segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

IA exigirá cuidado com o emprego dos mais jovens

O Globo

Estudo verificou impacto negativo da tecnologia na faixa etária, mas não há motivo para desespero

Com seu progresso em velocidade jamais vista, mesmo para outras tecnologias digitais, as ferramentas de inteligência artificial (IA) têm despertado um misto de júbilo e temor. O entusiasmo é alimentado por seu desempenho a cada dia melhor e pela projeção de uma nova revolução em diferentes áreas do conhecimento e setores da economia. O medo advém do risco de uso nefasto e do impacto no mercado de trabalho. O embate entre futuros utópico ou distópico ganhou destaque nas conversas entre profissionais das mais variadas áreas — de músicos a advogados. No meio acadêmico, há uma discussão acalorada a respeito do efeito concreto da IA no mercado de trabalho. A conclusão, por enquanto, é que, sim, ela destruirá empregos — mas não há motivo para desespero.

Em estudo publicado no final de agosto, três pesquisadores da Universidade Stanford identificaram “quedas substanciais” nas taxas de emprego de profissionais entre 22 e 25 anos nas ocupações mais expostas à nova tecnologia, como desenvolvedores de software ou serviços de atendimento. Para os mais velhos, a realidade tem sido outra. O nível de emprego tem se mantido ou até aumentado. No mercado de trabalho como um todo, o nível de ocupação cresce, mas para trabalhadores jovens se mantém estagnado.

O estudo também revela que nem todas as aplicações de IA resultam em declínio de vagas para quem entra no mercado de trabalho. Em atividades com automação intensiva, há perdas. Nos empregos que usam IA para ampliar habilidades humanas, há ganhos. Quanto aos salários, o uso da nova tecnologia tem — por enquanto — tido pouco efeito.

Os autores são cuidadosos para não extrair conclusões precipitadas. Ressaltam ser necessário obter dados mais precisos e continuar o monitoramento. Afirmam que a adoção de novas tecnologias normalmente produz efeitos heterogêneos no mercado de trabalho. Mas especulam se os trabalhadores que mais sentiram consequências negativas até o momento não seriam “os canários da mina de carvão” — aqueles que, sensíveis a gases tóxicos, eram usados por mineiros como alarme.

A dificuldade de prever os efeitos da IA está ligada ao ineditismo. Se as projeções de nova revolução forem confirmadas, olhar para trás de nada servirá para avaliar as mudanças. Thomas Malthus, o pensador britânico do século XVIII, foi um dos economistas mais brilhantes de sua geração. A partir de uma observação correta, concluiu que a renda per capita sempre se manteria em nível de subsistência. Para azar de Malthus e sorte da humanidade, a Revolução Industrial deu início a uma explosão inédita de produtividade e renda. Ante as novas evidências, a armadilha malthusiana evaporou.

Ainda que as transformações provocadas pela IA possam ter consequências sem precedentes, algumas lições do passado são úteis. Entre 1760 e 1850, a Revolução Industrial não resultou em ganho salarial e acabou com várias ocupações. Para evitar choque parecido, é preciso adotar medidas para mitigar os efeitos da tecnologia, sobretudo no emprego dos jovens; incentivar o uso de ferramentas de IA que ampliem as habilidades humanas; recolocar quem perder empregos; e, sobretudo, investir na formação desses jovens para que sejam profissionais mais flexíveis, capazes de se adaptar às oportunidades que surgirão. Afinal, jovens ainda têm toda a vida para aprender.

Proliferação de motos ilegais exige ação determinada das autoridades

O Globo

Operações nas ruas são essenciais para apreender veículos usados em furtos de celular e noutros crimes

O cantor Tom Zé participava da gravação de um vídeo no bairro de Perdizes, Zona Oeste de São Paulo, quando um motociclista subiu na calçada e tomou o celular de quem filmava. Em fevereiro, depois da morte de um ciclista, foi presa em São Paulo Suedna Barbosa Carneiro, conhecida como Mainha do Crime, suspeita de chefiar uma quadrilha. Carona numa moto com placa adulterada, o assassino roubou o celular antes de desferir o tiro. Na casa dela, a polícia encontrou dez placas falsas. O mesmo grupo é acusado da morte de um delegado da Polícia Civil noutro roubo de celular.

