sábado, 6 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anistia é afronta à democracia e à Constituição

Por Correio Braziliense

Não há justificativas jurídicas ou morais para que o Congresso Nacional se disponha a absolver aqueles que atentaram contra as instituições em 8 de janeiro de 2023

A proposta de anistia costurada por partidos aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso, antes mesmo da conclusão de seu julgamento e dos demais acusados de encabeçarem a tentativa de golpe, representa uma afronta direta à Constituição e um desrespeito à democracia. Não há justificativas jurídicas ou morais para que o Congresso Nacional se disponha a absolver aqueles que atentaram contra as instituições em 8 de janeiro de 2023, quando os palácios da Praça dos Três Poderes foram invadidos e depredados.

A única explicação possível é de ordem política: a extrema-direita busca blindar seu líder e transformar os golpistas em mártires de uma causa autoritária. É preciso dizer: não há paralelo entre essa tentativa e as anistias anteriores. Em 1979, por exemplo, a Lei da Anistia foi parte de um processo de abertura que visava restaurar a vida democrática, permitir a volta de exilados e perseguidos políticos. Ainda que controversa, por também incluir agentes do regime responsáveis por torturas, assassinatos e "desaparecimentos", aquela anistia tinha como horizonte a reconstrução da democracia. A que se pretende agora vai no sentido inverso: não repara injustiças, mas consagra um atentado sem precedentes contra a ordem constitucional desde a redemocratização do país, com a eleição de Tancredo Neves à Presidência.

Ao perdoar golpistas condenados, o Congresso legitimaria esse ataque sem precedentes ao Estado Democrático de Direito. Estaria transformando em direito adquirido a violência praticada contra o próprio parlamento, que foi invadido e depredado por turbas manipuladas por um projeto de poder inconfessável. Seria um gesto de autodepreciação política o parlamento renunciar à sua dignidade e sua soberania.

A Constituição de 1988 é clara: são imprescritíveis e inafiançáveis os crimes cometidos por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), consolidada no caso Daniel Silveira, também não deixa margem a dúvidas: não cabe indulto, graça ou anistia a quem atenta contra a democracia. Aprovar uma medida dessa natureza seria, além de imoral, flagrantemente inconstitucional.

Portanto, a tentativa de transformar a anistia em bandeira é um ataque estratégico às instituições. Mais do que proteger indivíduos, busca fragilizar a autoridade do STF e desafiar a legitimidade do processo eleitoral. Não se trata de pacificação, mas de intimidação. Não se trata de reconciliação, mas de nova ameaça. Mais ainda: um gesto de lesa-pátria, porque forças externas ao país estão sendo mobilizadas para sufocar nossas instituições, com medidas extremas, como o tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. 

É fundamental que a sociedade civil, as instituições nacionais, os partidos democráticos e os poderes constituídos resistam a esse retrocesso. Pesquisas recentes já mostraram que a maioria da população rejeita a ideia de perdoar golpistas. Cabe ao Congresso ouvir essa voz e rejeitar qualquer proposta de anistia que beneficie Bolsonaro ou seus seguidores, caso sejam condenados pelo Supremo.

A democracia brasileira não pode ser traída em nome de conveniências eleitorais. Rasgar a Constituição é abrir caminho para novas aventuras autoritárias. Se o parlamento insistir nessa escolha, caberá ao Supremo barrar o desatino, reafirmando o compromisso do país com a lei e com a democracia.

Trump incentiva leniência com as plataformas digitais.

Por O Globo

Sentença branda contra Google pode ser explicada por avanço da IA, mas também pela circunstância política

Foram constrangedores os rapapés dispensados a Donald Trump pelos líderes das principais plataformas digitais em jantar na Casa Branca nesta semana. Os principais cardeais do Vale do Silício e das big techs encheram Trump de loas diante das câmeras, deixando evidente aquilo que se sabia desde a posse, onde a maioria também marcara presença: as principais empresas de tecnologia, antes aliadas tradicionais dos democratas na Califórnia e noutros estados, se tornaram trumpistas convictas.

