Anistia é afronta à democracia e à Constituição
Por Correio Braziliense
Não há justificativas jurídicas ou morais
para que o Congresso Nacional se disponha a absolver aqueles que atentaram
contra as instituições em 8 de janeiro de 2023
A proposta de anistia costurada por partidos
aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso, antes mesmo da conclusão
de seu julgamento e dos demais acusados de encabeçarem a tentativa de golpe,
representa uma afronta direta à Constituição e um desrespeito à democracia. Não
há justificativas jurídicas ou morais para que o Congresso Nacional se disponha
a absolver aqueles que atentaram contra as instituições em 8 de janeiro de
2023, quando os palácios da Praça dos Três Poderes foram invadidos e
depredados.
A única explicação possível é de ordem política: a extrema-direita busca blindar seu líder e transformar os golpistas em mártires de uma causa autoritária. É preciso dizer: não há paralelo entre essa tentativa e as anistias anteriores. Em 1979, por exemplo, a Lei da Anistia foi parte de um processo de abertura que visava restaurar a vida democrática, permitir a volta de exilados e perseguidos políticos. Ainda que controversa, por também incluir agentes do regime responsáveis por torturas, assassinatos e "desaparecimentos", aquela anistia tinha como horizonte a reconstrução da democracia. A que se pretende agora vai no sentido inverso: não repara injustiças, mas consagra um atentado sem precedentes contra a ordem constitucional desde a redemocratização do país, com a eleição de Tancredo Neves à Presidência.
Ao perdoar golpistas condenados, o Congresso
legitimaria esse ataque sem precedentes ao Estado Democrático de Direito.
Estaria transformando em direito adquirido a violência praticada contra o
próprio parlamento, que foi invadido e depredado por turbas manipuladas por um
projeto de poder inconfessável. Seria um gesto de autodepreciação política o
parlamento renunciar à sua dignidade e sua soberania.
A Constituição de 1988 é clara: são
imprescritíveis e inafiançáveis os crimes cometidos por grupos armados contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático. A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (STF), consolidada no caso Daniel Silveira, também não deixa
margem a dúvidas: não cabe indulto, graça ou anistia a quem atenta contra a
democracia. Aprovar uma medida dessa natureza seria, além de imoral,
flagrantemente inconstitucional.
Portanto, a tentativa de transformar a anistia
em bandeira é um ataque estratégico às instituições. Mais do que proteger
indivíduos, busca fragilizar a autoridade do STF e desafiar a legitimidade do
processo eleitoral. Não se trata de pacificação, mas de intimidação. Não se
trata de reconciliação, mas de nova ameaça. Mais ainda: um gesto de
lesa-pátria, porque forças externas ao país estão sendo mobilizadas para
sufocar nossas instituições, com medidas extremas, como o tarifaço de 50% sobre
os produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
É fundamental que a sociedade civil, as
instituições nacionais, os partidos democráticos e os poderes constituídos
resistam a esse retrocesso. Pesquisas recentes já mostraram que a maioria da
população rejeita a ideia de perdoar golpistas. Cabe ao Congresso ouvir essa
voz e rejeitar qualquer proposta de anistia que beneficie Bolsonaro ou seus
seguidores, caso sejam condenados pelo Supremo.
A democracia brasileira não pode ser traída em nome de conveniências eleitorais. Rasgar a Constituição é abrir caminho para novas aventuras autoritárias. Se o parlamento insistir nessa escolha, caberá ao Supremo barrar o desatino, reafirmando o compromisso do país com a lei e com a democracia.
Trump
incentiva leniência com as plataformas digitais.
Por O Globo
Sentença
branda contra Google pode ser explicada por avanço da IA, mas também pela
circunstância política
Foram
constrangedores os rapapés dispensados a Donald Trump pelos líderes das
principais plataformas digitais em jantar na Casa Branca nesta semana. Os
principais cardeais do Vale do Silício e das big techs encheram Trump de loas
diante das câmeras, deixando evidente aquilo que se sabia desde a posse, onde a
maioria também marcara presença: as principais empresas de tecnologia, antes
aliadas tradicionais dos democratas na Califórnia e noutros estados, se
tornaram trumpistas convictas.
