sábado, 11 de outubro de 2025

Inimigo do povo. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Petismo reage a derrota em MP dos impostos emulando discurso da antipolítica

Parlamentos surgiram historicamente para controlar gastos de governantes

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente entre outras razões porque, naquele 2022, representava a união de forças democráticas contra um adversário que já escancarara seus ímpetos autoritários. Não que Lula e o PT tenham sido sempre baluartes da elegância republicana, mas jogam dentro das quatro linhas da Constituição, o que Bolsonaro não fazia.

Não importa o que digam as pesquisas eleitorais hoje, o próximo pleito deverá ser, como o anterior, uma disputa apertada. É do interesse de Lula, portanto, seguir cultivando a imagem de democrata dedicado.

Esse é um terreno em que seu adversário mais provável, Tarcísio de Freitas, que já prometeu indultar golpistas e já vestiu o boné do Maga trumpiano, tem escorregado feio.

Nesse contexto, parece-me um erro o petismo reagir à derrota da MP de aumento dos impostos atacando o Parlamento. "Congresso inimigo do povo" foi o mote escolhido pelo deputado Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara.

Vejo dois problemas nessa atitude. Em primeiro lugar, ela emula o discurso antipolítica da extrema direita.

Qualificar o adversário como inimigo é uma forma de tentar roubar-lhe legitimidade. Ele deixa de ser alguém com um ponto de vista diferente, que pode ser objeto de debate e de negociação, para tornar-se figura malévola a ser combatida e eliminada. Aliás, a expressão "inimigo do povo" já deu margem a tantos abusos ao longo da história que democratas genuínos deveriam abster-se de utilizá-la.

Em segundo lugar, a retirada da MP dos impostos é o que se pode chamar de "fair game" (alvo legítimo). É absolutamente normal e esperado que um Congresso dominado por oposicionistas vote para não aumentar o espaço fiscal para gastos do Executivo num ano eleitoral. O PT cansou de fazer isso quando era oposição. E nem dá muito para falar em sabotagem sistemática quando o PL que isenta o IR dos pobres e aumenta o dos ricos passou por unanimidade na Câmara.

Parlamentos, não custa lembrar, surgiram justamente para tentar controlar os gastos de governantes.

 

 

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