IA exigirá cuidado com o emprego dos mais jovens
O Globo
Estudo verificou impacto negativo da
tecnologia na faixa etária, mas não há motivo para desespero
Com seu progresso em velocidade jamais vista, mesmo para outras tecnologias digitais, as ferramentas de inteligência artificial (IA) têm despertado um misto de júbilo e temor. O entusiasmo é alimentado por seu desempenho a cada dia melhor e pela projeção de uma nova revolução em diferentes áreas do conhecimento e setores da economia. O medo advém do risco de uso nefasto e do impacto no mercado de trabalho. O embate entre futuros utópico ou distópico ganhou destaque nas conversas entre profissionais das mais variadas áreas — de músicos a advogados. No meio acadêmico, há uma discussão acalorada a respeito do efeito concreto da IA no mercado de trabalho. A conclusão, por enquanto, é que, sim, ela destruirá empregos — mas não há motivo para desespero.
Em estudo publicado no final de agosto, três
pesquisadores da Universidade Stanford identificaram “quedas substanciais” nas
taxas de emprego de profissionais entre 22 e 25 anos nas ocupações mais
expostas à nova tecnologia, como desenvolvedores de software ou serviços de
atendimento. Para os mais velhos, a realidade tem sido outra. O nível de
emprego tem se mantido ou até aumentado. No mercado de trabalho como um todo, o
nível de ocupação cresce, mas para trabalhadores jovens se mantém estagnado.
O estudo também revela que nem todas as
aplicações de IA resultam em declínio de vagas para quem entra no mercado de
trabalho. Em atividades com automação intensiva, há perdas. Nos empregos que
usam IA para ampliar habilidades humanas, há ganhos. Quanto aos salários, o uso
da nova tecnologia tem — por enquanto — tido pouco efeito.
Os autores são cuidadosos para não extrair
conclusões precipitadas. Ressaltam ser necessário obter dados mais precisos e
continuar o monitoramento. Afirmam que a adoção de novas tecnologias
normalmente produz efeitos heterogêneos no mercado de trabalho. Mas especulam
se os trabalhadores que mais sentiram consequências negativas até o momento não
seriam “os canários da mina de carvão” — aqueles que, sensíveis a gases
tóxicos, eram usados por mineiros como alarme.
A dificuldade de prever os efeitos da IA está
ligada ao ineditismo. Se as projeções de nova revolução forem confirmadas,
olhar para trás de nada servirá para avaliar as mudanças. Thomas Malthus, o
pensador britânico do século XVIII, foi um dos economistas mais brilhantes de
sua geração. A partir de uma observação correta, concluiu que a renda per
capita sempre se manteria em nível de subsistência. Para azar de Malthus e
sorte da humanidade, a Revolução Industrial deu início a uma explosão inédita
de produtividade e renda. Ante as novas evidências, a armadilha malthusiana
evaporou.
Ainda que as transformações provocadas pela
IA possam ter consequências sem precedentes, algumas lições do passado são
úteis. Entre 1760 e 1850, a Revolução Industrial não resultou em ganho salarial
e acabou com várias ocupações. Para evitar choque parecido, é preciso adotar
medidas para mitigar os efeitos da tecnologia, sobretudo no emprego dos jovens;
incentivar o uso de ferramentas de IA que ampliem as habilidades humanas;
recolocar quem perder empregos; e, sobretudo, investir na formação desses
jovens para que sejam profissionais mais flexíveis, capazes de se adaptar às
oportunidades que surgirão. Afinal, jovens ainda têm toda a vida para aprender.
Proliferação de motos ilegais exige ação
determinada das autoridades
O Globo
Operações nas ruas são essenciais para
apreender veículos usados em furtos de celular e noutros crimes
O cantor Tom Zé participava da gravação de um
vídeo no bairro de Perdizes, Zona Oeste de São Paulo,
quando um motociclista subiu na calçada e tomou o celular de quem filmava. Em
fevereiro, depois da morte de um ciclista, foi presa em São Paulo Suedna
Barbosa Carneiro, conhecida como Mainha do Crime, suspeita de chefiar uma
quadrilha. Carona numa moto com placa adulterada, o assassino roubou o celular
antes de desferir o tiro. Na casa dela, a polícia encontrou dez placas falsas.
O mesmo grupo é acusado da morte de um delegado da Polícia Civil noutro roubo
de celular.
Em evento no início do mês, o governador do
estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao lado do prefeito da capital,
Ricardo Nunes (MDB), reconheceu que a cidade vive uma epidemia de crimes
praticados por motociclistas. “É gente que adultera placas”, disse Tarcísio.