Com isso, têm obtido de Trump uma postura combativa contra a regulação das redes sociais mundo afora e um olhar benevolente para os avanços em inteligência artificial (IA). Ele ameaçou com tarifas os países que impuserem restrições a negócios das plataformas, em especial a União Europeia (UE), que ontem impôs nova multa de € 2,9 bilhões ao Google por abusos no mercado de publicidade on-line. E não tem se furtado a desafiar decisões judiciais que desagradem.

É sintomático, nesse contexto, que tenha frustrado a expectativa o desfecho do processo contra o Google por abuso de monopólio no serviço de busca. O juiz federal Amit Mehta rejeitou o pedido do Departamento de Justiça, feito ainda no primeiro governo Trump, para que a Alphabet, dona do Google, fosse forçada a se desfazer do navegador Chrome e de partes de seu sistema de venda de anúncios. Determinou apenas que ela deverá compartilhar resultados de busca e informações com rivais, além de ter restringido pagamentos a plataformas para manter o Google como mecanismo-padrão de busca. E manteve intacto o Android, usado na maioria dos celulares.

No ano passado, o próprio Mehta, depois de ouvir promotores e testemunhas, concluiu que “o Google é monopolista e atua para manter seu monopólio”. Criou a expectativa de uma decisão dura. Na sentença, foi comedido. Seu desconforto ficou patente quando afirmou que, em casos antitruste típicos, os tribunais resolvem disputas com base no passado, mas, no processo contra o Google, “a Corte foi chamada a olhar uma bola de cristal e ver o futuro”. Não é, disse Mehta, um ponto forte dos juízes. Na sentença, ele constatou que, com o avanço da IA, o Google passou a ser desafiado por novas empresas, como OpenAI, Anthropic ou Perplexity. Nessa nova fronteira, diz Mehta, seu domínio poderá em alguma medida diminuir. Mas o Google está longe de engatinhar no novo universo. Vieram de seu laboratório as pesquisas e profissionais que deram origem a praticamente todos os novos modelos de IA generativa. E o próprio Google tem o seu, o Gemini, um dos líderes do novo mercado.

“Para as big techs, a decisão é um alívio”, afirmou o cientista político David Yoffie, da Harvard Business School. Certamente foi bem menos traumática do que teria sido a quebra da Alphabet. A sentença de Mehta traduz, ao longo de 223 páginas, a inflexão no ímpeto regulatório que vinha marcando o cerco da Justiça americana sobre as plataformas digitais. E coincide com a aliança delas com Trump. Antes avesso ao Vale do Silício, ao longo da campanha eleitoral ele atraiu o universo digital para a coalizão que hoje lhe dá sustentação política. Como consequência, as plataformas deixaram de cooperar no mundo todo com iniciativas de regulação e defesa dos usuários, confiando que o governo Trump defenderá seus interesses. Não há como deixar de considerar isso um retrocesso.

Agronegócio deve atuar para manter vetos a PL do licenciamento ambiental

Por O Globo

Não há argumento para defender a mobilização de parlamentares que querem restaurar os retrocessos

Tem sido decepcionante a ação da bancada ruralista no Congresso. Em vez de zelar pelo futuro do agronegócio, setor mais pujante e inovador da economia brasileira, ela tem atuado com persistência em favor do atraso nas pautas ligadas ao meio ambiente. A insistência nas regras descabidas para o licenciamento ambiental é a última prova disso.

É consenso que a legislação precisava ser atualizada. Na ausência de uniformidade, o que valia num estado não valia noutro, e leis municipais embaralhavam ainda mais a situação. Obras de grande porte demoravam mais que o razoável para ser avaliadas. A partir de uma demanda legítima, a pressão ruralista levou, em julho, à aprovação de um Projeto de Lei (PL) que mantinha a insegurança regulatória e promovia diversos retrocessos.

O texto criava um instrumento chamado de Licença por Adesão e Compromisso. Na prática, é uma licença autodeclaratória que permite a proprietários tocar as obras apenas prometendo seguir as regras, sem exigência de estudo de impacto ambiental. E esse era apenas um dos pontos descabidos. O PL enfraquecia a proteção aos mananciais, desmontava a legislação da Mata Atlântica, acabava com as três fases do licenciamento e permitia a cada estado impor regras próprias. Em agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou ao vetar 63 trechos do texto. Lula ainda previu o envio ao Congresso de uma Medida Provisória (MP) para acelerar a velocidade de análise de obras consideradas estratégicas. Com isso, a legislação ambiental ganhou a agilidade necessária sem perder o rigor essencial para coibir a devastação.