Em evento no início do mês, o governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao lado do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), reconheceu que a cidade vive uma epidemia de crimes praticados por motociclistas. “É gente que adultera placas”, disse Tarcísio. Vendidas por até R$ 20, as peças falsas tomaram conta das ruas. Câmeras da Prefeitura flagram 185 ocorrências por dia. A placa BRA49CC é a mais frequente, com mais de 4.700 diferentes registros em um mês.

Governador e prefeito deveriam promover uma política de tolerância zero com essas fraudes. Andar com placa adulterada é crime de trânsito, não mera infração. As operações nas ruas exigem um contingente grande de policiais e não são infalíveis. Os locais das operações costumam vazar, e no caso de motociclistas taxas de fuga tendem a ser mais elevadas. Apesar disso, não há estratégia melhor para tirar de circulação as motos ilegais.

Para obter sucesso, as operações dependem de ações coordenadas. É preciso haver guinchos para o transporte, pátios para guardar os veículos apreendidos e leilões quando não forem retirados. É fundamental também insistir nas operações de fiscalização até que a incidência do crime caia. Por fim, as autoridades devem investir em campanhas de esclarecimento para ganhar apoio da opinião pública. Motos regulares serão paradas com mais frequência. Entregas talvez sofram com atrasos. Haverá engarrafamentos. Mas todos também são vítimas dos roubos perpetrados por criminosos montados em motos.

Tarcísio e Nunes reclamam do fim dos lacres nas placas a partir da implantação do modelo Mercosul em 2018. Prefeitura e governo estadual investem em motocicletas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar equipadas com câmeras, capazes de ler em segundos placas de outros veículos. Projeto aprovado na Câmara Municipal prevê bônus para a GCM por recuperação de moto roubada ou adulterada. Todas essas medidas ajudam, mas nenhuma substitui o corpo a corpo. Há motos ilegais demais, operações de fiscalização são críticas para apreendê-las e para prender quem se vale delas para praticar crimes.

Trump interfere em empresas, e se afasta da tradição liberal

Valor Econômico

Ao manipular empresas em função de sua agenda política, Trump substitui a lógica do mercado por um intervencionismo seletivo, que pune adversários e premia aliados

Um dos pilares do capitalismo americano sempre foi a convicção de que o setor privado prospera quando tem liberdade para tomar suas decisões e que o Estado deve intervir apenas para regular excessos, garantir concorrência justa e proteger o interesse público e a segurança nacional. No entanto, o presidente Donald Trump tem minado esse valor ao intervir diretamente na atuação e até na gestão de empresas privadas, algo sem precedentes na história recente dos EUA.

Políticas adotadas nos seis primeiros meses de governo Trump apontam na direção de um dirigismo estatal cada vez maior na economia, incluindo a atividade empresarial. Nesse período, o presidente buscou influenciar o quê, quanto e onde as empresas devem produzir, o preço que devem cobrar por seus produtos e até mesmo quem as controla e as dirige. Ele tem feito isso usando a estratégia da cenoura e do porrete, isto é, recompensas para bom comportamento e punição para quem não segue os seus ditames.

Pressionado pelo risco de um repique da inflação, Trump vem buscando, por exemplo, forçar as empresas a segurarem preços. Em maio, após o CEO da Walmart afirmar que não poderia absorver a pressão nos preços geradas pelas novas tarifas comerciais, Trump afirmou que a rede varejista deveria “comer as tarifas”, em vez de repassá-las aos consumidores, afinal a Walmart “faturara bilhões de dólares em 2024, muito mais que o esperado”. E ameaçou, dizendo que estaria vigiando os preços praticados. Algo parecido ocorreu com a Amazon e gerou críticas a Jeff Bezos. Neste mês, Trump prometeu reduzir os preços dos medicamentos “em até 1.500%”, talvez sem atentar para o fato de que nenhum preço pode cair mais de 100%.

O presidente vem ainda buscando influenciar decisões de produção e investimentos corporativos. Ele repreendeu o CEO da Apple, Tim Cook, dizendo que a empresa deveria transferir a produção dos iPhones da China para os EUA, e não para a Índia, como previsto. A tarifa de 50% aplicada à Índia visa, possivelmente, a inibir esse tipo de desvio de comércio. Ao final, Trump “anunciou” que a Apple aumentaria sua produção nos EUA. Do mesmo modo, Washington só aprovou a venda da US Steel para a japonesa Nippon Steel após garantir uma “golden share”, pela qual terá poder de veto em decisões estratégicas.