Vendidas por até R$ 20, as peças falsas tomaram conta das ruas. Câmeras da
Prefeitura flagram 185 ocorrências por dia. A placa BRA49CC é a mais frequente,
com mais de 4.700 diferentes registros em um mês.
Governador e prefeito deveriam promover uma
política de tolerância zero com essas fraudes. Andar com placa adulterada é
crime de trânsito,
não mera infração. As operações nas ruas exigem um contingente grande de
policiais e não são infalíveis. Os locais das operações costumam vazar, e no
caso de motociclistas taxas de fuga tendem a ser mais elevadas. Apesar disso,
não há estratégia melhor para tirar de circulação as motos ilegais.
Para obter sucesso, as operações dependem de
ações coordenadas. É preciso haver guinchos para o transporte, pátios para
guardar os veículos apreendidos e leilões quando não forem retirados. É
fundamental também insistir nas operações de fiscalização até que a incidência
do crime caia. Por fim, as autoridades devem investir em campanhas de
esclarecimento para ganhar apoio da opinião pública. Motos regulares serão
paradas com mais frequência. Entregas talvez sofram com atrasos. Haverá
engarrafamentos. Mas todos também são vítimas dos roubos perpetrados por
criminosos montados em motos.
Tarcísio e Nunes reclamam do fim dos lacres nas placas a partir da implantação do modelo Mercosul em 2018. Prefeitura e governo estadual investem em motocicletas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar equipadas com câmeras, capazes de ler em segundos placas de outros veículos. Projeto aprovado na Câmara Municipal prevê bônus para a GCM por recuperação de moto roubada ou adulterada. Todas essas medidas ajudam, mas nenhuma substitui o corpo a corpo. Há motos ilegais demais, operações de fiscalização são críticas para apreendê-las e para prender quem se vale delas para praticar crimes.
Trump interfere em empresas, e se afasta da
tradição liberal
Valor Econômico
Ao manipular empresas em função de sua agenda
política, Trump substitui a lógica do mercado por um intervencionismo seletivo,
que pune adversários e premia aliados
Um dos pilares do capitalismo americano
sempre foi a convicção de que o setor privado prospera quando tem liberdade
para tomar suas decisões e que o Estado deve intervir apenas para regular
excessos, garantir concorrência justa e proteger o interesse público e a
segurança nacional. No entanto, o presidente Donald Trump tem minado esse valor
ao intervir diretamente na atuação e até na gestão de empresas privadas, algo
sem precedentes na história recente dos EUA.
Políticas adotadas nos seis primeiros meses
de governo Trump apontam na direção de um dirigismo estatal cada vez maior na
economia, incluindo a atividade empresarial. Nesse período, o presidente buscou
influenciar o quê, quanto e onde as empresas devem produzir, o preço que devem
cobrar por seus produtos e até mesmo quem as controla e as dirige. Ele tem
feito isso usando a estratégia da cenoura e do porrete, isto é, recompensas
para bom comportamento e punição para quem não segue os seus ditames.
Pressionado pelo risco de um repique da
inflação, Trump vem buscando, por exemplo, forçar as empresas a segurarem
preços. Em maio, após o CEO da Walmart afirmar que não poderia absorver a
pressão nos preços geradas pelas novas tarifas comerciais, Trump afirmou que a
rede varejista deveria “comer as tarifas”, em vez de repassá-las aos
consumidores, afinal a Walmart “faturara bilhões de dólares em 2024, muito mais
que o esperado”. E ameaçou, dizendo que estaria vigiando os preços praticados.
Algo parecido ocorreu com a Amazon e gerou críticas a Jeff Bezos. Neste mês,
Trump prometeu reduzir os preços dos medicamentos “em até 1.500%”, talvez sem
atentar para o fato de que nenhum preço pode cair mais de 100%.
O presidente vem ainda buscando influenciar
decisões de produção e investimentos corporativos. Ele repreendeu o CEO da
Apple, Tim Cook, dizendo que a empresa deveria transferir a produção dos
iPhones da China para os EUA, e não para a Índia, como previsto. A tarifa de
50% aplicada à Índia visa, possivelmente, a inibir esse tipo de desvio de comércio.
Ao final, Trump “anunciou” que a Apple aumentaria sua produção nos EUA. Do
mesmo modo, Washington só aprovou a venda da US Steel para a japonesa Nippon
Steel após garantir uma “golden share”, pela qual terá poder de veto em
decisões estratégicas.
