segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Juro alto e PIB mais fraco aumentam desafio fiscal, por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Despesas financeiras do setor público crescem e inflam o déficit nominal, que define a dinâmica da dívida pública

Os elevadíssimos gastos com juros do setor público impressionam, inflando o déficit nominal das contas públicas, num cenário em que o país não gera superávits primários. Em julho, alcançaram R$ 109 bilhões, 36% a mais que no mesmo mês de 2024, enquanto o rombo nominal, que inclui despesas financeiras, ficou em R$ 175,6 bilhões. Em 12 meses, os gastos com juros se aproximam de R$ 1 trilhão - atingiram R$ 941,2 bilhões até julho, ou 7,64% do PIB - e o resultado nominal, que define a dinâmica da dívida pública, ficou deficitário em R$ 968,5 bilhões, ou 7,86% do PIB. Pelo andar da carruagem, o Brasil deverá encerrar o ano com um déficit nominal na casa de 8,5% do PIB, dos quais 8% do PIB referentes a gastos com juros - o restante 0,5% do PIB se refere ao rombo esperado para o resultado primário, que não engloba as despesas financeiras.

Com isso, o Brasil deve ter o maior déficit nominal entre as principais economias do mundo em 2025. As projeções para o indicador que aparecem na revista “The Economist” para um grupo de 42 países desenvolvidos e emergentes mostram que o rombo estimado para o Brasil, de 8,1% do PIB, é o mais elevado, à frente dos 7,7% do PIB do Egito, dos 7,3% do PIB da Colômbia e dos 6,1% do PIB da Polônia.

Estados Unidos e China, as duas maiores economias do planeta, devem ter déficits de 5,9% do PIB em 2025, números também elevados, segundo as previsões da Economist Intelligence Unit (EIU). Já de acordo com os economistas ouvidos pelo Banco Central (BC), o déficit nominal brasileiro deverá ficar em 8,4% do PIB neste ano.

Os números brasileiros são preocupantes, mostrando o impacto do custo fiscal da Selic elevada, hoje em 15% ao ano, ou próxima de 10% quando descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, sobre um nível de endividamento muito alto. A dívida bruta do governo geral, que engloba União, Estados e municípios, ficou em 77,6% do PIB em julho, ou em 89,9% do PIB no conceito do Fundo Monetário Internacional (FMI), que inclui os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC). Na estimativa do FMI, a média do endividamento bruto dos emergentes deve ficar em 74,8% do PIB neste ano.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, chama a atenção para a magnitude dos déficits nominais que devem ser acumulados no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerando os números já observados em 2023 e 2024 e os esperados pelos analistas para 2025 e 2026. A soma é de um rombo equivalente a 34,14% do PIB, ou uma média de 8,54% do PIB ao ano. Mesmo num quadro de relativa bonança, com um crescimento da economia razoável, é um resultado fiscal pior do que nos quadriênios anteriores. No período de 2019 a 2022, que inclui a pandemia, o déficit nominal médio ficou em 7% do PIB, ou um total de 27,98% do PIB em quatro anos. Já entre 2015 e 2018, que engloba os dois anos de forte recessão - 2015 e 2016 -, com o colapso da chamada Nova Matriz Econômica do governo Dilma Rousseff, como lembra Montero, o rombo das contas públicas ficou em 8,48% do PIB, ou 33,93% do PIB acumulados em quatro anos. É um pouco abaixo do esperado para os quatro anos da gestão atual de Lula. Déficits nominais tão elevados no quadriênio que se encerra em 2026 se devem à combinação de juros altos, endividamento nas alturas e ausência de superávits primários, diz Montero.

O crescimento mais forte nos últimos anos ajudou a impedir uma alta ainda maior da dívida pública em relação ao PIB, mesmo com juros e um nível de endividamento muito elevados. A dívida bruta subiu de 71,7% do PIB no fim de 2022 para 77,6% do PIB em julho, um aumento incômodo e que deve continuar, mas a alta é mais modesta que o registrado nos anos Dilma, da casa de menos de 52% para mais de 66% do PIB.

Montero atribui o desempenho um pouco melhor do endividamento no atual mandato de Lula à economia, e não à política fiscal. Uma das más notícias é que o PIB, que já desacelerou no segundo trimestre, deverá continuar fraco nos próximos trimestres.

“Os juros e dívidas grandes tinham o PIB forte como contraponto; não mais”, diz Montero, observando que uma relação dívida/PIB maior tem uma dinâmica mais sensível ao “binômio juros-crescimento”. Se a Selic continua alta e o PIB perde força, a situação do endividamento fica mais complicada.

Em julho, os gastos com juros subiram muito pelo efeito de uma Selic alta sobre uma dívida maior e também pelo impacto da alta do dólar, o que leva o BC a ter perdas com os swaps cambiais. Em agosto, o dólar recuou, o que vai anular esse efeito, mas os juros seguem elevados, incidindo sobre uma dívida enorme.

A economia mais fraca e uma inflação um pouco mais comportada, com expectativas menos distantes da meta, vão abrir espaço para cortes da Selic. No entanto, uma redução mais expressiva da taxa, que diminua significativamente os elevadíssimos gastos com juros, só virá quando houver um melhor resultado primário, o que exige enfrentar o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Sem isso, os gastos financeiros do setor público continuarão absurdos, engordando o déficit nominal, o que levará a aumentos contínuos da dívida pública.

 

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