O presidente está também se envolvendo diretamente no controle de companhias privadas. Desde janeiro ele vem adiando o prazo para a venda das operações nos EUA do aplicativo chinês TikTok, decidida pelo Congresso e aprovada pela Suprema Corte. E já disse que a decisão sobre um novo controlador será sua.

Em agosto, ele negociou a troca de subsídio já previsto à fabricante de chips Intel pela participação de 10% no capital da empresa (podendo chegar a 15%), o que faz do Estado o maior acionista. A operação busca resgatar o único fabricante de chips americano que ainda produz no país. A empresa ficou para trás na corrida tecnológica no setor e vem de seis trimestres seguidos de prejuízo. A mídia americana especula que Trump poderá forçar empresas nos EUA a comprarem mais chips da Intel.

Trump negociou recentemente a revogação do controle de exportações de chips avançados para a China em troca de uma taxa de 15% do faturamento da Nvidia e da AMD com as vendas. É uma espécie de pagamento por licença de exportação, que pode render cerca de US$ 3,5 bilhões ao governo.

O governo tem se envolvido até em questões internas das empresas. Na primeira semana de governo, Trump assinou decreto que acaba com as políticas de inclusão e diversidade em órgãos do governo, mas que busca também inibir essa prática em empresas privadas. Mais recentemente, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) ameaçou cassar a concessão e avisou que não aprovará fusões e aquisições no setor de empresas que praticam políticas de inclusão e diversidade.

Quando a Casa Branca indica quais empresas podem expandir ou que decisões estratégicas são aceitáveis, o sinal ao mundo dos negócios é de que as regras mudam ao sabor da política, e não das forças de mercado. Isso gera incerteza, desencoraja investimentos e inovação de longo prazo, e corrói a credibilidade da economia americana. Várias medidas sugerem ainda um desejo do governo Trump de atuar na microgestão de empresas privadas, o que o Estado certamente não tem competência nem capacidade de fazer.

Analistas americanos observam que uma parte importante da direita conservadora no país abandonou o liberalismo por um modelo em que o Estado atua de modo mais empresarial, com Trump como uma espécie de CEO dos EUA. Mas, por trás dessa retórica, ele parece estar conduzindo os EUA, pátria do liberalismo, a uma espécie de capitalismo de Estado no modelo chinês, no qual o governo intervém regularmente não apenas na economia, mas na própria condução dos negócios das empresas privadas.

Ao manipular empresas em função de sua agenda política, Trump substitui a lógica do mercado por um intervencionismo seletivo, que pune adversários e premia aliados. Isso coloca em xeque não só a liberdade empresarial, mas o próprio fundamento do capitalismo que diz defender.

Com juros nas alturas, economia dá sinais de esfriar

Folha de S. Paulo

Queda no emprego é sintoma da desaceleração, necessária para conter inflação incitada por gastança de Lula

Projeções indicam alívio modesto na Selic, para altíssimos 12,5% até 2026. Redução seria muito maior se gestão fiscal do governo fosse mais austera

Após um período de resiliência surpreendente, a atividade econômica brasileira exibe sinais claros de desaceleração, que devem se acentuar nos próximos meses.

Um deles está na geração de empregos formais, que em julho somou 129,7 mil vagas, 32% a menos que no mesmo mês de 2024. Nos sete primeiros meses deste ano, foi criado 1,347 milhão de postos, 10,3% a menos que no mesmo período dono passado.

Essa acomodação no mercado de trabalho ainda se dá com uma taxa de desemprego baixa, de 5,8%, o que sugere moderação, não demissões em massa que seriam típicas de um ambiente recessivo. Mesmo com reduzida desocupação, ademais, não se observa aceleração dos salários.

Outra evidência de fadiga é a alta da inadimplência, que atingiu 6,5% para famílias (maior taxa desde 2013) e 5,2% no total incluindo as empresas (pico desde 2017). As concessões de novos financiamentos perdem força.

Também corroboram essa tendência dados sobre a confiança em vários setores da economia, que vem caindo nos últimos meses. Não será surpresa se a atividade ficar praticamente estagnada no segundo semestre.

Tal cenário decorre do arrocho monetário que levou a taxa Selic, do Banco Central, a 15% ao ano. A política restritiva visa domar a inflação, incitada por gastos públicos crescentes, e acaba freando consumo e investimentos.