O presidente está também se envolvendo
diretamente no controle de companhias privadas. Desde janeiro ele vem adiando o
prazo para a venda das operações nos EUA do aplicativo chinês TikTok, decidida
pelo Congresso e aprovada pela Suprema Corte. E já disse que a decisão sobre um
novo controlador será sua.
Em agosto, ele negociou a troca de subsídio
já previsto à fabricante de chips Intel pela participação de 10% no capital da
empresa (podendo chegar a 15%), o que faz do Estado o maior acionista. A
operação busca resgatar o único fabricante de chips americano que ainda produz
no país. A empresa ficou para trás na corrida tecnológica no setor e vem de
seis trimestres seguidos de prejuízo. A mídia americana especula que Trump
poderá forçar empresas nos EUA a comprarem mais chips da Intel.
Trump negociou recentemente a revogação do
controle de exportações de chips avançados para a China em troca de uma taxa de
15% do faturamento da Nvidia e da AMD com as vendas. É uma espécie de pagamento
por licença de exportação, que pode render cerca de US$ 3,5 bilhões ao governo.
O governo tem se envolvido até em questões
internas das empresas. Na primeira semana de governo, Trump assinou decreto que
acaba com as políticas de inclusão e diversidade em órgãos do governo, mas que
busca também inibir essa prática em empresas privadas. Mais recentemente, a
Comissão Federal de Comunicações (FCC) ameaçou cassar a concessão e avisou que
não aprovará fusões e aquisições no setor de empresas que praticam políticas de
inclusão e diversidade.
Quando a Casa Branca indica quais empresas
podem expandir ou que decisões estratégicas são aceitáveis, o sinal ao mundo
dos negócios é de que as regras mudam ao sabor da política, e não das forças de
mercado. Isso gera incerteza, desencoraja investimentos e inovação de longo
prazo, e corrói a credibilidade da economia americana. Várias medidas sugerem
ainda um desejo do governo Trump de atuar na microgestão de empresas privadas,
o que o Estado certamente não tem competência nem capacidade de fazer.
Analistas americanos observam que uma parte
importante da direita conservadora no país abandonou o liberalismo por um
modelo em que o Estado atua de modo mais empresarial, com Trump como uma
espécie de CEO dos EUA. Mas, por trás dessa retórica, ele parece estar
conduzindo os EUA, pátria do liberalismo, a uma espécie de capitalismo de
Estado no modelo chinês, no qual o governo intervém regularmente não apenas na
economia, mas na própria condução dos negócios das empresas privadas.
Ao manipular empresas em função de sua agenda política, Trump substitui a lógica do mercado por um intervencionismo seletivo, que pune adversários e premia aliados. Isso coloca em xeque não só a liberdade empresarial, mas o próprio fundamento do capitalismo que diz defender.
Com juros nas alturas, economia dá sinais de
esfriar
Folha de S. Paulo
Queda no emprego é sintoma da desaceleração,
necessária para conter inflação incitada por gastança de Lula
Projeções indicam alívio modesto na Selic,
para altíssimos 12,5% até 2026. Redução seria muito maior se gestão fiscal do
governo fosse mais austera
Após um período de resiliência surpreendente,
a atividade econômica brasileira exibe sinais claros de desaceleração, que
devem se acentuar nos próximos meses.
Um deles está na geração de empregos formais, que em
julho somou 129,7 mil vagas, 32% a menos que no mesmo mês de 2024.
Nos sete primeiros meses deste ano, foi criado 1,347 milhão de postos, 10,3% a
menos que no mesmo período dono passado.
Essa acomodação no mercado de trabalho ainda
se dá com uma taxa de desemprego baixa,
de 5,8%, o que sugere moderação, não demissões em massa que seriam típicas de
um ambiente recessivo. Mesmo com reduzida desocupação, ademais, não se observa
aceleração dos salários.
Outra evidência de fadiga é a alta da
inadimplência, que atingiu 6,5% para famílias (maior taxa desde 2013) e 5,2% no
total incluindo as empresas (pico desde 2017). As concessões de novos
financiamentos perdem força.
Também corroboram essa tendência dados sobre
a confiança em vários setores da economia,
que vem caindo nos últimos meses. Não será surpresa se a atividade ficar
praticamente estagnada no segundo semestre.
Tal cenário decorre do arrocho monetário que
levou a taxa Selic,
do Banco Central,
a 15% ao ano. A política restritiva visa domar a inflação,
incitada por gastos públicos crescentes, e acaba freando consumo e
investimentos.