Antes mesmo de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), convocar sessão conjunta para o Congresso analisar os vetos, deputados e senadores encaminharam mais de 830 emendas à MP, com o objetivo de ressuscitar o conteúdo vetado. “A gente vai derrubar os vetos, estamos mobilizados para isso. Mas apresentamos as emendas para chegar minimamente próximo do texto que aprovamos”, disse o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Quando o Brasil é criticado em fóruns internacionais pela devastação do meio ambiente, quando a agricultura e a pecuária brasileira são alvo de ameaças comerciais, muitas lideranças do setor rapidamente se dizem injustiçadas e argumentam, com razão, que os destruidores são uma minoria. Mas a defesa renhida da bancada ruralista à agenda dos devastadores põe em xeque as credenciais verdes do agronegócio. É hora de os produtores rurais comprometidos com a conservação falarem publicamente contra as aberrações e pressionarem congressistas. A oposição precisa vir de dentro e de fora do setor. Não há argumento lógico para a insistência no atraso.

Cruzada antivacina de Trump ameaça a saúde pública

Por Folha de S. Paulo

Demissão de diretora do CDC é mais uma ação do secretário Kennedy Jr. contra aplicação de imunizantes

Governo cortou verbas de pesquisa e dissolveu comitê que organiza vacinação, enquanto país vive a maior epidemia de sarampo em 30 anos

Movido a ideologia que descarta evidências, o secretário de Saúde dos EUA, Robert F. Kennedy Jr., está desmantelando uma das áreas vitais do atendimento médico aos americanos: a vacinação.

O ponto culminante dessa cruzada obscurantista do governo do republicano Donald Trump —mais uma, entre muitas— foi a demissão, no final de agosto, da diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Susan Monarez, que resistiu a mudanças impostas na política de imunização do país e ficou menos de um mês no cargo.

Em protesto, outros cinco nomes do alto escalão do CDC pediram demissão, criticando a crescente politização do órgão e do setor de vacinas no país.

Em agosto, Kennedy Jr., um notório propagador de teorias da conspiração, cancelou US$ 500 milhões em subsídios e contratos para o desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro (mRNA) —tecnologia que foi fundamental no enfrentamento da Covid-19 e tem potencial para atuar contra tumores cancerígenos.

Antes, em maio, dissolveu o Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP), órgão central no programa de vacinação que oferece recomendações sobre os calendários, demitindo 17 membros. No lugar, nomeou pessoas com opiniões antivacina documentadas, sem verificação de competência para garantir a independência do comitê.

O ACIP passou a reavaliar ingredientes de vacinas já consolidados, como sais de alumínio, o que pode forçar fabricantes a reformular imunizantes, atrasando o acesso às doses. Também anunciou que iria rever recomendações relativas a vacinas infantis, como a combinada contra sarampo, caxumba, rubéola e catapora.

Os EUA enfrentam a pior epidemia de sarampo desde 1992, com 1.356 casos e ao menos três mortes no primeiro semestre deste ano. A crise sanitária eclodiu em janeiro, numa comunidade religiosa do Texas com baixa taxa de vacinação. A doença se espalhou por outros estados.

Em agosto, a Organização Pan-Americana da Saúde relatou alta de casos de sarampo nas Américas, especialmente na América do Norte, sendo que 71% deles ocorreram em pessoas não vacinadas.

Kennedy Jr. incentiva que estados retirem a obrigatoriedade de imunização para que alunos frequentem as aulas, quando houver motivos religiosos. A Flórida foi além e pretende acabar com todas as exigências de vacinação, incluindo a escolar. É temerário o futuro da saúde na nação que é a maior potência em produção científica e tecnológica do planeta.

Mesmo com ataque dos EUA, exportações resistem

Por Folha de S. Paulo

Vendas para México, Argentina e China fazem contraponto ao tarifaço de Trump, mas ainda há riscos

Apesar de desempenho robusto no comércio, déficit nas contas externas, incluindo balança de serviços, já começa a preocupar

Mesmo com o cenário global marcado por tensões comerciais e a imposição de tarifas de até 50% ao Brasil por Donald Trump, as exportações nacionais mantêm trajetória positiva, com alguns sinais de adaptação estratégica.