As revisões baixistas para a carestia nas últimas semanas, ao menos, podem abrir caminho para alívio monetário em breve.

A valorização do real e a queda nos preços dos alimentos explicam boa parte desse movimento, mas a perda de ritmo do consumo e do crédito já modera também a inflação de serviços.

Como resultado, o mercado financeiro reduziu as projeções para o IPCA em 2025 a 4,86%, e começam a cair as expectativas para os próximos dois anos. O Copom projeta convergência da inflação para 3,4% nesse prazo.

Além disso, o contexto internacional favorece um afrouxamento monetário no Brasil. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) sinaliza cortes nas taxas de juros nos próximos meses. Essa flexibilização americana tem potencial para aliviar pressões cambiais e atrair fluxos de capital para emergentes como o Brasil.

Tudo considerado, é plausível que o BC comece a diminuir a taxa básica ainda neste ano. Mas as projeções atuais de analistas indicam alívio modesto, para ainda altíssimos 12,5% até 2026.

Levar a Selic a um dígito é crucial para aliviar empresas e famílias. A queda dos juros poderia ser muito maior se a gestão fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fosse mais austera, no sentido da redução do déficit público. Com a aproximação do ano eleitoral, contudo, ainda há risco de maior expansão de despesas.

Enquanto isso, o espaço para juros civilizados é prejudicado e o Banco Central se vê obrigado a pisar no freio, às expensas de um crescimento mais vigoroso.

Congresso entre anistias e blindagens

Folha de S. Paulo

Só o que divide defensores da PEC para proteger parlamentares de ações na Justiça é o grau de despudor

Maior interesse é adicionar impunidade à doce combinação de maior poder sobre o Orçamento e ausência de prestação de contas

Uma preocupação recorrente sobre o protagonismo assumido pelo Congresso Nacional nos últimos anos é como atribuir a deputados e senadores responsabilidades condizentes com seus poderes ampliados, sobretudo na área orçamentária.

Afinal, os parlamentares controlam diretamente R$ 50 bilhões no Orçamento deste 2025, uma exorbitância que não tem paralelo conhecido no mundo, sem prestarem contas a respeito da boa aplicação do dinheiro, muito menos dos desequilíbrios nas finanças do Tesouro Nacional.

Tal percepção serve até de argumento para defensores da adoção de um semipresidencialismo ou semiparlamentarismo, propostas que provavelmente causariam mais tumulto político e institucional em um país que já rejeitou a mudança do sistema de governo em consulta popular.

Enquanto isso, o Congresso dá mostras de que está mais interessado em acrescentar impunidade à doce combinação de poder e irresponsabilidade.

Assim ficou claro com a aprovação, no ano passado, da infame PEC da Anistia —não confundir com perdão pleiteado pelos adeptos de Jair Bolsonaro (PL) para suas investidas contra a ordem democrática.

Com o texto inserido na Constituição, parlamentares da esquerda à direita desafiaram o repúdio da opinião pública para ampliar a imunidade tributária dos partidos políticos e livrá-los de sanções recebidas por infrações diversas.

Agora, outra tentativa descarada de blindagem ante os efeitos da lei está em gestação no Legislativo federal, também na forma de emenda à Carta. Pretende-se nada menos que condicionar a abertura de processos judiciais contra deputados e senadores à autorização de seus pares —se é que o texto, que ainda não conheceu a luz do dia, vai parar por aí.

A proposta é subproduto do motim bolsonarista que interditou o Congresso no início do mês. O que começou como um teatro truculento contra o cerco da Justiça a ensaios golpistas desandou rapidamente, com o apoio do centrão pragmático, para uma celebração do espírito de corpo dos legisladores.

O grau de despudor do projeto é só o que divide seus patrocinadores, como se percebeu na reunião de líderes partidários da Câmara dos Deputados na quinta-feira (28), que felizmente terminou sem consenso.

A melhor saída é que um mínimo de escrúpulo impeça a empreitada. É assustador imaginar que um grupo de cidadãos acima do alcance da lei venha a definir o destino de dezenas de bilhões em dinheiro do contribuinte.