As revisões baixistas para a carestia nas últimas
semanas, ao menos, podem abrir caminho para alívio monetário em breve.
A valorização do real e a queda nos preços
dos alimentos explicam boa parte desse movimento, mas a perda de ritmo do
consumo e do crédito já modera também a inflação de serviços.
Como resultado, o mercado financeiro reduziu
as projeções para o IPCA em 2025 a 4,86%, e começam a cair as expectativas para
os próximos dois anos. O Copom projeta
convergência da inflação para 3,4% nesse prazo.
Além disso, o contexto internacional favorece
um afrouxamento monetário no Brasil. Nos Estados
Unidos, o Federal Reserve (Fed) sinaliza
cortes nas taxas de juros nos
próximos meses. Essa flexibilização americana tem potencial para aliviar
pressões cambiais e atrair fluxos de capital para emergentes como o Brasil.
Tudo considerado, é plausível que o BC comece
a diminuir a taxa básica ainda neste ano. Mas as projeções atuais de analistas
indicam alívio modesto, para ainda altíssimos 12,5% até 2026.
Levar a Selic a um dígito é crucial para
aliviar empresas e famílias. A queda dos juros poderia ser muito maior se a
gestão fiscal do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
fosse mais austera, no sentido da redução do déficit público. Com a aproximação
do ano eleitoral, contudo, ainda há
risco de maior expansão de despesas.
Enquanto isso, o espaço para juros
civilizados é prejudicado e o Banco
Central se vê obrigado a pisar no freio, às expensas de um
crescimento mais vigoroso.
Congresso entre anistias e blindagens
Folha de S. Paulo
Só o que divide defensores da PEC para
proteger parlamentares de ações na Justiça é o grau de despudor
Maior interesse é adicionar impunidade à doce combinação de maior poder sobre o Orçamento e ausência de prestação de contas
Uma preocupação recorrente sobre o
protagonismo assumido pelo Congresso
Nacional nos últimos anos é como atribuir a deputados e
senadores responsabilidades condizentes com seus poderes ampliados, sobretudo
na área orçamentária.
Afinal, os parlamentares controlam
diretamente R$ 50 bilhões no Orçamento deste 2025, uma exorbitância que não tem
paralelo conhecido no mundo, sem prestarem contas a respeito da boa aplicação
do dinheiro, muito menos dos desequilíbrios nas finanças do Tesouro Nacional.
Tal percepção serve até de argumento para
defensores da adoção de um semipresidencialismo ou semiparlamentarismo,
propostas que provavelmente causariam mais tumulto político e institucional em
um país que já rejeitou a mudança do sistema de governo em consulta popular.
Enquanto isso, o Congresso dá mostras de que
está mais interessado em acrescentar impunidade à doce combinação de poder e
irresponsabilidade.
Assim ficou claro com a aprovação,
no ano passado, da infame PEC da
Anistia —não confundir com perdão pleiteado pelos adeptos de
Jair Bolsonaro (PL) para suas investidas contra a ordem democrática.
Com o texto inserido na Constituição,
parlamentares da esquerda à direita desafiaram o repúdio da opinião pública
para ampliar a imunidade tributária dos partidos políticos e livrá-los de
sanções recebidas por infrações diversas.
Agora, outra tentativa descarada de blindagem
ante os efeitos da lei está em gestação no Legislativo federal, também na forma
de emenda à Carta. Pretende-se nada menos que condicionar a abertura de
processos judiciais contra deputados e senadores à autorização de seus pares
—se é que o texto, que ainda não conheceu a luz do dia, vai parar por aí.
A proposta é
subproduto do motim bolsonarista que interditou o Congresso no
início do mês. O que começou como um teatro truculento contra o cerco da
Justiça a ensaios golpistas desandou rapidamente, com o apoio do centrão
pragmático, para uma celebração do espírito de corpo dos legisladores.
O grau de despudor do projeto é só o que
divide seus patrocinadores, como se percebeu na reunião de líderes partidários
da Câmara dos
Deputados na quinta-feira (28), que
felizmente terminou sem consenso.
A melhor saída é que um mínimo de escrúpulo impeça a empreitada. É assustador imaginar que um grupo de cidadãos acima do alcance da lei venha a definir o destino de dezenas de bilhões em dinheiro do contribuinte.
Lula abusa de seu poder
O Estado de S. Paulo
Perto de sua última eleição, Lula faz da
Presidência um palanque permanente para fazer o que realmente gosta: campanha.
