Valor Econômico
Amanhã e ao longo desta semana e da próxima,
a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), presidida pelo ministro
Cristiano Zanin, realiza o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais
sete réus na ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado na virada de
2022 para 2023.
Enquanto isso, parlamentares se movimentam
para aprovar a PEC da Blindagem, conjunto de mudanças na Constituição para
ampliar a imunidade que deputados e senadores possuem para exercer seu trabalho
sem correr o risco de serem injustamente perseguidos - mas as propostas que
circulam nos bastidores são tão extensas que, se aprovadas, a proteção se
converterá em garantia de impunidade.
A conexão entre os dois eventos é nítida. Desde o início do mês passado, quando o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro, seus apoiadores no Congresso intensificaram as movimentações para colocar em pauta medidas defendidas pelo bolsonarismo, como a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, a restrição ao foro privilegiado e até mesmo o impeachment de Moraes. A PEC da Blindagem é peça fundamental do pacote.
Já na quinta-feira passada, 1.400 agentes foram
às ruas em oito Estados para cumprir mandados de busca, apreensão e prisão para
desbaratar um esquema bilionário envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC)
e suas conexões com o sistema financeiro e o setor de combustíveis.
Não há qualquer evidência de que a
investigação contra o PCC esteja relacionada, materialmente, com o julgamento
dos responsáveis pela tentativa de golpe e a proposta de blindar os
parlamentares contra ações judiciais. São processos completamente distintos.
Mas a independência dos fatos não nos impede de refletir que existe, sim, um
ponto de intersecção entre os assuntos.
Antes de chegar ao posto mais alto da
República, Jair Bolsonaro passou 28 anos exercendo uma carreira medíocre no
Congresso Nacional: sem projetos de lei relevantes apresentados (e muito menos
aprovados), sem assumir a relatoria de propostas importantes para o país, sem
liderar seu partido ou comandar comissões de relevo. No entanto, foi reeleito
seguidas vezes e exerceu sete mandatos consecutivos.
Com um discurso belicoso e assumidamente
autoritário, elegeu-se presidente e, durante seu mandato, afrontou reiteradas
vezes outras instituições da República, notadamente o STF. Durante a pandemia,
a forma como conduziu o país, principalmente ao fazer corpo mole para obter a
vacina, foi responsável por milhares de mortes plenamente evitáveis. Uma vez
derrotado nas urnas, há fartas evidências de que tramou e mobilizou forças para
não ser apeado do poder.
Dirão alguns que Jair Bolsonaro foi punido
pelo voto, ao não se eleger. Para outros, a provável condenação pelo STF nesta
semana representará o atestado de que as instituições brasileiras funcionam, e
que os pesos e contrapesos dos Poderes cumpriram seu papel, sinalizando que
nossa democracia saber extirpar os corpos estranhos, num instinto de
autopreservação.
São respostas importantes, sem dúvida. Porém,
chama a atenção como os sistemas político e judicial foram incapazes de dar
respostas mais tempestivas, evitando que chegássemos até este ponto. As
reiteradas reeleições do deputado Bolsonaro, a despeito de seu péssimo
desempenho parlamentar, assim como sua condenação sendo possível somente a
partir da atuação justiceira de um ministro do STF, com decisões passíveis de
questionamentos quanto ao seu amparo legal, mostram que nossos arcabouços
eleitoral e jurídico não funcionam a contento. Mesmo quando não falha (o que é
raro), a justiça tarda.
Da mesma forma, a realização da maior
operação policial da história, tendo como alvo uma das principais organizações
criminosas do país, foi não apenas motivo de louvações na imprensa, como também
de disputa pela sua paternidade entre os virtuais candidatos a presidente em
2026, Lula e Tarcísio.
Apesar disso, é chocante constatar como o PCC
desenvolveu uma teia de negócios envolvendo fazendas com plantações de
cana-de-açúcar, usinas de álcool, refinarias, distribuidoras e postos de
combustíveis, além de administradoras de fundos e fintechs.
Caso realmente se vá a fundo nas apurações,
saberemos como o crime organizado molda as leis e obtém liminares na Justiça
para facilitar seus negócios, além das práticas que utiliza para não entrar no
radar dos órgãos que fiscalizam setores importantes da economia, como a ANP, o
Banco Central e a CVM.
Seria muito ingênuo pensar que essa rede que
movimenta bilhões de reais tenha sido construída e se mantenha sem a conivência
de políticos dos âmbitos municipal, estadual e federal, além de magistrados e outras
autoridades.
Blindar políticos de investigações e
processos judiciais, como pretende a PEC, significa tornar a atividade
parlamentar ainda mais atraente para a associação entre políticos mal
intencionados e o crime organizado.
A verdadeira blindagem que precisamos é
tornar nosso sistema político menos vulnerável e tempestivamente reativo a
incompetentes e criminosos.
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