Em agosto, as vendas para os EUA registraram queda de 18,5%, totalizando US$ 2,76 bilhões, ante US$ 3,39 bilhões no mesmo mês de 2024. Boa parte dessa retração é atribuída diretamente ao tarifaço imposto pelo republicano, que entrou em vigor no início do mês. Ainda resta saber como as empresas vão se adaptar ao novo cenário, mas já é possível captar sinais desse movimento.

Isso porque, no mês passado, o desempenho geral das exportações totais permaneceu robusto, com alta de 3,9% na mesma comparação, para US$ 29,9 bilhões. O superávit comercial ficou em US$ 6,1 bilhões. Tal resultado sugere um redesenho das cadeias de suprimentos, em que o Brasil vai explorar alternativas.

Exemplos incluem o salto de 43,8% nas exportações para o México, beneficiado por acordos como o USMCA, e de 40,4% para a Argentina, por meio do Mercosul. Também houve forte aumento para a China, de 31%, com volumes recordes em commodities.

De janeiro a agosto de 2025, as vendas externas acumuladas bateram recorde histórico de US$ 227,6 bilhões, crescimento de 0,5% ante 2024; já as importações desaceleraram 2% em agosto, para US$ 23,7 bilhões. No ano, elas somam US$ 184,7 bilhões, com trajetória de moderação devido aos juros altos e ao enfraquecimento da demanda interna.

Na soma geral, a balança comercial deve se manter acima de US$ 65 bilhões neste 2025. Em perspectiva mais ampla, contudo, o comércio de bens não se mostra suficiente para conseguir ancorar as contas externas, sinalizando vulnerabilidades.

O agregado de todas as transações, incluindo serviços, resulta na chamada conta corrente, que acumula déficit de US$ 75,3 bilhões, ou 3,5% do PIB, nos 12 meses encerrados em julho —o que começa a suscitar preocupação.

Um alento é o financiamento desse deficit com investimentos de longo prazo, em vez de recursos especulativos. No entanto os volumes não se mostraram suficientes no período. O investimento direto no país (IDP) somou US$ 68,2 bilhões (3,2% do PIB) nos últimos 12 meses.

A resiliência das exportações até o momento é boa notícia, mas é preciso fortalecer a posição do Brasil e minimizar riscos. Novas redes de produção, investimento e comércio deverão surgir para se contrapor ao fechamento comercial dos EUA, abrindo novas oportunidades.

Além de buscar mais capitais internacionais de longo prazo, com melhoria do ambiente de negócios e uma política econômica mais responsável, o país precisa resistir ao protecionismo comercial, diversificar mercados e consolidar presença no cenário de redesenho das cadeias de produção em escala mundial.

O Congresso contra a sociedade

Por O Estado de S. Paulo

Deputados e senadores parecem cada vez mais à vontade para transformar o Congresso em casa de privilégios e negócios privados, ignorando os reais interesses do País e a voz dos eleitores

O Congresso Nacional tem dado reiteradas mostras de que se tornou um Poder divorciado da sociedade que deveria representar. Se, na democracia, a legitimidade do Legislativo deriva do voto popular, no Brasil a conduta de muitos parlamentares sugere que sua principal preocupação é resguardar privilégios, ampliar poder e atender a interesses particulares, e não legislar em favor de seus eleitores. Possuído por esse espírito mercantil e corporativista, o Congresso tende a se tornar um monstro incontrolável, mais voltado aos negócios privados do que à concertação pública.

O julgamento dos acusados de tentar um golpe de Estado, ora em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), tem servido para mobilizar as atenções da sociedade e deixar o Congresso ainda mais à vontade para avançar com pautas que pouco ou nada têm a ver com o melhor interesse público. Com uma parte do País voltada para o STF e outra, muito maior, preocupada em colocar comida na mesa, parlamentares têm discutido projetos capazes de minar os fundamentos da República. É o caso, por exemplo, da PEC da Blindagem, que restaura o inaceitável privilégio de submeter à licença prévia do Congresso a abertura de investigações e ações penais contra seus integrantes – arquivada sabe-se lá até quando.