Por motivo bem parecido, Bolsonaro foi declarado inelegível
A certeza de que, em 2026, disputará uma
eleição presidencial pela última vez em sua longuíssima vida política parece
ter dado a Lula da Silva a ilusão de que ganhou um salvo-conduto para abusar da
lei e da paciência dos brasileiros. Não ganhou, ao contrário do que ele pensa,
mas para o demiurgo petista isso pouco importa, desde que possa agir e falar
sem parar de acordo com suas intenções eleitorais. E assim ele tem extrapolado
todos os limites aceitáveis ao converter a Presidência da República e os eventos
oficiais em palanque permanente e transformar a posição de chefe de Estado em
condição privilegiada para fazer o que realmente gosta: campanha eleitoral.
Como não governa, Lula faz comícios, disso já
se sabe. Entretanto, o que o País tem visto neste ano é de outra ordem. Na mais
recente reunião ministerial, por exemplo, momento em que, em tese, deveria
discutir com auxiliares ideias e decisões restritas à esfera de governo, Lula
transformou o Palácio do Planalto em arena eleitoral e sua fala de chefe de Estado
em discurso de candidato. Citou nominalmente o provável principal adversário
capaz de tomar-lhe a reeleição (o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas), como quem coloca o dedo em riste contra um inimigo a enfrentar, e
levou seus ministros a vestir bonés com jeito e slogan de caráter eleitoral,
convocando os auxiliares a uma tarefa de cunho claramente partidário. Como se
sabe, ele e seus sabujos estão empolgados com a linha de conflito adotada pelo
governo e pelo PT depois de amargar meses de impopularidade pelo vazio
programático que marca o terceiro mandato.
Não foi o único episódio em modo campanha e,
infelizmente, não será o último. Não há dia ou evento oficial sem que Lula
deixe de fazer referência à sua condição de candidato nas próximas eleições –
mesmo quando é para fingir que pode não levar tal ideia adiante, como se não
tivesse passado os últimos 40 anos pensando apenas na próxima disputa
eleitoral. Não deixou de fazê-lo nem sequer nos meses em que foi um presidiário
condenado por corrupção em duas instâncias. Hoje, nos comícios em atos públicos
– todos na condição de chefe de governo, convém insistir –, ele invariavelmente
ignora abordagens administrativas e a busca efetiva de soluções para os muitos
problemas do País, preferindo desancar adversários, repisar o mote patriótico
do lulopetismo na campanha, difundir realizações do seu governo como quem
reinventou o Brasil e incentivar a militância a aproveitar os bons ventos
trazidos pelo tarifaço de Donald Trump.
É o exato contrário do que manda a liturgia
do cargo de presidente, mas coerente com quem se enxerga acima do bem, do mal e
da lei. Afinal, Lula não parece contente em ser apenas um enviado de Deus, com
assim já se definiu, ou comparado a um novo messias, como também já se apresentou
diversas vezes. Com alguma frequência perfila-se com grandes heróis da história
nacional, de Tiradentes a Getúlio Vargas, de modo a ilustrar o quanto se sente
como a personificação do povo e seus anseios. Esse panegírico só serve para
mostrar que Lula é mesmo incorrigível, um vício de origem que se agravou com o
iminente fim de sua carreira eleitoral. Em outubro de 2026, Lula terá 81 anos e
até mesmo os petistas já se preparam para chegar o momento em que precisarão
trabalhar sem seu campeão de votos, posto que o chefão passará a ser apenas uma
inspiração ou um retrato na parede.
Mas antes que esse momento chegue –
infortúnio da militância do PT e alívio de um Brasil que gostaria de ver a
política brasileira sem as amarras da polarização entre o lulopetismo e o
bolsonarismo –, convém ter cuidado. Recorde-se que o Tribunal Superior
Eleitoral tornou Jair Bolsonaro inelegível porque enxergou abuso de poder na
reunião do então presidente com embaixadores estrangeiros, em pleno Palácio da
Alvorada. À época, Bolsonaro usou o encontro para deslegitimar o sistema
eletrônico de votação. Hoje Lula usa as reuniões no Palácio do Planalto para
deslegitimar outras coisas: a Presidência que exerce e as leis eleitorais que
restringem seus delírios palanqueiros. Não há outro nome a chamar: abuso de
poder.
