Revista Será?
O que Trump fala não vale um cent de dólar. Até porque, ele é impulsivo e parece ser muito mal-informado sobre vários assuntos e, mais ainda, sobre países da segunda linha das potências mundiais, entre os quais, o Brasil. Tudo indica que ele não conhece o Brasil, tem vaga ideia sobre o maior país da América Latina e deve achar que não precisa de nada além de suas suspeitas para tomar decisões. Como ele se considera um ser superior que, além do mais, é o “dono” da nação mais poderosa do planeta, não importa muito o que diz, o que pensa e o que faz em relação a uma “república de bananas” da América Latina.
Depois de um semestre dedicado a agredir o
Brasil com absurdas sanções comerciais (50% de tarifa sobre produtos
brasileiros), declarações e atitudes de total desrespeito à soberania nacional,
de repente, a química. Na Assembleia Geral das Nações Unidas, depois de um
aperto de mãos nos bastidores, o presidente dos Estados Unidos declarou que
tinha havido uma “química” com o presidente Lula da Silva e sugeriu um encontro
pessoal entre os dois chefes de Estado. Isso depois do discurso anterior de
Lula com críticas a aspectos da política externa dos Estados Unidos e defesa
contundente da soberania nacional. Duas semanas depois, Trump e Lula se
encontraram numa reunião por teleconferência, considerada pelo presidente dos
Estados Unidos como “uma ótima conversa”, acrescentando que “nossos países se
darão muito bem juntos”.
Esta virada na relação entre os países, com a
promessa de um encontro pessoal ainda este semestre, pode ser atribuída à
simples inconsistência do pensamento de Trump, inesperada simpatia trumpista
que deve ser vista com ceticismo. E o cafezinho? Como entra na relação? O
histriônico presidente disse a Lula que os Estados Unidos estariam “sentindo falta”
de alguns produtos brasileiros, citando o preço alto do cafezinho na mesa dos
norte-americanos. Alguém teria soprado no ouvido de Trump que os Estados Unidos
têm superavit comercial com o Brasil e, o que é mais importante, o preço do
café cresceu 3,6% no mês de agosto, acumulando uma alta de 20,9% em doze meses,
resultado direto da tarifa de 50% sobre o produto brasileiro. Teria sido então
cafeína a substância química que aproximou Trump de Lula?
Brincadeira à parte, Trump deve ter percebido
que a sanção comercial ao Brasil tem impactos negativos na economia dos Estados
Unidos, e que no Brasil teve um abalo, mas está conseguindo abrir novos
mercados para as commodities punidas pelas elevadas tarifas dos Estados Unidos.
E o governo brasileiro demonstrou, corretamente, sua disposição de não se
submeter aos arrogantes ataques de Trump. Sofrendo pressões políticas internas
e, quem sabe, percebendo, afinal, que o Brasil não é uma república de bananas,
o presidente dos Estados Unidos estaria inclinado a rever sua guerra tarifária.
Sendo assim, por que ele indicou o Secretário de Estado, Marco Rubio, para
conduzir as negociações futuras entre os dois países? Por que logo o declarado
adversário do Brasil no secretariado de Trump? E por que não o Secretário do Comércio,
Howard Lutnick, se o que está em jogo são acordos comerciais? Os mais céticos
consideram que, depois da conversa simpática com Lula, Trump quis manter a
pressão sobre o governo brasileiro e insistir na ingerência na política interna
do Brasil, missão concedida a Rubio.
Trump só negocia com pressão. Mas, no que se
refere às sanções comerciais, Rubio terá que abrir espaços para uma redução
significativa das tarifas alfandegárias, e não por conta de uma repentina
simpatia pessoal por Lula. No entanto, a pressão terá outro destino. O
Secretário de Estado deve assumir as negociações para trazer outros temas de
política externa muito importantes para a estratégia trumpista de hegemonia
mundial. O adversário dos Estados Unidos na hegemonia global é a China e Trump
vê a expansão dos chineses na América Latina (no seu quintal, deve pensar) como
uma grave ameaça. E o Brasil é o principal parceiro (comercial e político) da
China no continente, maior país da América Latina cultivado pelos chineses; e o
governo Lula tem se destacado como o mais ativo membro do BRICS e grande
defensor da substituição do dólar como moeda internacional.
Ao contrário do que Trump pode ter imaginado
na sua ignorância, a política de sanções e agressões dos Estados Unidos empurra
o Brasil nos braços da China, talvez até mais do que o próprio presidente Lula
gostaria. Se esta análise estiver correta – nunca se sabe o que se passa na
instável cabeça de Trump – as negociações podem levar à retirada das sanções
comerciais e até políticas, mas os Estados Unidos vão exigir que governo
brasileiro modere a sua adesão ao bloco liderado pela China. Seria mesmo
correto que o Brasil adotasse uma política externa de saudável equidistância
das duas grandes potências, Estados Unidos e China. Sem se afastar do BRICS e
do grande parceiro chinês, deve evitar o confronto verbal com Washington,
principalmente enquanto o narcisista mor estiver sentado no Salão Oval da Casa
Branca.
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