Se não dão a mínima para o sistema de freios e contrapesos, mais grave ainda é o desdém de muitos deputados e senadores pela opinião pública, outrora um temido anteparo à indecência. Confortável com um sistema político que dificulta a renovação de quadros e fortalecido pelo poder acumulado sobre o Orçamento por meio de emendas que escapam aos controles republicanos, o Congresso virou as costas para o País. A sociedade civil se insurge contra projetos claramente lesivos aos interesses nacionais, e o faz com pertinência e espírito público, mas isso não chega a tirar um minuto de sono de seus representantes eleitos. Ao que tudo indica, o Congresso não busca se blindar apenas contra investigações penais, mas está surdo para a própria voz dos eleitores.

Exemplos não faltam. Após anos de letargia, o Senado acaba de aprovar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022, que institui o Código de Defesa dos Contribuintes, com foco no combate aos chamados “devedores contumazes” – empresas que fazem da inadimplência fiscal um modelo de negócios. O busílis é que a súbita agilidade dos senadores coincidiu, ora vejam, com a deflagração da Operação Carbono Oculto, que revelou a dimensão da infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema financeiro. Não se pode condenar quem acredite que o PLP 125/2022 continuaria dormitando nos escaninhos do Congresso – haja vista a não infundada suspeita de conluio entre alguns desses “devedores contumazes” e parlamentares –, não fosse o choque causado pela Carbono Oculto.

Outro episódio paradigmático da dissociação entre o Congresso e a sociedade é a tentativa de retaliação em curso contra o Banco Central (BC). Como se sabe, a autoridade monetária vetou a compra do Banco Master pelo Banco de Brasília, operação que, no entender dos diretores do BC, significa um socorro indevido de um banco público a uma instituição privada exposta a riscos excessivos. A decisão contrariou os interesses de Daniel Vorcaro, dono do Master, sujeito poderoso pela combinação de sua fortuna com suas conexões políticas na capital federal. Espanta, mas não surpreende, a mobilização de parte do Congresso para aprovar um projeto que daria aos parlamentares o poder de destituir a diretoria do BC, prerrogativa do presidente da República em casos bem delimitados em lei. Ou seja, tudo leva a crer que se está diante de uma vendeta típica de máfia contra uma decisão técnica do BC tomada em prol do interesse público. Ao que parece, no Parlamento, os interesses do sr. Vorcaro falam mais alto do que os de 213 milhões de brasileiros.

É de justiça reconhecer que nem todos os parlamentares operam sob a lógica transacional. Há aqueles empenhados em exercer o mandato com espírito público. Mas é inegável que o movimento dominante no Congresso é conduzido por lideranças que veem o Legislativo como extensão de seus interesses privados. É essa cúpula que está arrastando o Congresso para um lugar nada bom para o País.

As digitais de Bolsonaro estão em toda parte

Por O Estado de S. Paulo

Sugerir que o ex-presidente foi ‘dragado’ para a trama golpista, como fez sua defesa, ofende a inteligência. É impossível falar desse ataque à democracia brasileira sem citar o nome Bolsonaro

A esta altura, deveria ser ocioso insistir no protagonismo de Jair Bolsonaro nos atos antidemocráticos que culminaram no 8 de Janeiro e o fizeram réu por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes, perante o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a defesa do ex-presidente teve a pachorra de sugerir que seu cliente foi quase um mero espectador da trama toda, ao afirmar que Bolsonaro teria sido “dragado” para a peça acusatória sem que sobre ele pesasse “uma única prova”. Com todo o respeito que merece a nobre atividade advocatícia, o argumento é um insulto à inteligência alheia, para não dizer um deboche.

Ora, não haveria 8 de Janeiro sem Bolsonaro. A bem da verdade, o réu é quem foi a draga que sugou todas as energias do País para se manter no poder, embora tenha sido derrotado nas urnas em eleição limpa e justa. Foi Bolsonaro quem, por meio de um processo sistemático de deslegitimação das instituições e que se arrastou por anos, pavimentou o caminho da ruptura institucional no caso de uma derrota eleitoral. Durante todo o mandato, Bolsonaro instilou o ódio de seus camisas pardas contra as lideranças políticas de oposição, a imprensa profissional, a Justiça Eleitoral e o STF. Ao intoxicar o debate público espalhando mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro preparava o terreno para contestar qualquer resultado que lhe fosse desfavorável. Tratava-se, como se vê, de um deliberado plano de dilapidação dos pilares da democracia.