Judiciário precisa se afastar da política
O Estado de S. Paulo
Ao sugerir que a troca na presidência do TSE
poderia salvar Bolsonaro, Valdemar Costa Neto ilustra como políticos enxergam
as Cortes Superiores como espaços de barganha, não de Justiça
Não é de hoje que as Cortes Superiores,
particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF), têm sido percebidas como
centros de ação política. Mas a desenvoltura com que alguns ministros passaram
a transitar nos meios político e empresarial e a promiscuidade entre os
interesses envolvidos nessas rodas têm adquirido contornos demasiadamente
inapropriados até para o padrão de escracho dos poderosos deste país.
Há poucos dias, o presidente do PL, Valdemar
Costa Neto, afirmou sem pejo algum que Jair Bolsonaro “tem grandes chances” de
ser candidato à Presidência em 2026, malgrado estar inelegível por decisão do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o sr. Valdemar, a troca de comando
no TSE – que, em agosto do ano que vem, passará a ser presidido pelo ministro Nunes
Marques, indicado por Bolsonaro – abriria o caminho para a reversão da
condenação do ex-presidente. É óbvio que se trata de um discurso para inflamar
as hostes bolsonaristas. Porém, ainda que por vias tortas, a fala do capo do PL ilustra um problema
gravíssimo: a percepção de que as mais altas instâncias do Judiciário são
tribunais essencialmente políticos.
A inelegibilidade de Bolsonaro, vale lembrar,
decorre de decisão colegiada do TSE, tomada com base em fatos e provas, não em
preferências pessoais. A presidência da Corte Eleitoral não confere a seu
titular o poder monocrático para anular julgamentos. Uma raposa como o sr.
Valdemar sabe disso, mas ainda assim alimenta a vã esperança de que um só
ministro irá reverter um caso juridicamente consolidado. Isso ocorre porque, em
larga medida, o sistema político acostumou-se a tratar o STF e o TSE como
Cortes abertas à barganha, não como tribunais que se limitam a aplicar as leis.
O mesmo se viu quando o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, intercedeu junto ao STF para que fosse devolvido o
passaporte de Bolsonaro a fim de que o réu por tentativa de golpe de Estado,
pasme o leitor, viajasse aos EUA para “negociar” com o presidente Donald Trump
a reversão do tarifaço imposto ao Brasil. O pedido foi repelido, é claro, mas a
mera iniciativa revela como mesmo autoridades de relevo, como o governador
paulista, supõem natural recorrer ao STF como se fosse uma ouvidoria política,
para não dizer um balcão de lamúrias.
Por sua vez, o decano do STF, Gilmar Mendes,
jactou-se com a maior naturalidade do mundo de ser habitual interlocutor de
políticos e empresários ao responder perguntas sobre a menção a seu nome em
conversas entre Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro, publicadas
recentemente com autorização do STF. Onde já se viu um juiz considerar natural
atuar como mediador político?
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso,
tem razão quando sustenta que a Constituição de 1988 conferiu à Corte um
protagonismo político inescapável, assegurando-lhe a palavra final sobre temas
que, em outros países, ficam restritos à concertação entre Executivo e
Legislativo. Contudo, se esse é o desenho institucional brasileiro, o que se
espera dos ministros é ainda mais comedimento, não menos. E o que se vê é o
contrário: votos se transformaram em manifestos ideológicos; ministros buscam
holofotes como siriris; eventos supostamente acadêmicos são pretexto para
juízes tagarelarem sobre as mais variadas questões como se fossem políticos em
exercício de mandato.
Um Judiciário que aceita esse papel – e com
aparente gosto – torna-se alvo fácil de críticas nem sempre republicanas ou
bem-intencionadas. A confiança da população na Justiça depende fundamentalmente
da convicção de que ela se pauta exclusivamente pelas leis e pela Constituição,
não por predileções partidárias. Nossa democracia não precisa de um STF
militante, mas sim sereno, que fale menos e decida melhor. O País anseia por um
Supremo que estimule mais a discrição de ministros como Edson Fachin ou Rosa
Weber, ora aposentada.
É o caso de reafirmar o óbvio: o Judiciário
não é arena política. Quanto mais os ministros reforçam essa caricatura, mais
fragilizam a autoridade das Cortes Superiores e mais abrem espaço para a
corrosão de sua legitimidade.
Rinha política nas agências
O Estado de S. Paulo
Nomeação de 24 novos diretores escancara
disputa indevida sobre agências reguladoras
Dois anos e oito meses após o início do
mandato, o governo Lula da Silva corrigiu, enfim, o desfalque nos colegiados
das agências reguladoras com a escolha de 24 novos diretores, no total.
Passaram pelo crivo do Legislativo nomes para as autarquias que fiscalizam e
regulam os mercados de energia elétrica, energia nuclear, petróleo, vigilância
sanitária, telecomunicações, proteção de dados, aviação civil, saúde
suplementar, águas e saneamento básico, mineração, transportes terrestres e
transportes aquáticos.