Com
isso, têm obtido de Trump uma postura combativa contra a regulação das redes
sociais mundo afora e um olhar benevolente para os avanços em inteligência
artificial (IA). Ele ameaçou com tarifas os países que impuserem restrições a
negócios das plataformas, em especial a União Europeia (UE), que ontem impôs
nova multa de € 2,9 bilhões ao Google por abusos no mercado de publicidade
on-line. E não tem se furtado a desafiar decisões judiciais que desagradem.
É
sintomático, nesse contexto, que tenha frustrado a expectativa o desfecho do
processo contra o Google por abuso de monopólio no serviço de busca. O juiz
federal Amit Mehta rejeitou o pedido do Departamento de Justiça, feito ainda no
primeiro governo Trump, para que a Alphabet, dona do Google, fosse forçada a se
desfazer do navegador Chrome e de partes de seu sistema de venda de anúncios.
Determinou apenas que ela deverá compartilhar resultados de busca e informações
com rivais, além de ter restringido pagamentos a plataformas para manter o
Google como mecanismo-padrão de busca. E manteve intacto o Android, usado na
maioria dos celulares.
No
ano passado, o próprio Mehta, depois de ouvir promotores e testemunhas,
concluiu que “o Google é monopolista e atua para manter seu monopólio”. Criou a
expectativa de uma decisão dura. Na sentença, foi comedido. Seu desconforto
ficou patente quando afirmou que, em casos antitruste típicos, os tribunais
resolvem disputas com base no passado, mas, no processo contra o Google, “a
Corte foi chamada a olhar uma bola de cristal e ver o futuro”. Não é, disse
Mehta, um ponto forte dos juízes. Na sentença, ele constatou que, com o avanço
da IA, o Google passou a ser desafiado por novas empresas, como OpenAI,
Anthropic ou Perplexity. Nessa nova fronteira, diz Mehta, seu domínio poderá em
alguma medida diminuir. Mas o Google está longe de engatinhar no novo universo.
Vieram de seu laboratório as pesquisas e profissionais que deram origem a
praticamente todos os novos modelos de IA generativa. E o próprio Google tem o
seu, o Gemini, um dos líderes do novo mercado.
“Para
as big techs, a decisão é um alívio”, afirmou o cientista político David
Yoffie, da Harvard Business School. Certamente foi bem menos traumática do que
teria sido a quebra da Alphabet. A sentença de Mehta traduz, ao longo de 223
páginas, a inflexão no ímpeto regulatório que vinha marcando o cerco da Justiça
americana sobre as plataformas digitais. E coincide com a aliança delas com
Trump. Antes avesso ao Vale do Silício, ao longo da campanha eleitoral ele
atraiu o universo digital para a coalizão que hoje lhe dá sustentação política.
Como consequência, as plataformas deixaram de cooperar no mundo todo com
iniciativas de regulação e defesa dos usuários, confiando que o governo Trump
defenderá seus interesses. Não há como deixar de considerar isso um retrocesso.
Agronegócio
deve atuar para manter vetos a PL do licenciamento ambiental
Por
O Globo
Não
há argumento para defender a mobilização de parlamentares que querem restaurar
os retrocessos
Tem
sido decepcionante a ação da bancada ruralista no Congresso. Em vez de zelar
pelo futuro do agronegócio, setor mais pujante e inovador da economia
brasileira, ela tem atuado com persistência em favor do atraso nas pautas
ligadas ao meio ambiente. A insistência nas regras descabidas para o
licenciamento ambiental é a última prova disso.
É
consenso que a legislação precisava ser atualizada. Na ausência de
uniformidade, o que valia num estado não valia noutro, e leis municipais
embaralhavam ainda mais a situação. Obras de grande porte demoravam mais que o
razoável para ser avaliadas. A partir de uma demanda legítima, a pressão
ruralista levou, em julho, à aprovação de um Projeto de Lei (PL) que mantinha a
insegurança regulatória e promovia diversos retrocessos.
O
texto criava um instrumento chamado de Licença por Adesão e Compromisso. Na
prática, é uma licença autodeclaratória que permite a proprietários tocar as
obras apenas prometendo seguir as regras, sem exigência de estudo de impacto
ambiental. E esse era apenas um dos pontos descabidos. O PL enfraquecia a
proteção aos mananciais, desmontava a legislação da Mata Atlântica, acabava com
as três fases do licenciamento e permitia a cada estado impor regras próprias.
Em agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou ao vetar 63 trechos
do texto. Lula ainda previu o envio ao Congresso de uma Medida Provisória (MP)
para acelerar a velocidade de análise de obras consideradas estratégicas. Com
isso, a legislação ambiental ganhou a agilidade necessária sem perder o rigor
essencial para coibir a devastação.