A alegação de que não haveria provas de sua participação na trama golpista não resiste a um exame honesto da realidade factual. Há provas abundantes – não apenas documentais, mas também na forma de declarações públicas, discursos, reuniões e mobilizações populares instigadas por Bolsonaro em pessoa. Nesse sentido, o trabalho investigativo da Polícia Federal apenas deu contorno jurídico àquilo a que o País inteiro, atônito, assistiu praticamente em tempo real: Bolsonaro insuflou, legitimou e organizou a insurgência contra o resultado das urnas. E só não conseguiu subvertê-lo à força porque contra seu desiderato liberticida se ergueram o espírito público e a lealdade à Constituição dos então comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior.

O 8 de Janeiro não surgiu por geração espontânea. Foi a culminação de uma espiral golpista diligentemente construída, da qual Bolsonaro foi a personagem central. A multidão que tomou Brasília de assalto agiu, é evidente, sob inspiração do “mito” no contexto de um estímulo crescente à radicalização que, lamentavelmente, até mortes provocou. É impossível narrar o pior ataque à democracia brasileira nos últimos 40 anos sem mencionar o nome Bolsonaro, um mau militar, mau deputado e mau presidente que nunca escondeu o orgulho de ser um inimigo declarado da Constituição de 1988.

Ao contrário do que sugeriu sua defesa ao STF, data maxima venia, Bolsonaro não é vítima de um enredo ao qual não teria dado causa. Ele é o próprio artífice da tragédia institucional que se abateu sobre o País desde quando, desgraçadamente, foi eleito presidente da República. O esforço da defesa é comovente, mas o malabarismo retórico e a ofensa ao bom senso que subjazem à ideia de que Bolsonaro teria sido “dragado” para os fatos narrados na denúncia soam como desespero para tirar o ex-presidente da cena de um crime na qual suas digitais estão por toda parte.

Bolsonaro tinha diante de si uma alternativa muito mais simples e republicana: aceitar a derrota eleitoral, recolher-se, liderar a oposição ao governo Lula da Silva e disputar novamente a eleição em 2026, quiçá com razoáveis chances de vitória. Mas, para isso, haveria de ser um democrata, o que nunca foi nem será, haja vista que sua história política foi toda marcada por um permanente desprezo pela democracia, pelas divergências e pela convivência institucional civilizada. Por isso, a História registrará Jair Bolsonaro não como vítima, mas, na melhor das hipóteses, como inspirador de um plano golpista que fracassou porque a sociedade civil e as instituições se mantiveram firmes em defesa da ordem constitucional democrática.

O efeito do tarifaço

Por O Estado de S. Paulo

Tombo de quase 20% nas vendas para os Estados Unidos em agosto provavelmente é só o começo

O tarifaço de 50% que os EUA impuseram ao País já se faz sentir nas exportações brasileiras. As vendas para o mercado norte-americano caíram 18,5% em agosto, comparativamente ao mesmo mês do ano passado, para US$ 2,76 bilhões, um tombo que até era esperado, mas não de maneira tão imediata.

Para o diretor do Departamento de Estatísticas e Estudos de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Herlon Brandão, não é possível saber se a queda das exportações, daqui para a frente, será da mesma magnitude que a observada no mês passado. É possível que parte dessa redução se deva ao fato de os importadores terem antecipado encomendas na expectativa de que o tarifaço não tivesse exceções.

Já o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, consultor de comércio internacional, disse a O Globo que o impacto tende a ser ainda maior nos próximos meses. Quase 700 produtos brasileiros receberam tratamento especial e se livraram do adicional de tarifas, mas mesmo esses itens registraram recuo nas exportações, entre eles minério de ferro, aeronaves e combustíveis.

A notícia positiva é que as exportações brasileiras, ainda assim, tiveram um bom desempenho de maneira geral. As vendas externas aumentaram 3,9% em agosto, na comparação com o mesmo mês de 2024, com destaque para o aumento de embarques para Argentina, China e México, que receberam parte da produção que até então era enviada aos EUA.