Lula abusa de seu poder

O Estado de S. Paulo

Perto de sua última eleição, Lula faz da Presidência um palanque permanente para fazer o que realmente gosta: campanha. Por motivo bem parecido, Bolsonaro foi declarado inelegível

A certeza de que, em 2026, disputará uma eleição presidencial pela última vez em sua longuíssima vida política parece ter dado a Lula da Silva a ilusão de que ganhou um salvo-conduto para abusar da lei e da paciência dos brasileiros. Não ganhou, ao contrário do que ele pensa, mas para o demiurgo petista isso pouco importa, desde que possa agir e falar sem parar de acordo com suas intenções eleitorais. E assim ele tem extrapolado todos os limites aceitáveis ao converter a Presidência da República e os eventos oficiais em palanque permanente e transformar a posição de chefe de Estado em condição privilegiada para fazer o que realmente gosta: campanha eleitoral.

Como não governa, Lula faz comícios, disso já se sabe. Entretanto, o que o País tem visto neste ano é de outra ordem. Na mais recente reunião ministerial, por exemplo, momento em que, em tese, deveria discutir com auxiliares ideias e decisões restritas à esfera de governo, Lula transformou o Palácio do Planalto em arena eleitoral e sua fala de chefe de Estado em discurso de candidato. Citou nominalmente o provável principal adversário capaz de tomar-lhe a reeleição (o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas), como quem coloca o dedo em riste contra um inimigo a enfrentar, e levou seus ministros a vestir bonés com jeito e slogan de caráter eleitoral, convocando os auxiliares a uma tarefa de cunho claramente partidário. Como se sabe, ele e seus sabujos estão empolgados com a linha de conflito adotada pelo governo e pelo PT depois de amargar meses de impopularidade pelo vazio programático que marca o terceiro mandato.

Não foi o único episódio em modo campanha e, infelizmente, não será o último. Não há dia ou evento oficial sem que Lula deixe de fazer referência à sua condição de candidato nas próximas eleições – mesmo quando é para fingir que pode não levar tal ideia adiante, como se não tivesse passado os últimos 40 anos pensando apenas na próxima disputa eleitoral. Não deixou de fazê-lo nem sequer nos meses em que foi um presidiário condenado por corrupção em duas instâncias. Hoje, nos comícios em atos públicos – todos na condição de chefe de governo, convém insistir –, ele invariavelmente ignora abordagens administrativas e a busca efetiva de soluções para os muitos problemas do País, preferindo desancar adversários, repisar o mote patriótico do lulopetismo na campanha, difundir realizações do seu governo como quem reinventou o Brasil e incentivar a militância a aproveitar os bons ventos trazidos pelo tarifaço de Donald Trump.

É o exato contrário do que manda a liturgia do cargo de presidente, mas coerente com quem se enxerga acima do bem, do mal e da lei. Afinal, Lula não parece contente em ser apenas um enviado de Deus, com assim já se definiu, ou comparado a um novo messias, como também já se apresentou diversas vezes. Com alguma frequência perfila-se com grandes heróis da história nacional, de Tiradentes a Getúlio Vargas, de modo a ilustrar o quanto se sente como a personificação do povo e seus anseios. Esse panegírico só serve para mostrar que Lula é mesmo incorrigível, um vício de origem que se agravou com o iminente fim de sua carreira eleitoral. Em outubro de 2026, Lula terá 81 anos e até mesmo os petistas já se preparam para chegar o momento em que precisarão trabalhar sem seu campeão de votos, posto que o chefão passará a ser apenas uma inspiração ou um retrato na parede.

Mas antes que esse momento chegue – infortúnio da militância do PT e alívio de um Brasil que gostaria de ver a política brasileira sem as amarras da polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo –, convém ter cuidado. Recorde-se que o Tribunal Superior Eleitoral tornou Jair Bolsonaro inelegível porque enxergou abuso de poder na reunião do então presidente com embaixadores estrangeiros, em pleno Palácio da Alvorada. À época, Bolsonaro usou o encontro para deslegitimar o sistema eletrônico de votação. Hoje Lula usa as reuniões no Palácio do Planalto para deslegitimar outras coisas: a Presidência que exerce e as leis eleitorais que restringem seus delírios palanqueiros. Não há outro nome a chamar: abuso de poder.