Mas a indicação pelo Executivo e a aprovação
pelo Senado dos nomes para completar as 11 diretorias está longe de solucionar
a situação crítica das agências. Em primeiro lugar, é preciso frisar que as
nomeações não foram resultado de avaliação criteriosa de saberes e experiência
técnica. O que prevaleceu nas escolhas, como pôde ser acompanhado publicamente
por intermináveis meses, foi a disputa de grupos políticos por influência e
poder em diferentes setores econômicos.
Tivesse o governo preferência por indicações
baseadas em critérios técnicos, as vagas por certo teriam sido preenchidas nos
primeiros cem dias de governo, período em que é estabelecida a base de cada
mandato. Mas é notório que a atuação dos órgãos de controle de atividades
repassadas ao setor privado nunca esteve na lista de prioridades de Lula, e tão
ou mais prejudicial do que ignorar, por período tão longo, os danos no
funcionamento de diretorias incompletas é permitir – e até incentivar – a arena
política formada em torno das agências.
A disputa escancarada envolveu ministros,
senadores, deputados e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e serviu
de palco para um toma lá, dá cá capitaneado pelo presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), munido do poder de levar ou não a pauta à votação, o que
acabou ocorrendo depois de muita barganha.
O triste espetáculo foi mais um capítulo do
desmantelamento das agências, alvo de sucateamento contínuo desde a gestão de
Jair Bolsonaro, que inaugurou os cortes orçamentários substanciais nesses
órgãos – alguns, ressalte-se, com receita própria capaz de bancar com folga os
custos, não fosse a obrigatoriedade de envio dos recursos à Conta Única do
Tesouro.
Agora, além da penúria orçamentária, um lote
de projetos em avaliação no Congresso prevê mudanças na legislação das
agências. Um deles, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 42/2024, de
autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), propõe que as agências reguladoras
passem a ser fiscalizadas pela Câmara dos Deputados.
A submissão à Câmara vai contra a própria ideia de autonomia das agências, imposta justamente para bloquear interferências políticas e dar segurança jurídica aos investidores de cada setor. As decisões estritamente técnicas dos reguladores são essenciais para quem investe e também para quem utiliza serviços essenciais. As agências foram criadas para supervisionar a prestação de atividades e serviços públicos que passaram a ser prestados por operadoras privadas. Seu papel é preservar a concorrência do mercado, garantir a qualidade dos serviços e proteger os direitos dos usuários. Sua captura pelos políticos é um desastre para o País.
Epidemia de violência de gênero tem que ser
contida
Correio Braziliense
A sociedade brasileira não pode aceitar que o
país se transforme, cada vez mais, em um território de perigo para meninas e
mulheres.
Com a realização do Agosto Lilás, o Brasil
dedicou um mês para desenvolver campanhas de conscientização e combate à
violência contra a mulher, celebrando a Lei Maria da Penha. Mas, infelizmente,
a realidade cruel que envolve esse tipo de crime se mostra implacável e, em
meio aos eventos, a divulgação do Mapa Nacional da Violência de Gênero comprova
que ainda há muito a ser feito.
Divulgados na última semana, números
organizados a partir de dados extraídos do Ministério da Justiça e Segurança
Pública revelam que o país apresentou média de quatro feminicídios e 187
estupros de mulheres por dia no primeiro semestre de 2025. O levantamento
detalha, ainda, que 718 mulheres morreram em razão do gênero de janeiro a junho
deste ano, conforme os registros de ocorrências. O bárbaro diagnóstico expõe a
falha nos mecanismos de proteção e escancara a gravidade desse contexto.
Um recorte mais amplo mostra que, desde a
criação da Lei do Feminicídio, em 2015, o Brasil contabilizou 12.380 vítimas
desse crime, e a média de quatro homicídios por dia se repete há cinco anos.
Esse roteiro de horror permanente precisa ser interrompido. É urgente que
sejam adotadas medidas para melhorar a articulação para o enfrentamento da
violência de gênero.
As estatísticas assustadoras não podem ser
consideradas de interesse apenas da parcela da população que diariamente está
na mira dos abusos domésticos e dos ataques nas ruas. E o tema não pode
continuar sendo tratado como algo da esfera da moral e particular. Acabar com a
violência contra as mulheres é uma responsabilidade da gestão pública e precisa
ser encarada como prioridade.
