segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Patrulha ideológica sabota arte e ciência, por Lygia Maria

Folha de S. Paulo

Boicote a Gal Gadot e autocensura de universitários sinalizam que a liberdade vem sendo atacada em setores nos quais é essencial

O coletivo Venice4Palestine produziu uma carta com mais de 1.500 assinaturas de cineastas e artistas de vários países pedindo que o Festival de Veneza denuncie ações militares de Israel em Gaza e retire o convite a atriz Gal Gadot —após o ataque bestial do Hamas em outubro de 2023, Gadot, que defende a existência do Estado de Israel, tem sido voz ativa pelo retorno dos sequestrados.

O ativismo que cobra apoio às suas causas faz parte do jogo democrático, mas artistas perseguirem colegas por mera divergência de opinião política, não. A arte é o reino da liberdade. Sem ela, embotam-se a criatividade e a crítica. Não à toa, é sempre amordaçada em ditaduras e, às vezes, até em regimes democráticos.

Durante o macarthismo nos EUA dos anos 1950, roteiristas e cineastas de Hollywood considerados comunistas foram parar numa lista negra, que os impedia de trabalhar, e alguns acabaram presos, como Dalton Trumbo.

É aterrador que profissionais do cinema estejam emulando essa atuação persecutória 80 anos depois. Porque é disso que se trata: censurar discordantes. Afinal, proibir Gal Gadot de participar de um evento glamuroso em nada ajuda os palestinos.

No ambiente acadêmico, outro setor que deveria ser movido a liberdade, dá-se o mesmo. Em setembro do ano passado, O Instituto de Ciência Política da UnB cancelou um curso que seria ministrado pelo professor Jorge Gordin, da Universidade Hebraica de Jerusalém, após pressão de uma parcela do alunado.

Pesquisa do Instituto Sivis divulgada neste mês mostra que 48% dos universitários brasileiros evitam manifestar opinião acerca de assuntos polêmicos, principalmente sobre política. Em estudo de 2024 realizado por uma consultoria britânica em 28 países, 77% dos entrevistados notaram redução da liberdade de expressão na última década.

Ao acossar ideias divergentes, sabota-se o papel essencial que a imaginação estética e a pesquisa acadêmica exercem no desenvolvimento cultural, científico e humanista de uma sociedade. A patrulha ideológica nas artes e nas universidades é autofágica.

 

 

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