Judiciário precisa se afastar da política

O Estado de S. Paulo

Ao sugerir que a troca na presidência do TSE poderia salvar Bolsonaro, Valdemar Costa Neto ilustra como políticos enxergam as Cortes Superiores como espaços de barganha, não de Justiça

Não é de hoje que as Cortes Superiores, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF), têm sido percebidas como centros de ação política. Mas a desenvoltura com que alguns ministros passaram a transitar nos meios político e empresarial e a promiscuidade entre os interesses envolvidos nessas rodas têm adquirido contornos demasiadamente inapropriados até para o padrão de escracho dos poderosos deste país.

Há poucos dias, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou sem pejo algum que Jair Bolsonaro “tem grandes chances” de ser candidato à Presidência em 2026, malgrado estar inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o sr. Valdemar, a troca de comando no TSE – que, em agosto do ano que vem, passará a ser presidido pelo ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro – abriria o caminho para a reversão da condenação do ex-presidente. É óbvio que se trata de um discurso para inflamar as hostes bolsonaristas. Porém, ainda que por vias tortas, a fala do capo do PL ilustra um problema gravíssimo: a percepção de que as mais altas instâncias do Judiciário são tribunais essencialmente políticos.

A inelegibilidade de Bolsonaro, vale lembrar, decorre de decisão colegiada do TSE, tomada com base em fatos e provas, não em preferências pessoais. A presidência da Corte Eleitoral não confere a seu titular o poder monocrático para anular julgamentos. Uma raposa como o sr. Valdemar sabe disso, mas ainda assim alimenta a vã esperança de que um só ministro irá reverter um caso juridicamente consolidado. Isso ocorre porque, em larga medida, o sistema político acostumou-se a tratar o STF e o TSE como Cortes abertas à barganha, não como tribunais que se limitam a aplicar as leis.

O mesmo se viu quando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, intercedeu junto ao STF para que fosse devolvido o passaporte de Bolsonaro a fim de que o réu por tentativa de golpe de Estado, pasme o leitor, viajasse aos EUA para “negociar” com o presidente Donald Trump a reversão do tarifaço imposto ao Brasil. O pedido foi repelido, é claro, mas a mera iniciativa revela como mesmo autoridades de relevo, como o governador paulista, supõem natural recorrer ao STF como se fosse uma ouvidoria política, para não dizer um balcão de lamúrias.

Por sua vez, o decano do STF, Gilmar Mendes, jactou-se com a maior naturalidade do mundo de ser habitual interlocutor de políticos e empresários ao responder perguntas sobre a menção a seu nome em conversas entre Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro, publicadas recentemente com autorização do STF. Onde já se viu um juiz considerar natural atuar como mediador político?

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, tem razão quando sustenta que a Constituição de 1988 conferiu à Corte um protagonismo político inescapável, assegurando-lhe a palavra final sobre temas que, em outros países, ficam restritos à concertação entre Executivo e Legislativo. Contudo, se esse é o desenho institucional brasileiro, o que se espera dos ministros é ainda mais comedimento, não menos. E o que se vê é o contrário: votos se transformaram em manifestos ideológicos; ministros buscam holofotes como siriris; eventos supostamente acadêmicos são pretexto para juízes tagarelarem sobre as mais variadas questões como se fossem políticos em exercício de mandato.

Um Judiciário que aceita esse papel – e com aparente gosto – torna-se alvo fácil de críticas nem sempre republicanas ou bem-intencionadas. A confiança da população na Justiça depende fundamentalmente da convicção de que ela se pauta exclusivamente pelas leis e pela Constituição, não por predileções partidárias. Nossa democracia não precisa de um STF militante, mas sim sereno, que fale menos e decida melhor. O País anseia por um Supremo que estimule mais a discrição de ministros como Edson Fachin ou Rosa Weber, ora aposentada.

É o caso de reafirmar o óbvio: o Judiciário não é arena política. Quanto mais os ministros reforçam essa caricatura, mais fragilizam a autoridade das Cortes Superiores e mais abrem espaço para a corrosão de sua legitimidade.

Rinha política nas agências

O Estado de S. Paulo

Nomeação de 24 novos diretores escancara disputa indevida sobre agências reguladoras

Dois anos e oito meses após o início do mandato, o governo Lula da Silva corrigiu, enfim, o desfalque nos colegiados das agências reguladoras com a escolha de 24 novos diretores, no total. Passaram pelo crivo do Legislativo nomes para as autarquias que fiscalizam e regulam os mercados de energia elétrica, energia nuclear, petróleo, vigilância sanitária, telecomunicações, proteção de dados, aviação civil, saúde suplementar, águas e saneamento básico, mineração, transportes terrestres e transportes aquáticos.