A rede de atendimento e enfrentamento,
especialmente fora das capitais e das grandes cidades, deve garantir resposta
rápida e eficaz às denúncias e pedidos de ajuda. Para isso, todas as esferas da
administração pública — federal, estadual e municipal — têm de pensar em
orçamento e planejamento para fortalecer os serviços de apoio.
Informação e mobilização são fundamentais,
porém medidas práticas e eficientes não podem deixar lacunas que impeçam à
vítima de encontrar mecanismos de fuga diante da cadeia de violência que se
coloca à sua frente. As falhas de proteção, muitas vezes, prendem as mulheres
em um ciclo de medo, motivado por vergonha e dependência financeira.
A sociedade brasileira não pode aceitar que o
país se transforme, cada vez mais, em um território de perigo para meninas e
mulheres. Essa epidemia de violência precisa ser contida, e o Estado, o
Judiciário e as forças de segurança, especialmente as polícias especializadas,
têm que executar ações de forma conjunta diante do quadro
alarmante.
O abuso sexual, a morte e a agressão por gênero não podem fazer parte do cotidiano nacional. As políticas públicas precisam amparar as mulheres presas em relacionamentos violentos, oferecendo a elas a certeza de que há caminho longe desse horror.
Despejo de agrotóxicos nas casas de Quixeré
expõe riscos dos trabalhadores rurais
O Povo (CE)
Enquanto a Polícia Civil investiga o
incidente, fica clara a urgência de expandir o debate para abarcar as
consequências sanitárias e de segurança da pulverização de agrotóxicos no Ceará
Os casos de despejo de agrotóxicos em uma
comunidade no Vale do Jaguaribe reforçam a importância da discussão
sobre o uso de pesticidas para além da pauta econômica no Estado. Em 19 de
agosto, o composto químico Terbufós — usado para controle de vermes, besouros e
outras pragas agrícolas — foi jogado em áreas comuns e em uma residência do
município de Quixeré (CE), provocando uma sensação de "medo geral"
nas comunidades, como denunciado pelo Padre Júnior, da Cáritas Diocesana de
Limoeiro do Norte.
É significativo que o incidente tenha
ocorrido em um contexto de críticas à aprovação do uso de drones para a
pulverização de agrotóxicos em plantações cearenses. A pulverização aérea de
agrotóxicos é vetada no Ceará desde 2019 pela Lei Zé Maria do Tomé, agricultor
e ativista assassinado em Limoeiro do Norte por lutar contra o uso de pesticidas
e por denunciar o adoecimento da população em decorrência dos produtos.
O composto químico identificado no
ataque de 19 de agosto pode levar ao "desenvolvimento de sintomas
neurológicos, e a depender da dose e tempo de exposição, fraqueza muscular,
paralisia, crise colinérgica e morte", como explicado pela médica
endocrinologista Eveline Fontenele, do Hospital Universitário Walter Cantídio,
ao repórter e colunista do O POVO Carlos Mazza.
O Tribunal Regional do Trabalho do Ceará
(TRT-CE) denuncia há mais de uma década a insegurança de trabalhadores rurais
de Limoeiro do Norte e de Quixeré, dos quais aproximadamente 99% são expostos a
agrotóxicos e cerca de 30% apresentam sintomas de intoxicação aguda. Segundo o
Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas)
da Universidade Federal do Ceará (UFC), a taxa de mortalidade por
câncer na região é 38% maior do que em municípios que não utilizam agrotóxicos.
Enquanto a Polícia Civil investiga o
incidente, fica clara a urgência de expandir o debate para abarcar as consequências
sanitárias e de segurança dessa prática. O agronegócio é a base da
economia cearense e brasileira, mas também é um dos principais atores na
violência em zonas rurais. O poder público, portanto, não poderia ignorar este
fator ao legislar sobre o uso de compostos químicos altamente tóxicos.
Existem diversas estratégias capazes de
conciliar a produção econômica com o bem estar da natureza e das comunidades
rurais, e de reduzir o uso de compostos químicos já proibidos na União
Europeia e com classificação IA (extremamente perigoso) pela Organização
Mundial da Saúde (OMS). É o caso do Manejo Integrado de Pragas (MIP), da
rotação de cultivos, o controle biológico e até mesmo o sistema agroflorestal.
Além de uma apuração célere e rigorosa do
caso pela Polícia Civil, o ataque expõe a necessidade de um olhar integrado
para a vida no campo — um que considere a importância da agricultura
para o mercado, mas que priorize a segurança dos trabalhadores e moradores das
regiões agrícolas.
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