Antes
mesmo de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), convocar sessão
conjunta para o Congresso analisar os vetos, deputados e senadores encaminharam
mais de 830 emendas à MP, com o objetivo de ressuscitar o conteúdo vetado. “A
gente vai derrubar os vetos, estamos mobilizados para isso. Mas apresentamos as
emendas para chegar minimamente próximo do texto que aprovamos”, disse o
deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA).
Quando o Brasil é criticado em fóruns internacionais pela devastação do meio ambiente, quando a agricultura e a pecuária brasileira são alvo de ameaças comerciais, muitas lideranças do setor rapidamente se dizem injustiçadas e argumentam, com razão, que os destruidores são uma minoria. Mas a defesa renhida da bancada ruralista à agenda dos devastadores põe em xeque as credenciais verdes do agronegócio. É hora de os produtores rurais comprometidos com a conservação falarem publicamente contra as aberrações e pressionarem congressistas. A oposição precisa vir de dentro e de fora do setor. Não há argumento lógico para a insistência no atraso.
Cruzada antivacina de Trump
ameaça a saúde pública
Por Folha de S. Paulo
Demissão de diretora do CDC é
mais uma ação do secretário Kennedy Jr. contra aplicação de imunizantes
Governo cortou verbas de
pesquisa e dissolveu comitê que organiza vacinação, enquanto país vive a maior
epidemia de sarampo em 30 anos
Movido a ideologia que
descarta evidências, o secretário de Saúde dos
EUA, Robert F. Kennedy Jr., está desmantelando uma das áreas vitais do
atendimento médico aos americanos: a vacinação.
O ponto culminante dessa
cruzada obscurantista do governo do republicano Donald Trump —mais uma,
entre muitas—
foi a demissão, no final de agosto, da diretora do Centro de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC), Susan Monarez, que resistiu a
mudanças impostas na política de imunização do país e ficou
menos de um mês no cargo.
Em protesto, outros cinco
nomes do alto escalão do CDC pediram demissão, criticando a crescente
politização do órgão e do setor de vacinas no país.
Em agosto, Kennedy Jr., um
notório propagador de teorias da conspiração, cancelou US$ 500 milhões em
subsídios e contratos para o desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro
(mRNA) —tecnologia que foi fundamental no enfrentamento da Covid-19 e tem
potencial para atuar contra tumores cancerígenos.
Antes, em maio, dissolveu o
Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP), órgão central no
programa de vacinação que oferece recomendações sobre os calendários, demitindo
17 membros. No lugar, nomeou pessoas com opiniões antivacina documentadas, sem
verificação de competência para garantir a independência do comitê.
O ACIP passou a reavaliar
ingredientes de vacinas já consolidados, como sais de alumínio, o que pode
forçar fabricantes a reformular imunizantes, atrasando o acesso às doses.
Também anunciou que iria rever recomendações relativas a vacinas infantis, como
a combinada contra sarampo, caxumba, rubéola e catapora.
Os EUA enfrentam a pior
epidemia de sarampo desde 1992, com 1.356 casos e ao menos três mortes no
primeiro semestre deste ano. A crise sanitária eclodiu em janeiro, numa comunidade
religiosa do Texas com baixa taxa de vacinação. A doença se espalhou por outros
estados.
Em agosto, a Organização
Pan-Americana da Saúde relatou alta de casos de sarampo nas Américas,
especialmente na América do Norte, sendo que 71% deles ocorreram em pessoas não
vacinadas.
Kennedy Jr. incentiva que
estados retirem a obrigatoriedade de imunização para que alunos frequentem as
aulas, quando houver motivos religiosos. A Flórida foi além e pretende
acabar com todas as exigências de vacinação, incluindo a escolar. É
temerário o futuro da saúde na nação que é a maior potência em produção
científica e tecnológica do planeta.
Mesmo com ataque dos EUA,
exportações resistem
Por Folha de S. Paulo
Vendas para México, Argentina
e China fazem contraponto ao tarifaço de Trump, mas ainda há riscos
Apesar de desempenho robusto no comércio, déficit nas contas externas, incluindo balança de serviços, já começa a preocupar
Mesmo com o cenário global
marcado por tensões comerciais e a imposição de tarifas de até 50% ao Brasil
por Donald Trump,
as exportações nacionais mantêm trajetória positiva, com alguns sinais de
adaptação estratégica.
