “Punhal verde e amarelo” pode virar bumerangue. Um haraquiri. Tarcísio buscava o disfarce da moderação, mas acabou rasgando as vestes.

Se existe um mérito na cruzada de Tarcísio, é revelar ao Brasil quem é quem. Ao deixar São Paulo para trás e correr a Brasília, alardeando que seu primeiro ato como eventual presidente da República seria perdoar o atual réu, o governador compra o apoio da família Bolsonaro. E se coloca como cúmplice de uma tentativa de golpe. Quem votar nele em 2026 já sabe o que pode esperar. Não tem isentão aí.

Procuro encarar o alvoroço por esse ângulo positivo. Hugo Motta ganhou um presentão. Está nas suas mãos colocar o Poder Legislativo no lado certo da História. Caso ceda à pressão, recue de sua posição anterior e coloque em votação a anistia, simultaneamente ao julgamento no Supremo, a Câmara se arrisca a afundar junto.

Porque até as defesas dos generais confirmam a tentativa de golpe. A estratégia dos advogados dos réus é culpar o mensageiro Cid, anular a delação e se desvencilhar de Bolsonaro. O ex-presidente se tornou uma companhia tóxica para militares e ministros.

Ninguém tem nada a ver com medidas de exceção nem minutas golpistas nem planos para assassinar Lula e Moraes. Tudo não teria passado de desejos íntimos expressos em mensagens entre camaradas. Foram só conjecturas, pensamentos, estudos. E Bolsonaro foi “dragado” para a trama, segundo seu advogado.

A turba acampada em Brasília estava ali só para desfrutar de churrascos gratuitos e do ar seco da Capital. Os extremistas aproveitaram as viagens aos EUA, de Bolsonaro e do ministro da Justiça, para fazer uma farra na Praça dos Três Poderes. Depredaram os Palácios do Planalto, do Supremo e do Congresso.

Tinham sido convencidos por Bolsonaro de que a eleição de Lula era uma fraude. Um bolsonarista acampado disse a um coronel que “os extraterrestres iriam ajudar o Exército a tomar o poder”. Esses descerebrados devem se beneficiar da redução de penas, um projeto que está no Senado, e não é a anistia.

Quem diz que “tentativa de golpe não é crime” ignora deliberadamente um fato. Se o golpe de estado tivesse acontecido, não estaríamos aqui falando nada, escrevendo nada, julgando nada. Os golpes bem sucedidos instalam ditaduras que censuram, silenciam, torturam, matam, exilam.

O Poder Legislativo não legisla nada em ditaduras. Motta e Alcolumbre não vão querer essa mancha na biografia. A tentativa de aprovar em regime de urgência uma anistia ampla e irrestrita na Câmara, confrontando o Judiciário antes do fim do julgamento no STF, vai dar com os burros n’água. E saberemos quem são os burros.

 

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