Por Lucas Salgado / O Globo
Autor de mais de 70 filmes, cineasta foi um
dos mais importantes documentaristas brasileiros; enterro acontece no domingo,
no Rio
Um dos mais renomados documentaristas
brasileiros, em atividade há mais de quatro décadas, Silvio
Tendler faleceu nesta sexta-feira (5), aos 75 anos, vítima de uma
infecção generalizada. O cineasta estava internado no Hospital Copa Star, em
Copacabana, Zona Sul do Rio. O velório acontecerá no domingo (7), às 10h, no
Cemitério Comunal Israelita do Caju, na Zona Portuária carioca, seguido pelo
enterro às 11h. A informação foi confirmada por familiares do artista ao GLOBO.
Autor de mais de 70 filmes, entre curtas,
médias e longas, Tendler ajudou a contar a história política do Brasil através
de documentários como "Os anos JK — Uma trajetória política" (1981),
"Jango" (1984), "Marighella, retrato falado do
guerrilheiro" (2001), "Tancredo: A travessia" (2010), dentre
outros.
O do meio de três irmãos (o engenheiro Sérgio Tendler, o mais velho, e o artista plástico Sidnei Tendler, o caçula), o cineasta também se interessou em registrar as histórias de vida de importantes nomes da arte brasileira. Realizou os documentários "Castro Alves — Retrato falado do poeta" (1999), "Glauber, labirinto do Brasil" (2003) e "Ferreira Gullar — Arqueologia do poeta" (2019).
Lançado em 1981, "O mundo mágico dos
Trapalhões", sobre o grupo de humor formado por Renato Aragão, Dedé
Santana, Zacarias e Mussum, detém até hoje o recorde de documentário de maior
público nos cinemas brasileiros. O filme foi assistido por 1,8 milhão de
espectadores, segundo números da Ancine.
— Silvio será sempre lembrado pelo espírito
combativo, pelo cinema aguerrido, e pela defesa de uma sociedade mais justa e
igualitária. Foi um dos pioneiros de um cinema de arquivo entre nós, com dois
clássicos absolutos: "Os anos JK" e "Jango", sua obra-prima
— comenta Hernani Heffner, gerente da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM)
do Rio.
Em 2023, Tendler lançou seu último longa, o
documentário "O futuro é nosso!", feito a partir de entrevistas por
videoconferência realizadas durante a pandemia, com a participação de nomes
como o cultuado cineasta britânico Ken Loach. Conhecido como o “o cineasta dos
vencidos”, o diretor assinou o último longa como “um filme utópico de Silvio
Tendler”.
— O (diplomata) Arnaldo Carrilho, meu amigo, amenizou essa questão dos “vencidos” ao me chamar de “cineasta dos sonhos interrompidos”. Ou seja, tudo recomeça. O título do filme vem da ideia de que, apesar da precarização do trabalho, o movimento sindical não vai desaparecer, e sim se transformar — disse Tendler em entrevista ao GLOBO em junho de 2023.
No mesmo ano, Tendler atuou como fotógrafo e
curador de uma exposição, "Resistência retiniana", no Sesc Niterói, e
estreou como dramaturgo e diretor de teatro com o espetáculo "Olga e Luís
Carlos, uma história de amor", no Sesc Copacabana, baseado na troca de
correspondência entre o líder comunista brasileiro e a militante alemã de
origem judaica entregue aos nazistas pelo governo Vargas, em 1936.
Desde 2011, o diretor enfrentava dificuldades
de locomoção, depois que um defeito congênito quase o deixou tetraplégico.
Operado pelo neurocirurgião Paulo Niemeyer, recuperou parte dos movimentos dos
membros superiores, e seguiu trabalhando. Parte desta jornada foi retratada no
documentário "A arte do renascimento — Uma cinebiografia de Silvio
Tendler", de Noilton Nunes.
Nos últimos anos, além dos problemas de
saúde, Tendler lutou contra a dificuldade em tirar seus projetos
cinematográficos do papel. Recentemente, em abril de 2025, em depoimento à
coluna de Ancelmo Gois no GLOBO, o cineasta lamentou a dificuldade em acessar
verbas nos editais do Ministério da Cultura.
— Tudo que fiz no cinema e pelo cinema não
contabilizou nada — disse o diretor, que afirmava receber pontuação nos editais
por um único critério: ser cadeirante.
Ainda em 2025, Silvio Tendler recebeu a Ordem
do Mérito Cultural.
Nascido no Rio de Janeiro no dia 2 de março
de 1950, Tendler desenvolveu sua paixão pelo cinema ao frequentar a cena de
cineclubes cariocas nos anos 1960. Em 1969, ingressou no curso de Direito na
PUC-Rio, mas pouco depois abandonou os estudos para se dedicar ao cinema.
Em 1970, se mudou para o Chile entusiasmando
com a vitória de Salvador Allende. Permaneceu no país por quase dois anos,
deixando-o um ano antes do golpe militar comandado por Augusto Pinochet. Em
1972, o cineasta viajou para a França para concluir seus estudos em Cinema e
História. Em Paris, acabou desenvolvendo uma amizade com o diretor e etnólogo
Jean Rouch, que o incentivou a se especializar no cinema documental.
O diretor retornou ao Brasil no final dos
anos 1970, quando começou a desenvolver o documentário "Os anos JK" e
a ministrar um curso de Cinema e História na PUC-Rio. Integrou o corpo docente
da instituição por mais de 40 anos.
Silvio Tendler deixa a filha, a produtora Ana Tendler, o neto, Ernesto, e dois bichos de estimação, o cão da raça cane corso Camarada e a calopsita Renê, importantes companhias durante a pandemia da Covid-19.
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