Em agosto, as vendas para
os EUA registraram queda de 18,5%, totalizando US$ 2,76 bilhões,
ante US$ 3,39 bilhões no mesmo mês de 2024. Boa parte dessa retração é
atribuída diretamente ao tarifaço
imposto pelo republicano, que entrou em vigor no início do mês.
Ainda resta saber como as empresas vão se adaptar ao novo cenário, mas já é
possível captar sinais desse movimento.
Isso porque, no mês passado, o
desempenho geral das exportações totais permaneceu robusto, com alta de 3,9% na
mesma comparação, para US$ 29,9 bilhões. O superávit comercial ficou em US$ 6,1
bilhões. Tal resultado sugere um redesenho das cadeias de suprimentos, em que o
Brasil vai explorar alternativas.
Exemplos incluem o salto de
43,8% nas exportações para o México, beneficiado por acordos como o USMCA, e de
40,4% para a Argentina, por meio do Mercosul. Também houve forte aumento para a
China, de 31%, com volumes recordes em commodities.
De janeiro a agosto de 2025,
as vendas externas acumuladas bateram recorde histórico de US$ 227,6 bilhões,
crescimento de 0,5% ante 2024; já as importações desaceleraram 2% em agosto,
para US$ 23,7 bilhões. No ano, elas somam US$ 184,7 bilhões, com trajetória de
moderação devido aos juros altos e ao enfraquecimento da demanda interna.
Na soma geral, a balança
comercial deve se manter acima de US$ 65 bilhões neste 2025. Em
perspectiva mais ampla, contudo, o comércio de bens não se mostra suficiente
para conseguir ancorar as contas externas, sinalizando vulnerabilidades.
O agregado de todas as
transações, incluindo serviços, resulta na chamada conta corrente, que acumula
déficit de US$ 75,3 bilhões, ou 3,5% do PIB, nos 12 meses encerrados em julho
—o que começa a suscitar preocupação.
Um alento é o financiamento
desse deficit com investimentos de longo prazo, em vez de recursos
especulativos. No entanto os volumes não se mostraram suficientes no período. O
investimento direto no país (IDP) somou US$ 68,2 bilhões (3,2% do PIB) nos
últimos 12 meses.
A resiliência das exportações
até o momento é boa notícia, mas é preciso fortalecer a posição do Brasil e
minimizar riscos. Novas redes de produção, investimento e comércio deverão
surgir para se contrapor ao fechamento comercial dos EUA, abrindo novas
oportunidades.
Além de buscar mais capitais internacionais de longo prazo, com melhoria do ambiente de negócios e uma política econômica mais responsável, o país precisa resistir ao protecionismo comercial, diversificar mercados e consolidar presença no cenário de redesenho das cadeias de produção em escala mundial.
O Congresso contra a sociedade
Por O Estado de S. Paulo
Deputados e senadores parecem cada vez mais à
vontade para transformar o Congresso em casa de privilégios e negócios
privados, ignorando os reais interesses do País e a voz dos eleitores
O Congresso Nacional tem dado reiteradas
mostras de que se tornou um Poder divorciado da sociedade que deveria
representar. Se, na democracia, a legitimidade do Legislativo deriva do voto
popular, no Brasil a conduta de muitos parlamentares sugere que sua principal
preocupação é resguardar privilégios, ampliar poder e atender a interesses
particulares, e não legislar em favor de seus eleitores. Possuído por esse
espírito mercantil e corporativista, o Congresso tende a se tornar um monstro
incontrolável, mais voltado aos negócios privados do que à concertação pública.
O julgamento dos acusados de tentar um golpe
de Estado, ora em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), tem servido para
mobilizar as atenções da sociedade e deixar o Congresso ainda mais à vontade
para avançar com pautas que pouco ou nada têm a ver com o melhor interesse
público. Com uma parte do País voltada para o STF e outra, muito maior,
preocupada em colocar comida na mesa, parlamentares têm discutido projetos
capazes de minar os fundamentos da República. É o caso, por exemplo, da PEC da
Blindagem, que restaura o inaceitável privilégio de submeter à licença prévia
do Congresso a abertura de investigações e ações penais contra seus integrantes
– arquivada sabe-se lá até quando.