Mas a indicação pelo Executivo e a aprovação pelo Senado dos nomes para completar as 11 diretorias está longe de solucionar a situação crítica das agências. Em primeiro lugar, é preciso frisar que as nomeações não foram resultado de avaliação criteriosa de saberes e experiência técnica. O que prevaleceu nas escolhas, como pôde ser acompanhado publicamente por intermináveis meses, foi a disputa de grupos políticos por influência e poder em diferentes setores econômicos.

Tivesse o governo preferência por indicações baseadas em critérios técnicos, as vagas por certo teriam sido preenchidas nos primeiros cem dias de governo, período em que é estabelecida a base de cada mandato. Mas é notório que a atuação dos órgãos de controle de atividades repassadas ao setor privado nunca esteve na lista de prioridades de Lula, e tão ou mais prejudicial do que ignorar, por período tão longo, os danos no funcionamento de diretorias incompletas é permitir – e até incentivar – a arena política formada em torno das agências.

A disputa escancarada envolveu ministros, senadores, deputados e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e serviu de palco para um toma lá, dá cá capitaneado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), munido do poder de levar ou não a pauta à votação, o que acabou ocorrendo depois de muita barganha.

O triste espetáculo foi mais um capítulo do desmantelamento das agências, alvo de sucateamento contínuo desde a gestão de Jair Bolsonaro, que inaugurou os cortes orçamentários substanciais nesses órgãos – alguns, ressalte-se, com receita própria capaz de bancar com folga os custos, não fosse a obrigatoriedade de envio dos recursos à Conta Única do Tesouro.

Agora, além da penúria orçamentária, um lote de projetos em avaliação no Congresso prevê mudanças na legislação das agências. Um deles, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 42/2024, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), propõe que as agências reguladoras passem a ser fiscalizadas pela Câmara dos Deputados.

A submissão à Câmara vai contra a própria ideia de autonomia das agências, imposta justamente para bloquear interferências políticas e dar segurança jurídica aos investidores de cada setor. As decisões estritamente técnicas dos reguladores são essenciais para quem investe e também para quem utiliza serviços essenciais. As agências foram criadas para supervisionar a prestação de atividades e serviços públicos que passaram a ser prestados por operadoras privadas. Seu papel é preservar a concorrência do mercado, garantir a qualidade dos serviços e proteger os direitos dos usuários. Sua captura pelos políticos é um desastre para o País.

Epidemia de violência de gênero tem que ser contida

Correio Braziliense

A sociedade brasileira não pode aceitar que o país se transforme, cada vez mais, em um território de perigo para meninas e mulheres.

Com a realização do Agosto Lilás, o Brasil dedicou um mês para desenvolver campanhas de conscientização e combate à violência contra a mulher, celebrando a Lei Maria da Penha. Mas, infelizmente, a realidade cruel que envolve esse tipo de crime se mostra implacável e, em meio aos eventos, a divulgação do Mapa Nacional da Violência de Gênero comprova que ainda há muito a ser feito.

Divulgados na última semana, números organizados a partir de dados extraídos do Ministério da Justiça e Segurança Pública revelam que o país apresentou média de quatro feminicídios e 187 estupros de mulheres por dia no primeiro semestre de 2025. O levantamento detalha, ainda, que 718 mulheres morreram em razão do gênero de janeiro a junho deste ano, conforme os registros de ocorrências. O bárbaro diagnóstico expõe a falha nos mecanismos de proteção e escancara a gravidade desse contexto.

Um recorte mais amplo mostra que, desde a criação da Lei do Feminicídio, em 2015, o Brasil contabilizou 12.380 vítimas desse crime, e a média de quatro homicídios por dia se repete há cinco anos. Esse roteiro  de horror permanente precisa ser interrompido. É urgente que sejam adotadas medidas para melhorar a articulação para o enfrentamento da violência de gênero.

As estatísticas assustadoras não podem ser consideradas de interesse apenas da parcela da população que diariamente está na mira dos abusos domésticos e dos ataques nas ruas. E o tema não pode continuar sendo tratado como algo da esfera da moral e particular. Acabar com a violência contra as mulheres é uma responsabilidade da gestão pública e precisa ser encarada como prioridade.