Para os exportadores, a busca de novos mercados é a melhor alternativa. Se ficar parado na expectativa de que Donald Trump volte atrás de sua decisão não é uma opção, apelar a argumentos técnicos para revertê-la também parece ocioso. Isso ficou claro na missão que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) enviou a Washington nesta semana, na qual o vice-secretário de Estado dos EUA, Christopher Landau, enfatizou que as tarifas têm um componente político.

Felizmente, há mercado para muitos produtos brasileiros. O México se tornou o segundo maior cliente da carne bovina brasileira, superado apenas pela China. Em paralelo, o Ministério da Agricultura tem investido em negociações para abrir mercados para as proteínas na Ásia, em especial no Japão, no Vietnã, na Indonésia e nas Filipinas.

Depois de mais de 20 anos de negociações, a Comissão Europeia finalmente validou o acordo comercial com o Mercosul, primeiro passo para que o tratado de livre comércio seja submetido aos Estados-membros e ao Parlamento. A perspectiva de que ele possa ser assinado ainda neste ano é um alento para o Brasil, mas também para a União Europeia, cujo acordo com os EUA deixou uma legião de insatisfeitos.

Mesmo com o baque norte-americano, o saldo da balança comercial brasileira foi positivo em US$ 6,1 bilhões em agosto e em US$ 42,8 bilhões no acumulado do ano. Mantê-lo em terreno positivo no médio e no longo prazos dependerá não só da busca de novos mercados para os produtos brasileiros, mas do aumento da produtividade da economia brasileira e da remoção de barreiras às importações.

Tarifaço: o País reage; Ceará decreta emergência

Por O Povo (CE)

Um mês depois da imposição da sobretaxa de 50% para produtos brasileiros vendidos aos Estados Unidos, iniciada em 6 de agosto, o valor de exportação do Brasil caiu para o país norte-americano. No entanto, cresceu para outros países. Em meio ao chamado tarifaço, o valor total das exportações brasileiras aos Estados Unidos caiu 18,5%, em relação a igual período do ano passado. Foram US$ 2,76 bilhões. Desse modo, a participação do país norte-americano na balança de exportações brasileira diminuiu de 11,8% para 9,3%.

Os dados fazem parte do levantamento mensal da balança comercial brasileira, divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

Também de acordo com a pesquisa do Ministério, somando todos os países, o volume de exportações brasileiras evoluiu 9,8% no mês de agosto e atingiu US$ 29,9 bilhões. O saldo da balança comercial - após exportações e importações - foi positivo em US$ 6,1 bilhões, 35,8% melhor do que no igual período de 2024. Ou seja, a diminuição nos embarques para o segundo maior parceiro comercial do Brasil não foi impeditiva para o avanço das exportações totais e um novo salto no saldo da balança brasileira.

Por outro lado, o Governo do Ceará decretou, nesta semana, situação de emergência econômica, devido ao tarifaço imposto pelo presidente norte-americano, Donald Trump. O Ceará é um dos estados brasileiros mais impactados pela imposição, o que tem preocupa diversos setores da economia. O novo decreto estadual permitirá que o Estado acesse recursos do orçamento que são reservados para situações de emergência.

No dia 7 de agosto, um dia após começar a vigorar o tarifaço, o governo estadual havia sancionado uma lei que autorizava o Poder Executivo a tomar uma série de medidas em apoio às empresas. Com o novo decreto, o governo estadual altera um artigo dessa lei e indica de onde virá o dinheiro para arcar com as medidas.

Assim, celebra-se, em parte, o fato de o País aparentemente estar reagindo bem às medidas tomadas contra a imposição da alta sobretaxa cobrada ao Brasil. No entanto, isso não pode (nem deve) gerar qualquer sentimento de acomodação, visto que, como é sabido, empresas cearenses e, consequentemente, empresários e funcionários têm sido bastante afetados pelas tarifas.

Com a perda de competitividade do produto taxado, o importador norte-americano deixa de comprar do Ceará. Assim, as indústrias cearenses deixam de vender para um de seus principais mercados. É louvável que as autoridades cearenses tenham sido ágeis na resposta contra o tarifaço, mas a vigilância tem de ser permanente, com a adoção de medidas que protejam os empregos e a busca de novos mercados a fim de enfrentar a crise com urgência. 

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