Se não dão a mínima para o sistema de freios
e contrapesos, mais grave ainda é o desdém de muitos deputados e senadores pela
opinião pública, outrora um temido anteparo à indecência. Confortável com um
sistema político que dificulta a renovação de quadros e fortalecido pelo poder
acumulado sobre o Orçamento por meio de emendas que escapam aos controles
republicanos, o Congresso virou as costas para o País. A sociedade civil se
insurge contra projetos claramente lesivos aos interesses nacionais, e o faz
com pertinência e espírito público, mas isso não chega a tirar um minuto de
sono de seus representantes eleitos. Ao que tudo indica, o Congresso não busca
se blindar apenas contra investigações penais, mas está surdo para a própria
voz dos eleitores.
Exemplos não faltam. Após anos de letargia, o
Senado acaba de aprovar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022, que
institui o Código de Defesa dos Contribuintes, com foco no combate aos chamados
“devedores contumazes” – empresas que fazem da inadimplência fiscal um modelo
de negócios. O busílis é que a súbita agilidade dos senadores coincidiu, ora
vejam, com a deflagração da Operação Carbono Oculto, que revelou a dimensão da
infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema financeiro. Não se
pode condenar quem acredite que o PLP 125/2022 continuaria dormitando nos
escaninhos do Congresso – haja vista a não infundada suspeita de conluio entre
alguns desses “devedores contumazes” e parlamentares –, não fosse o choque
causado pela Carbono Oculto.
Outro episódio paradigmático da dissociação
entre o Congresso e a sociedade é a tentativa de retaliação em curso contra o
Banco Central (BC). Como se sabe, a autoridade monetária vetou a compra do
Banco Master pelo Banco de Brasília, operação que, no entender dos diretores do
BC, significa um socorro indevido de um banco público a uma instituição privada
exposta a riscos excessivos. A decisão contrariou os interesses de Daniel
Vorcaro, dono do Master, sujeito poderoso pela combinação de sua fortuna com
suas conexões políticas na capital federal. Espanta, mas não surpreende, a
mobilização de parte do Congresso para aprovar um projeto que daria aos
parlamentares o poder de destituir a diretoria do BC, prerrogativa do
presidente da República em casos bem delimitados em lei. Ou seja, tudo leva a
crer que se está diante de uma vendeta típica de máfia contra uma decisão
técnica do BC tomada em prol do interesse público. Ao que parece, no
Parlamento, os interesses do sr. Vorcaro falam mais alto do que os de 213
milhões de brasileiros.
É de justiça reconhecer que nem todos os
parlamentares operam sob a lógica transacional. Há aqueles empenhados em
exercer o mandato com espírito público. Mas é inegável que o movimento
dominante no Congresso é conduzido por lideranças que veem o Legislativo como
extensão de seus interesses privados. É essa cúpula que está arrastando o
Congresso para um lugar nada bom para o País.
As digitais de Bolsonaro estão em toda parte
Por O Estado de S. Paulo
Sugerir que o ex-presidente foi ‘dragado’
para a trama golpista, como fez sua defesa, ofende a inteligência. É impossível
falar desse ataque à democracia brasileira sem citar o nome Bolsonaro
A esta altura, deveria ser ocioso insistir no
protagonismo de Jair Bolsonaro nos atos antidemocráticos que culminaram no 8 de
Janeiro e o fizeram réu por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes,
perante o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a defesa do ex-presidente
teve a pachorra de sugerir que seu cliente foi quase um mero espectador da
trama toda, ao afirmar que Bolsonaro teria sido “dragado” para a peça
acusatória sem que sobre ele pesasse “uma única prova”. Com todo o respeito que
merece a nobre atividade advocatícia, o argumento é um insulto à inteligência
alheia, para não dizer um deboche.
Ora, não haveria 8 de Janeiro sem Bolsonaro.
A bem da verdade, o réu é quem foi a draga que sugou todas as energias do País
para se manter no poder, embora tenha sido derrotado nas urnas em eleição limpa
e justa. Foi Bolsonaro quem, por meio de um processo sistemático de
deslegitimação das instituições e que se arrastou por anos, pavimentou o
caminho da ruptura institucional no caso de uma derrota eleitoral. Durante todo
o mandato, Bolsonaro instilou o ódio de seus camisas pardas contra as
lideranças políticas de oposição, a imprensa profissional, a Justiça Eleitoral
e o STF. Ao intoxicar o debate público espalhando mentiras sobre o sistema
eleitoral, Bolsonaro preparava o terreno para contestar qualquer resultado que
lhe fosse desfavorável. Tratava-se, como se vê, de um deliberado plano de
dilapidação dos pilares da democracia.
