segunda-feira, 1 de setembro de 2025

A China está só esperando, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Governo e empresas brasileiras têm de sair pelo mundo em busca de contratos. E, nisso, o Brasil está muito atrasado

O presidente Lula disse na semana passada que o Brasil está “tranquilo” porque tem a China como seu principal parceiro comercial. O contexto: Lula falava da absoluta falta de negociação com o governo americano, porque os representantes de Washington simplesmente se recusam a conversar com as autoridades brasileiras.

Trata-se de uma situação difícil — empresas locais têm perdido negócios com os Estados Unidos —, mas, do ponto de vista agregado, o dano é pequeno. A participação americana na pauta de exportação brasileira há muito deixou de ser dominante. Esse lugar agora é da China — e o Brasil de Lula se dá muito bem com a China de Xi Jinping, colegas de Brics.

Ocorre que o governo chinês mantém conversações de alto nível com Washington, estando suspensa, por ora, a guerra tarifária entre as duas potências. Isso deve ser motivo de preocupação para Lula. Entre outras demandas, Trump pretende que a China quadruplique a importação de soja americana. A soja é o principal produto brasileiro na exportação para a China — algo entre 35% e 40% do total vendido para lá. Essa posição foi alcançada nos últimos anos, quando os chineses, por causa da guerra tarifária no primeiro governo Trump, substituíram a soja americana pela brasileira.

Foi, portanto, uma oportunidade política, mas é preciso salientar que os produtores brasileiros, com intensa tecnologia, estavam preparados para atender a exigente demanda chinesa. Hoje, a China depende da soja brasileira, mas os produtores americanos também podem atender aquele mercado, se isso for objeto de um acordo comercial. E se for? Lá se foi a tranquilidade. O Brasil terá de buscar compradores noutros países.

Os outros três produtos brasileiros mais exportados para a China são minério de ferro, petróleo e carnes. Os Estados Unidos também têm petróleo e carne para exportar. Tudo considerado, governo e empresas brasileiras têm de sair pelo mundo em busca de contratos. E, nisso, o Brasil está muito atrasado. País fechado, com elevadas tarifas e muitas outras barreiras à importação, o Brasil ficou fora do amplo movimento de acordos comerciais assinados entre países e regiões.

São, portanto, dois problemas: a falta de negociação com os Estados Unidos e a falta de acordos comerciais com outras nações. Sim, temos o Brics, mas o grupo está longe de formar um bloco comercial. São países muito diferentes, quase todos com economias igualmente fechadas. Além disso, para a maior parte dos países do Brics, o comércio com os Estados Unidos é muito mais importante. Por isso todos tentam manter negociações em separado com o governo Trump.

“É difícil negociar sob a mira de uma arma”, comentou o economista indiano Raghuram Rajan quando especulava sobre a capacidade de reação dos governos ao tarifaço de Trump. Ex-economista-chefe do FMI e ex-presidente do Banco Central da Índia, Rajan argumentava que retaliações comerciais seriam uma má escolha. O que recoloca o dilema: negociar com Washington sob a mira de uma arma.

Trump tem distribuído ameaças para todos os lados. São alvos países que cobram impostos das grandes companhias americanas de tecnologia e aplicam legislações de algum modo restritivas às atividades das big techs. União Europeia e Reino Unido fazem isso. Apesar de já terem assinado acordos com Trump, podem ser alvo de novas tarifas.

Representantes do governo americano também têm dito que podem ser cassados os vistos de autoridades de outros países. Também ameaçam com a Lei Magnitsky — punição já aplicada contra brasileiros. Esse ambiente poderia levar a um entendimento entre os países, não propriamente para enfrentar o poderio americano. Até este momento, pelo menos, ninguém parece disposto ao enfrentamento. Mas o que se poderia fazer é estabelecer outros laços comerciais, políticos e diplomáticos.

Quem está especialmente interessado nisso? A China, que, com sua histórica paciência, pretende substituir a liderança americana. Situação complexa: escapar de Trump para cair na esfera chinesa?

 

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