A rede de atendimento e enfrentamento, especialmente fora das capitais e das grandes cidades, deve garantir resposta rápida e eficaz às denúncias e pedidos de ajuda. Para isso, todas as esferas da administração pública — federal, estadual e municipal — têm de pensar em orçamento e planejamento para fortalecer os serviços de apoio.  

Informação e mobilização são fundamentais, porém medidas práticas e eficientes não podem deixar lacunas que impeçam à vítima de encontrar mecanismos de fuga diante da cadeia de violência que se coloca à sua frente. As falhas de proteção, muitas vezes, prendem as mulheres em um ciclo de medo, motivado por vergonha e dependência financeira.

A sociedade brasileira não pode aceitar que o país se transforme, cada vez mais, em um território de perigo para meninas e mulheres. Essa epidemia de violência precisa ser contida, e o Estado, o Judiciário e as forças de segurança, especialmente as polícias especializadas, têm que executar ações de forma conjunta diante do quadro alarmante.  

O abuso sexual, a morte e a agressão por gênero não podem fazer parte do cotidiano nacional. As políticas públicas precisam amparar as mulheres presas em relacionamentos violentos, oferecendo a elas a certeza de que há caminho longe desse horror.

Despejo de agrotóxicos nas casas de Quixeré expõe riscos dos trabalhadores rurais

O Povo (CE)

Enquanto a Polícia Civil investiga o incidente, fica clara a urgência de expandir o debate para abarcar as consequências sanitárias e de segurança da pulverização de agrotóxicos no Ceará

Os casos de despejo de agrotóxicos em uma comunidade no Vale do Jaguaribe reforçam a importância da discussão sobre o uso de pesticidas para além da pauta econômica no Estado. Em 19 de agosto, o composto químico Terbufós — usado para controle de vermes, besouros e outras pragas agrícolas — foi jogado em áreas comuns e em uma residência do município de Quixeré (CE), provocando uma sensação de "medo geral" nas comunidades, como denunciado pelo Padre Júnior, da Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte.

É significativo que o incidente tenha ocorrido em um contexto de críticas à aprovação do uso de drones para a pulverização de agrotóxicos em plantações cearenses. A pulverização aérea de agrotóxicos é vetada no Ceará desde 2019 pela Lei Zé Maria do Tomé, agricultor e ativista assassinado em Limoeiro do Norte por lutar contra o uso de pesticidas e por denunciar o adoecimento da população em decorrência dos produtos.

O composto químico identificado no ataque de 19 de agosto pode levar ao "desenvolvimento de sintomas neurológicos, e a depender da dose e tempo de exposição, fraqueza muscular, paralisia, crise colinérgica e morte", como explicado pela médica endocrinologista Eveline Fontenele, do Hospital Universitário Walter Cantídio, ao repórter e colunista do O POVO Carlos Mazza.

O Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT-CE) denuncia há mais de uma década a insegurança de trabalhadores rurais de Limoeiro do Norte e de Quixeré, dos quais aproximadamente 99% são expostos a agrotóxicos e cerca de 30% apresentam sintomas de intoxicação aguda. Segundo o Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a taxa de mortalidade por câncer na região é 38% maior do que em municípios que não utilizam agrotóxicos.

Enquanto a Polícia Civil investiga o incidente, fica clara a urgência de expandir o debate para abarcar as consequências sanitárias e de segurança dessa prática. O agronegócio é a base da economia cearense e brasileira, mas também é um dos principais atores na violência em zonas rurais. O poder público, portanto, não poderia ignorar este fator ao legislar sobre o uso de compostos químicos altamente tóxicos.

Existem diversas estratégias capazes de conciliar a produção econômica com o bem estar da natureza e das comunidades rurais, e de reduzir o uso de compostos químicos já proibidos na União Europeia e com classificação IA (extremamente perigoso) pela Organização Mundial da Saúde (OMS). É o caso do Manejo Integrado de Pragas (MIP), da rotação de cultivos, o controle biológico e até mesmo o sistema agroflorestal.

Além de uma apuração célere e rigorosa do caso pela Polícia Civil, o ataque expõe a necessidade de um olhar integrado para a vida no campo — um que considere a importância da agricultura para o mercado, mas que priorize a segurança dos trabalhadores e moradores das regiões agrícolas.

 

 


 

 

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