A alegação de que não haveria provas de sua
participação na trama golpista não resiste a um exame honesto da realidade
factual. Há provas abundantes – não apenas documentais, mas também na forma de
declarações públicas, discursos, reuniões e mobilizações populares instigadas
por Bolsonaro em pessoa. Nesse sentido, o trabalho investigativo da Polícia
Federal apenas deu contorno jurídico àquilo a que o País inteiro, atônito,
assistiu praticamente em tempo real: Bolsonaro insuflou, legitimou e organizou
a insurgência contra o resultado das urnas. E só não conseguiu subvertê-lo à
força porque contra seu desiderato liberticida se ergueram o espírito público e
a lealdade à Constituição dos então comandantes do Exército, general Freire
Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior.
O 8 de Janeiro não surgiu por geração
espontânea. Foi a culminação de uma espiral golpista diligentemente construída,
da qual Bolsonaro foi a personagem central. A multidão que tomou Brasília de
assalto agiu, é evidente, sob inspiração do “mito” no contexto de um estímulo
crescente à radicalização que, lamentavelmente, até mortes provocou. É
impossível narrar o pior ataque à democracia brasileira nos últimos 40 anos sem
mencionar o nome Bolsonaro, um mau militar, mau deputado e mau presidente que
nunca escondeu o orgulho de ser um inimigo declarado da Constituição de 1988.
Ao contrário do que sugeriu sua defesa ao
STF, data maxima venia,
Bolsonaro não é vítima de um enredo ao qual não teria dado causa. Ele é o
próprio artífice da tragédia institucional que se abateu sobre o País desde
quando, desgraçadamente, foi eleito presidente da República. O esforço da
defesa é comovente, mas o malabarismo retórico e a ofensa ao bom senso que
subjazem à ideia de que Bolsonaro teria sido “dragado” para os fatos narrados
na denúncia soam como desespero para tirar o ex-presidente da cena de um crime
na qual suas digitais estão por toda parte.
Bolsonaro tinha diante de si uma alternativa
muito mais simples e republicana: aceitar a derrota eleitoral, recolher-se,
liderar a oposição ao governo Lula da Silva e disputar novamente a eleição em
2026, quiçá com razoáveis chances de vitória. Mas, para isso, haveria de ser um
democrata, o que nunca foi nem será, haja vista que sua história política foi
toda marcada por um permanente desprezo pela democracia, pelas divergências e
pela convivência institucional civilizada. Por isso, a História registrará Jair
Bolsonaro não como vítima, mas, na melhor das hipóteses, como inspirador de um
plano golpista que fracassou porque a sociedade civil e as instituições se
mantiveram firmes em defesa da ordem constitucional democrática.
O efeito do tarifaço
Por O Estado de S. Paulo
Tombo de quase 20% nas vendas para os Estados
Unidos em agosto provavelmente é só o começo
O tarifaço de 50% que os EUA impuseram ao
País já se faz sentir nas exportações brasileiras. As vendas para o mercado
norte-americano caíram 18,5% em agosto, comparativamente ao mesmo mês do ano
passado, para US$ 2,76 bilhões, um tombo que até era esperado, mas não de
maneira tão imediata.
Para o diretor do Departamento de
Estatísticas e Estudos de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços, Herlon Brandão, não é possível saber se a queda
das exportações, daqui para a frente, será da mesma magnitude que a observada
no mês passado. É possível que parte dessa redução se deva ao fato de os
importadores terem antecipado encomendas na expectativa de que o tarifaço não
tivesse exceções.
Já o ex-secretário de Comércio Exterior
Welber Barral, consultor de comércio internacional, disse a O Globo que o impacto tende a
ser ainda maior nos próximos meses. Quase 700 produtos brasileiros receberam
tratamento especial e se livraram do adicional de tarifas, mas mesmo esses
itens registraram recuo nas exportações, entre eles minério de ferro, aeronaves
e combustíveis.
A notícia positiva é que as exportações
brasileiras, ainda assim, tiveram um bom desempenho de maneira geral. As vendas
externas aumentaram 3,9% em agosto, na comparação com o mesmo mês de 2024, com
destaque para o aumento de embarques para Argentina, China e México, que
receberam parte da produção que até então era enviada aos EUA.
Para os exportadores, a busca de novos
mercados é a melhor alternativa. Se ficar parado na expectativa de que Donald
Trump volte atrás de sua decisão não é uma opção, apelar a argumentos técnicos
para revertê-la também parece ocioso. Isso ficou claro na missão que a
Confederação Nacional da Indústria (CNI) enviou a Washington nesta semana, na
qual o vice-secretário de Estado dos EUA, Christopher Landau, enfatizou que as
tarifas têm um componente político.
Felizmente, há mercado para muitos produtos
brasileiros. O México se tornou o segundo maior cliente da carne bovina
brasileira, superado apenas pela China. Em paralelo, o Ministério da
Agricultura tem investido em negociações para abrir mercados para as proteínas
na Ásia, em especial no Japão, no Vietnã, na Indonésia e nas Filipinas.
Depois de mais de 20 anos de negociações, a
Comissão Europeia finalmente validou o acordo comercial com o Mercosul,
primeiro passo para que o tratado de livre comércio seja submetido aos
Estados-membros e ao Parlamento. A perspectiva de que ele possa ser assinado
ainda neste ano é um alento para o Brasil, mas também para a União Europeia,
cujo acordo com os EUA deixou uma legião de insatisfeitos.
Mesmo com o baque norte-americano, o saldo da balança comercial brasileira foi positivo em US$ 6,1 bilhões em agosto e em US$ 42,8 bilhões no acumulado do ano. Mantê-lo em terreno positivo no médio e no longo prazos dependerá não só da busca de novos mercados para os produtos brasileiros, mas do aumento da produtividade da economia brasileira e da remoção de barreiras às importações.
Tarifaço: o País reage; Ceará decreta
emergência
Por O Povo (CE)
Um mês depois da imposição da sobretaxa de
50% para produtos brasileiros vendidos aos Estados Unidos, iniciada em 6 de
agosto, o valor de exportação do Brasil caiu para o país norte-americano. No
entanto, cresceu para outros países. Em meio ao chamado tarifaço, o valor total
das exportações brasileiras aos Estados Unidos caiu 18,5%, em relação a igual
período do ano passado. Foram US$ 2,76 bilhões. Desse modo, a participação do
país norte-americano na balança de exportações brasileira diminuiu de 11,8% para
9,3%.
Os dados fazem parte do levantamento mensal
da balança comercial brasileira, divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Também de acordo com a pesquisa do
Ministério, somando todos os países, o volume de exportações brasileiras
evoluiu 9,8% no mês de agosto e atingiu US$ 29,9 bilhões. O saldo da balança
comercial - após exportações e importações - foi positivo em US$ 6,1 bilhões,
35,8% melhor do que no igual período de 2024. Ou seja, a diminuição nos embarques
para o segundo maior parceiro comercial do Brasil não foi impeditiva para o
avanço das exportações totais e um novo salto no saldo da balança brasileira.
Por outro lado, o Governo do Ceará decretou,
nesta semana, situação de emergência econômica, devido ao tarifaço imposto pelo
presidente norte-americano, Donald Trump. O Ceará é um dos estados brasileiros
mais impactados pela imposição, o que tem preocupa diversos setores da
economia. O novo decreto estadual permitirá que o Estado acesse recursos do orçamento
que são reservados para situações de emergência.
No dia 7 de agosto, um dia após começar a
vigorar o tarifaço, o governo estadual havia sancionado uma lei que autorizava
o Poder Executivo a tomar uma série de medidas em apoio às empresas. Com o novo
decreto, o governo estadual altera um artigo dessa lei e indica de onde virá o
dinheiro para arcar com as medidas.
Assim, celebra-se, em parte, o fato de o País
aparentemente estar reagindo bem às medidas tomadas contra a imposição da alta
sobretaxa cobrada ao Brasil. No entanto, isso não pode (nem deve) gerar
qualquer sentimento de acomodação, visto que, como é sabido, empresas cearenses
e, consequentemente, empresários e funcionários têm sido bastante afetados
pelas tarifas.
Com a perda de competitividade do produto taxado, o importador norte-americano deixa de comprar do Ceará. Assim, as indústrias cearenses deixam de vender para um de seus principais mercados. É louvável que as autoridades cearenses tenham sido ágeis na resposta contra o tarifaço, mas a vigilância tem de ser permanente, com a adoção de medidas que protejam os empregos e a busca de novos mercados a fim de enfrentar a crise com urgência.
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